Como ele conseguiu isso? De uma maneira muito simples: ele conseguiu reunir uma grande maioria contra ele. Hoje, o “anti-mileísmo” surge como a principal identidade política do país.
Esse é o novo eixo articulador: quase todo mundo é contra Milei, tanto por causa de seu estilo quanto por suas decisões.
Por um lado, há as maneiras do presidente, que são cansativas e desgastantes. Os insultos são irritantes. As desculpas são chatas. Seus cálculos não são confiáveis. E a consequência é imediata: seus índices estão caindo, sua confiança está diminuindo, sua imagem positiva está em queda.
A comunicação atual de Milei é mais típica de um comentarista de TV opositor em campanha do que do mandatário máximo de um país que tem a responsabilidade de resolver os problemas cotidianos. A comunicação que o ajudou a chegar até aqui será a mesma que o tirará daqui. Ou seja, essas formas disruptivas não são úteis para a próxima etapa, a menos que se tenha uma boa gestão e decisões acertadas. Hoje, por sua nova função, seu papel esperado é outro. Seu manual de distração não distrai mais. Os cidadãos argentinos querem soluções o mais rápido possível e menos conversa fiada.
Por outro lado, há a substância do que ele diz e faz. E neste nível, o do conteúdo e das propostas, ele não está em sintonia com a grande maioria. Nem os cortes contra os aposentados, nem o ataque às universidades públicas, nem o fechamento de hospitais. Nenhuma dessas propostas, para citar os três exemplos mais recentes, corresponde ao senso comum do povo argentino. Elas nem sequer são endossadas por uma boa parte de seus eleitores do segundo turno, que não votaram nele por isso.
Milei tem se tornado solitário porque decidiu abandonar todos, exceto alguns poucos; e também decidiu dar as costas a um corpo ideológico consensual no país. Definitivamente, Milei está optando por abraçar sua intensa minoria antes de chegar ao seu primeiro ano como presidente.
Esse fenômeno pode ser observado em qualquer pesquisa e em qualquer grupo focal. E também pode ser visto na fragmentada classe política da Argentina. A cada dia é mais comum encontrar posições comuns em um arco de oposição altamente heterogêneo que está unido apenas por um cordão umbilical: discordar do que Milei faz. Por isso, surpreendentemente, podemos encontrar em uma marcha a esquerda tradicional, algum setor do PRO, radicais, peronistas kirchneristas, peronistas não kirchneristas, organizações sociais que não se falam há algum tempo e muitos cidadãos que vão às ruas espontaneamente, que votaram em um ou em outro. Todos juntos porque eram contra alguma medida tomada por Milei. A Frente Anti-Milei está crescendo e se consolidando.
O governo atual está passando por seu próprio ponto de inflexão. Erroneamente, pensaram que teria apoio político para sempre. Estavam enganados. O que eles realmente tiveram foi um apoio eleitoral momentâneo em meio a um grande estado de desordem e confusão, aliado a uma forte crise de representatividade. Algo semelhante aconteceu com Macri em seu governo. Ele se superestimou, crendo valer muito mais do que realmente valia. E assim se foi.
Como no filme Birdman, Milei ainda está preso em seu próprio personagem. Ele continua a ser aquele comentarista que fala alto, capaz de dizer qualquer coisa, sem nenhuma outra responsabilidade a não ser criticar a esquerda e a direita, e sem precisar provar nada. Ele era bom nessa tarefa. Mas nem todo bom candidato é um bom presidente. Menos ainda se ele persistir em sua condição de candidato.
Em resumo, qualquer pessoa que queira dançar constantemente no meio da pista de dança corre o risco de parecer bem ou ridícula. O que é certo é que isso não passa despercebido. Estar no centro da agenda exige muito. Exige um bom desempenho aos olhos do público. E o que Milei está mostrando é que os aplausos estão chegando ao fim.