Os Estados Unidos estão colonizando e militarizando a órbita da Terra e recrutando aliados como o governo de Yoon Suk Yeol, da Coreia do Sul. Em termos mais específicos, a Força Espacial dos EUA está criando um “enxame” de satélites que, integrados com Inteligência Artificial (IA), buscam obter uma visão panorâmica de todos os domínios da guerra. Essa arquitetura espacial proliferada para combatentes (PWSA) de pequenos satélites de órbita terrestre baixa (LEO) permitiria aos Estados Unidos, nas palavras do Departamento de Defesa, “sentir, entender e agir em todos os níveis e fases da guerra, em todos os campos e com parceiros, para oferecer vantagens em termos de informações na velocidade da sua relevância”. Essas ações deram início a uma corrida armamentista internacional para o espaço. Em 2020, a China solicitou à União Internacional de Telecomunicações das Nações Unidas o lançamento de seus próprios satélites LEO.
No entanto, sobrecarregados com uma dívida de 35 trilhões de dólares, os Estados Unidos não podem fazer isso sozinhos. Eles precisam de sua indústria armamentista e de aliados como a Coreia do Sul. Essa necessidade fez com que o governo Yoon lançasse seu próprio programa, o “NewSpace”, para fomentar seu próprio setor aeroespacial. A colonização e a militarização da órbita da Terra gerarão trilhões de dólares para os especuladores da guerra, ao passo que empobrecem a humanidade e o planeta.
No dia 19 de outubro de 2024, dezenas de ativistas de toda a Coreia do Sul realizaram seu primeiro encontro nacional – a “Discussão Nacional sobre a Indústria Espacial e a Militarização do Espaço” – em oposição ao programa NewSpace do governo Yoon, devido aos seus custos destrutivos em termos militares, econômicos e ao meio ambiente.
O NewSpace da Coreia do Sul
Como parte das ações anuais da Space4Peace “Keep Space for Peace Week” (Semana Deixe Espaço para a Paz, em tradução livre), programados para coincidir com a Semana Mundial do Espaço da ONU, a Discussão Nacional foi realizada em Daejeon, um dos três locais cotados para formar o núcleo espacial de Yoon. Sung-hee Choi, da People Against the Militarization of Space and Rocket Launches (Povo contra a militarização do espaço e lançamentos de foguetes), explicou que os satélites LEO são promovidos na perspectiva de seu potencial de fornecer acesso universal à internet, como é o caso da Starlink da SpaceX, mas há poucas menções à sua finalidade militar. A Força Aérea dos EUA reconheceu, em 1996, que essa dupla finalidade lhe proporcionaria estar na “melhor posição” estratégica na guerra.
Choi explicou como a enorme dívida dos Estados Unidos significa que eles precisam de aliados como a Coreia do Sul para poderem concretizar a colonização espacial. Em 2016, os EUA assinaram um acordo de cooperação espacial que dá à Coreia do Sul acesso à tecnologia e ao conhecimento técnico aeroespacial dos EUA. Em 2022, o governo Yoon concordou em abrigar um comando estrangeiro da Força Espacial dos EUA, integrando os satélites da Coreia do Sul à rede de satélites militares dos Estados Unidos. Em junho de 2024, a Coreia do Sul realizou seus primeiros exercícios militares de múltiplos domínios com os Estados Unidos e o Japão, incluindo o domínio espacial. Em seguida, em setembro de 2024, a Coreia do Sul assinou uma Carta de Intenções com os EUA para compartilhar tecnologia aeroespacial por meio das Operações Comerciais Conjuntas das Forças Espaciais dos EUA.
A SpaceX é fundamental para atender a abordagem NewSpace dos Estados Unidos por meio do setor privado. Aproveitando sua tecnologia de foguetes reutilizáveis, seus 399 lançamentos e os 6.371 satélites ativos da Starlink (60% do total mundial), o Starshield da SpaceX (versão militar da Starlink) fornece serviços de satélite e lançamento para a proliferação da arquitetura de satélites de guerra da Agência de Desenvolvimento Espacial dos EUA. Seguindo o exemplo dos Estados Unidos, o governo Yoon está criando sua própria versão da SpaceX: a Hanwha Aerospace.
Externamente, o governo Yoon apresenta seu investimento no setor aeroespacial como uma fonte de desenvolvimento regional para áreas subdesenvolvidas. No entanto, como mencionou Hyun-hwa Oh, co-presidente da Catholic Climate Action, poucas pessoas que moram nesses locais sabem como esses empreendimentos são usados para promover guerras e muito menos têm voz ativa para decidir se querem ou não servir de sede para eles. Pior ainda, muitos são forçados a escolher entre empregos na fabricação de armas ou não ter emprego nenhum.
Os custos da guerra 4.0
A quarta revolução industrial está transformando a maneira como conduzimos as guerras. Se os satélites integrarão e controlarão todos os domínios (naval, aéreo, terrestre, espacial e ciberespacial), no centro de seu núcleo de comando (o Comando e Controle Conjunto de Todos os Domínios) estarão a IA e o aprendizado de máquina (machine learning) para “extrair inteligência de forma autônoma e criar modelos preditivos do que eles [os satélites] observam”. Como observou Hee-eum, já estamos testemunhando os custos humanos da Guerra 4.0 por meio do programa de IA Lavender de Israel. Conforme reportado na revista +972, durante as primeiras semanas do bombardeio israelense em Gaza, o Lavender identificou quase todas as pessoas que seriam alvo de bombardeios. Apesar de saber da taxa de erro de 10% do programa de IA, a maioria dos alvos selecionados foi aprovado em cerca de 20 segundos.
Leia também – Mapas, guerra e poder
A Guerra 4.0 também acelera a destruição ambiental. Como destacou Hee-eum, a viagem de ida e volta para lançar satélites libera emissões de gases de efeito estufa equivalentes a dar 70 voltas ao redor da Terra com um carro. Pior ainda, libera fuligem que absorve o calor e pode aumentar as temperaturas na atmosfera superior. Além disso, a IA que analisará os dados dos satélites consome muita energia. Até mesmo o ChatGPT requer 10 vezes mais eletricidade do que uma pesquisa no Google. Além disso, um satélite Starlink é desorbitado após cinco anos e depois é queimado na reentrada para a Terra, produzindo óxidos de alumínio que destroem a camada de ozônio. A Força Aérea dos EUA prefere períodos de vida ainda mais curtos para os satélites, para permitir atualizações mais frequentes. A expansão desses satélites criará mais lixo espacial, queimando e poluindo a atmosfera.
Ainda lutando a Guerra Fria 1.0
Se a conferência lançou a luta contra a militarização do espaço pelo governo Yoon, ela também permaneceu conectada às lutas contra a militarização na Coreia do Sul, a primeira linha de ataque dos Estados Unidos contra a China. Particularmente, os participantes da conferência falaram sobre a construção de aeroportos com dupla função militar. Kim Yeon-tae, presidente da People’s Action to Nullify The New Saemangeum Airport, tratou como absurdo gastar mais de 40 trilhões de won ( 30 bilhões de dólares) para construir mais dez aeroportos em um país pequeno como a Coreia do Sul, onde 11 dos 15 aeroportos são deficitários. A construção de novos aeroportos só faz sentido quando se leva em conta seu duplo uso militar. Mais especificamente, o Aeroporto Internacional de Saemangeum – bem de frente para a China e conectado à Base Aérea de Kunsan dos EUA – permitiria que a Força Aérea lançasse mais jatos aos céus. Soon-ae Kim, presidente do Comitê Operacional do Partido Verde de Jeju, explicou como a construção de um segundo aeroporto na ilha e as perspectivas de seu uso militar violam a designação oficial de Jeju como uma ilha de paz.
Os palestrantes e participantes da conferência deixaram claro que seu movimento tem raízes nas lutas contra a exploração da destruição humana e ambiental e que esse movimento persistirá. Yong-woon Hwang, jornalista e ativista contra a Base Naval de Jeju, falou da conscientização do público sobre a IA e a militarização do espaço por meio do Whistler Film Festival, que ocorre todos os anos. Em última análise, os ativistas se reuniram para construir um mundo melhor, no qual possamos viver e que possamos deixar para nossos filhos.
(*) Tradução de Raul Chiliani