No dia 8 de junho de 2017, Jeremy Corbyn (nascido em Chippenham, Inglaterra, em 1949) tornou-se o político do Partido Trabalhista mais votado deste século. 12,7 milhões de pessoas depositaram sua confiança no então líder do partido. Um político que propunha mudanças profundas no sistema político britânico, imerso pela esquerda e pela direita na ideologia neoliberal desde a década de 1980, se destacou sobre uma onda de mudanças que varria o Reino Unido. Naquela ocasião, Corbyn ficou a dois pontos da candidata conservadora, Theresa May. Dois anos depois, ele ultrapassou novamente os dez milhões de votos, mas perdeu para Boris Johnson.
O Sr. Islington, como é chamado em referência ao bairro londrino em que mora e pelo qual é eleito no intrincado sistema eleitoral britânico, foi posteriormente destituído da liderança do Partido Trabalhista, ao qual pertenceu por mais de quatro décadas. Na eleição de julho passado, quando o projeto de austeridade dos tories (conservadores) sucumbiu definitivamente, Keir Starmer liderou em termos de número de deputados, embora tenha ficado aquém dos dez milhões de votos. Pela primeira vez desde a década de 1980, Corbyn se candidatou como independente em seu distrito eleitoral. Para trás ficavam as perseguições do establishment e o processo de expurgo de seu partido durante o governo de Starmer, dos quais trata nesta entrevista. No último dia 19, o homem dos doze milhões de votos esteve no evento “Uni de Otoño” do partido espanhol Podemos. Ele falou sobre a paz e os benefícios daqueles que buscam a guerra.
Você participou de um livro, Monstrous Anger of the Guns (A monstruosa ira das armas, Pluto Press, 2024). Por que é relevante tratar do poder da indústria armamentista?
O livro foi escrito por um grupo de pessoas, incluindo eu. Um dos autores é Andrew Feinstein, que foi membro do parlamento da África do Sul pelo Congresso Nacional Africano e teve uma grande disputa com Jacob Zuma quando ele era presidente, sobre a compra de equipamentos militares de que a África do Sul absolutamente não precisava. Essas compras eram acompanhadas de altos subornos dos fabricantes das aeronaves em questão. Feinstein, que era muito próximo de Mandela, expôs tudo isso e confrontou Zuma. Ele decidiu então se mudar para a Grã-Bretanha e criar uma organização chamada Shadow World Investigation, que investiga a corrupção do comércio de armas, não apenas na África do Sul, mas em todo o mundo. Seu artigo no livro tem como objetivo mostrar quanto dinheiro é gasto em armamentos em todo o mundo, o poder que o lobby da indústria armamentista tem na corrupção e a quantidade de dinheiro e lucro que é obtido com isso. É também uma exposição da maneira sistemática com que ela influencia a política externa e como os lobbies da política externa funcionam na Grã-Bretanha e nos EUA. A BAE Systems, a Boeing, a Raytheon [agora RTX] e todas as outras financiam várias organizações que supostamente promovem debates sobre diplomacia internacional, mas que, na realidade, promovem a ideia de guerra.
Quando você tomou conhecimento desse poder?
A primeira vez que tomei conhecimento foi no início da década de 1990. Quando o Muro de Berlim caiu, o Pacto de Varsóvia acabou e começou uma era de relativo desarmamento. O número de ogivas nucleares foi reduzido, os principais orçamentos de defesa do mundo foram reduzidos. Nessa época, fomos convidados a cafés da manhã incrivelmente caros no Royal United Services Institute – embora o café da manhã tenha sido bastante medíocre, mas não importa. Eles tentava nos explicar onde estariam os perigos no futuro e justificar por que essa peça, essa peça e a peça seguinte eram necessárias. Sempre fui cético em relação ao poder do lobby para a democracia. Este livro foi concebido para expor isso.
É uma questão complexa, devido ao número de trabalhadores envolvidos nesse processo.
Muitas pessoas nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha e na Europa trabalham no setor de armamentos. Elas fabricam os aviões, os motores e os mísseis, as bombas e assim por diante. As pessoas que trabalham lá não são pessoas ruins. Elas precisam de um emprego. Pensei muito sobre esse assunto e o abordamos nos programas das duas últimas eleições gerais. Quero que consigamos iniciar um processo de conversão desse setor da população, afastando-os da indústria armamentista e, em vez disso, usar essas habilidades para outras coisas. Isso não pode ser feito sem um grande investimento público. Do meu ponto de vista, todos os empregos devem ser garantidos, deve-se garantir o investimento para essa conversão. Se não fizermos isso em nível mundial, o que faremos? Há austeridade, economia e pobreza na Espanha, França, Grã-Bretanha e Alemanha, em toda a Europa. Estamos voltando a uma economia de austeridade. A única coisa que está aumentando são os gastos com armas. A meta da OTAN é de 2,5% do PIB. Estamos organizando uma série de reuniões públicas em todo o Reino Unido. Nosso objetivo é também discutir com as pessoas que dirão: “Bem, eu trabalho para uma empresa que está recebendo contratos do Ministério da Defesa… Qual é a sua resposta para mim?”
Estamos no meio de um genocídio em Gaza, não enxergamos o fim da guerra na Ucrânia. Vivemos na utopia dos vendedores de armas?
O que estamos vendo agora em Gaza é o poder da inteligência artificial, o poder dos drones, o poder dos dispositivos de vigilância. A destruição de Gaza por bombas provenientes de aeronaves fabricadas principalmente nos Estados Unidos e na Europa, especialmente na Inglaterra. Na Ucrânia, o que se vê são empresas armamentistas chegando e dizendo à Ucrânia “o que vocês precisam é isso, isso e isso”. Os fabricantes de armas na Rússia dizem a Putin que precisam produzir mais. Onde está a linguagem da paz? Onde está a linguagem da justiça e onde está a linguagem da busca por um mundo mais pacífico? Outro fator a ser observado é o enorme nível de destruição ambiental causado pela guerra. As emissões de carbono causadas por essas armas nunca são calculadas nos compromissos ambientais. Precisamos começar a falar sobre isso.
Recentemente, o primeiro-ministro inglês Keir Starmer ordenou um embargo parcial à venda de armas para Israel. Isso é suficiente?
Não. O argumento para o embargo vem de longa data. Estou envolvido na discussão sobre a limitação de suprimentos para Israel há muitos anos e venho promovendo discussões sobre isso há pelo menos vinte anos no Comitê de Controle de Armas. Após 8 de outubro do ano passado, na oposição, Starmer deu seu apoio incondicional a Israel. Ele se impressionou com o crescente apoio aos palestinos e subestimou completamente a reação do público antes da última eleição. Os trabalhistas tiveram 700 mil votos a menos em 2024 do que cinco anos antes, quando eu era líder do partido. Nós tivemos mais votos. No entanto, o sistema eleitoral lhe deu uma maioria enorme.
Mesmo assim, vários parlamentares pró-Gaza foram eleitos.
Conseguimos eleger cinco vozes independentes em relação a Gaza. Starmer sofreu muita pressão na Grã-Bretanha por sua postura inicial. E é por isso que, no final, ele disse que limitaria o fornecimento de armas a Israel. Quando eles fizeram essa declaração, foram muito genéricos. Não especificaram de quais armas estavam falando. E suspenderam 30 licenças, mas há mais de 300 licenças que, de fato, ainda estão em vigor. Novamente, confesso que estou muito cético em relação ao que Starmer anunciou porque, apenas três horas depois, o Secretário de Defesa fez uma declaração dizendo que a suspensão das licenças não afetará Israel. É por isso que manteremos a pressão. É por isso que eu estava na audiência da Corte Internacional de Justiça.
Como as coisas podem evoluir em relação ao envolvimento do Reino Unido?
A situação é complexa porque Starmer disse que o Ocidente continuará apoiando Israel. Israel continua bombardeando o Líbano. Mais de um milhão de pessoas estão sendo expulsas de suas casas lá. Existe a preocupação de que a base da Royal Air Force (RAF) no Chipre – que é uma base britânica soberana, não faz parte do Chipre – esteja sendo usada para voos de vigilância e para entregar armas a Israel. Queremos saber se ela está sendo usada para mais alguma coisa. Porque eles continuam dizendo que quando Israel estiver sob ameaça do Irã, a Grã-Bretanha estará preparada para defender Israel. Afirma-se que já houve operações militares no Líbano.
Que tipo de medida política Starmer precisa tomar, e por que ele não a toma?
Se tivéssemos um mapa do mundo nesta mesa à nossa frente e colocássemos um alfinete verde para cada país que apoia a Palestina em todo o mundo e um alfinete azul para aqueles que demonstraram seu apoio a Israel, não veríamos muitos alfinetes azuis, alguns poucos. Mas eles são muito importantes, principalmente os Estados Unidos. Portanto, precisamos fortalecer a discussão, a discussão pública nos EUA, bem como na Europa, o que temos feito. Starmer deve entender que ele perdeu muitos eleitores muçulmanos nas eleições gerais. E se ele acha que na Grã-Bretanha apenas os muçulmanos e palestinos estão preocupados com Gaza, ele está errado. Ele deve estar ciente de que todas as manifestações pró-palestinas têm sido maciças. Como na Espanha, na França, em todos os lugares, nessas manifestações havia judeus, cristãos, hindus, muçulmanos. Portanto, é preciso entender que todos os políticos europeus que estão dando esse apoio incondicional a Israel fazem parte de uma minoria muito pequena.
No ano passado, vimos protestos de massa contra o genocídio em todo o mundo. Mas muitas pessoas estão desesperadas com a impunidade com que Netanyahu age. Qual é a sua mensagem para evitar que as pessoas percam a esperança?
A esperança é um elemento muito poderoso e muito importante. Em Gaza, na Cisjordânia, em um campo de refugiados, a única coisa em que você pode confiar é na sua própria determinação e na solidariedade das pessoas de fora. Muitas vezes tenho a mesma sensação que você descreve, vou a todas as manifestações de apoio à Palestina na Grã-Bretanha. E acho que fizemos o nosso melhor. Duas coisas acontecem. Uma é que recebo telefonemas de pessoas de Gaza, da Cisjordânia, agradecendo-me pela solidariedade. E a outra é que começo a ouvir um número cada vez maior de jornalistas, políticos, etc., que começam a criticar cada vez mais o que está acontecendo e a maneira como Israel está agindo. Portanto, essa mobilização faz a diferença. Mas se não fizéssemos isso, se não saíssemos e marchássemos, se não fizéssemos barulho… Que tipo de seres humanos seríamos? Que tipo de seres humanos seríamos? Sabemos que 40 mil pessoas morreram em Gaza. E isso foi confirmado por todas as agências internacionais, não apenas pelo Ministério da Saúde de Gaza. Também sabemos muito bem, pelos relatórios que recebemos, que há milhares de corpos sob os escombros dos prédios destruídos. Também sabemos que há fome em massa, afetando as crianças. Que tipo de seres humanos seríamos se não fizéssemos nada para impedir isso? Portanto, temos que continuar marchando e dar esperança ao povo palestino. Mas também dar esperança ao mundo inteiro de que esse terror pode ser superado.
Em agosto do ano passado, o Labour Against Antisemitism [Trabalhistas Contra o Antisemitismo] acusou Starmer de agravar o antissemitismo ao propor o embargo parcial de armas. Como o rótulo de antissemitismo é usado para desacreditar aqueles que defendem posições legítimas, como essa?
O antissemitismo é um horror absoluto. O povo judeu sofreu massacres por causa da discriminação durante séculos. Na Espanha, houve a expulsão dos judeus no século XVI. Também houve perseguições na Rússia contra o povo judeu. Muitos desses judeus fugiram da Rússia e de outros lugares. O que eles fizeram? Formaram comunidades na classe trabalhadora. Nos séculos XIX e XX, eles eram absolutamente fundamentais para o movimento socialista e trabalhista. Os nazistas usaram o sentimento antissemita e isso terminou com o Holocausto e a morte de seis milhões de pessoas de origem judaica. Portanto, cada um de nós deve estar ciente do mal do antissemitismo.
Mas acusar alguém de antissemitismo porque critica o Estado de Israel e sua ocupação da Palestina – que tem como alvo vítimas civis, escolas e hospitais – é monstruoso. Quando eles dizem que a decisão de Starmer de suspender a exportação de um pequeno número de armas é antissemita, isso não faz sentido algum. Na realidade, é completamente ineficaz. Também estou ao lado do povo judeu de Israel que se opõe à ocupação. Há duas semanas, estive com meu bom amigo Ofer Cassif, que é membro do Knesset [parlamento israelense] e foi suspenso pelo Knesset por se opor à ocupação. Portanto, tudo isso não tem a ver com antissemitismo, mas com a luta contra a ocupação.
Durante seu período como líder do Partido Trabalhista, você sofreu essas acusações.
Não fui acusado de antissemitismo. Fui acusado de coisas monstruosas que supostamente ocorreram dentro do Partido Trabalhista. Coloquei em prática um processo para examinar essas acusações e, em um pequeno número de casos, esses membros foram afastados. Quando o relatório foi publicado, eu disse que o número de casos realmente relatados nos inquéritos era muito pequeno, que grande parte deles era exagero político contra mim, mas também disse que, mesmo que houvesse apenas um antissemita, isso é mais antissemitismo do que podemos aceitar. E ainda mantenho essa posição.
Você acha que esse foi um dos principais motivos que o levaram a hoje estar fora do Partido Trabalhista?
Bem, isso foi planejado para prejudicar a mim e ao Partido Trabalhista. Pessoalmente, sei o que sou, sei no que acredito e sei o que faço. O Partido Trabalhista me suspendeu como membro depois que as acusações foram feitas. E, depois da minha resposta ao relatório do Comitê de Igualdade e Direitos Humanos do partido, se votou unanimemente pela minha reintegração ao Partido Trabalhista na executiva nacional. Starmer não queria isso e me suspendeu do grupo parlamentar. E então eles criaram uma resolução que dizia que eu não estava apto a ser membro do Parlamento. Fui membro do Parlamento por 40 anos. Posteriormente, eles me excluíram a possibilidade de ser candidato pelo Partido Trabalhista. Entrei com recurso contra essa decisão. A resposta foi que não havia possibilidade de recurso. Quando a eleição foi realizada, anunciei que me candidataria como independente e, 28 minutos depois, fui expulso do Partido Trabalhista. E aqui estou eu. Meus pontos de vista não mudaram. Minha política não mudou. E sabe de uma coisa? Estou com mais energia do que nunca.
Você tem participado de reuniões para encontrar soluções para o conflito na Ucrânia. Quais são as soluções que você vê neste caso?
A invasão da Rússia é um erro. Não apoio a estratégia ou a política da Rússia na Ucrânia. Quero que a guerra termine. Os soldados recrutados compulsoriamente na Ucrânia, os soldados recrutados na Rússia, estão se matando uns aos outros. Eles são jovens da classe trabalhadora e estão se matando. Isso tem que acabar. Se a Ucrânia e a Rússia forem capazes de negociar um sistema de exportação de grãos, de modo que os grãos saiam da Ucrânia por Istambul e por Bósforo, e os grãos também sejam exportados dos portos russos para o resto do mundo, isso significa que eles também poderão dialogar. Mas é preciso haver um interlocutor. A Europa Ocidental nem sequer tentou ser uma interlocutora. A ONU fracassou devido ao impasse no Conselho de Segurança. Portanto, é preciso que haja outro alguém. O Papa fez um esforço, a União Africana fez um esforço, os líderes latino-americanos fizeram um esforço. E acho que é hora de tentar novamente encontrar um caminho diplomático para um cessar-fogo que leve à retirada da Rússia. Para que a Rússia pelo menos se afaste e tente chegar a algum tipo de acordo de longo prazo. A Ucrânia não vai desaparecer. A Rússia não vai desaparecer. Essas coisas só vão ser resolvidas se houver um acordo diplomático. A estratégia dos países ocidentais de não considerar essa possibilidade e simplesmente fornecer mais e mais armas à Ucrânia não é o caminho.
Atualmente, a população espanhola enfrenta dois problemas, que são muito semelhantes às preocupações da população britânica. O primeiro é a migração. Em sua opinião, qual é o motivo dessa preocupação e como é possível evitar uma resposta negativa em relação aos imigrantes?
Acabei de chegar da Eslovênia, estive em Liubliana para participar de uma reunião do Comitê de Migração, Refugiados e Pessoas Deslocadas do Conselho da Europa. Lá tivemos uma longa discussão sobre a situação no Egeu, no Mediterrâneo e no Canal da Mancha, entre a França e a Inglaterra. As estimativas dizem que cerca de 13 mil pessoas já se afogaram no Mediterrâneo. Provavelmente há mais, esses são os casos documentados. Há milhares de corpos em vários lugares que não foram identificados, muitos deles enterrados na Tunísia. Também estive em Calais, onde muitos migrantes estão tentando atravessar para a Inglaterra. Conheci muitos deles. Eles geralmente estão muito confusos. Eles vêm principalmente do Afeganistão, Iraque, Síria e Líbia. Quais são as constantes? Todos e cada um desses países sofreram uma guerra nos últimos 20 anos. Deixamos o Afeganistão devastado e agora há um regime que não respeita os direitos humanos. Gastamos bilhões no Iraque, deixando para trás uma enorme quantidade de devastação. Bombardeamos a Síria, bombardeamos a Líbia. Muitas das pessoas que vêm para cá são, na verdade, vítimas da guerra. Portanto, a Europa tem que reconhecer isso e aceitar que suas iniciativas de política externa têm consequências e que as pessoas querem vir morar na Europa porque é um lugar seguro.
Como isso é transmitido às populações europeias?
A preocupação com o número de refugiados é muitas vezes exagerada pelos principais jornais. Eles são seres humanos e amanhã, no próximo ano, daqui a cinco ou dez anos, serão nossos vizinhos, nossos médicos, nossos motoristas de ônibus, nossos engenheiros. Eles serão todo tipo de coisa. Temos que reconhecer isso e não nos deixar levar pelos demônios dos políticos de extrema direita, que usam a mesma linguagem que Hitler usou nas décadas de 1920 e 1930 contra os judeus na Alemanha. A única maneira da humanidade avançar é com as pessoas reconhecendo as necessidades umas das outras e o direito de cada uma à justiça. E também reconhecer as desigualdades econômicas promovidas no continente africano e em outros países, que deixaram as pessoas com escassas perspectivas. Em vez de incitar o discurso racista, é preciso promover a solidariedade e reconhecer as pessoas que são vítimas exatamente das mesmas forças que restringem nossos direitos à moradia, à educação e à saúde.
A segunda questão [comum à Espanha e Inglaterra] é a moradia e custo de vida. Por que você acha que estamos em meio a uma situação de crise?
Represento um bairro londrino de baixa renda no Parlamento e temos uma enorme crise habitacional que fez com que a lucratividade do setor privado de aluguéis disparasse. Estão ganhando muito dinheiro com aluguéis altíssimos. Há grandes empresas comprando edifícios, da mesma forma que fazem na Espanha. A ganância das empresas imobiliárias está deixando as pessoas dessas comunidades sem casas. A melhor maneira de lidar com a crise habitacional é, em primeiro lugar, construir mais unidades habitacionais sociais por meio de autoridades locais, cooperativas ou do governo central. Em segundo lugar, regular adequadamente o mercado de aluguel privado. E, em terceiro lugar, acabar com a concepção de que a economia depende do aumento constante dos preços dos imóveis. Uma economia realmente depende do que é produzido e do que é investido em manufatura, indústria, agricultura e serviços essenciais. Portanto, comecemos a pensar no que é necessário e não no que gera riqueza.
Atacar as causas da desigualdade.
Se você olhar para Madri, Paris, Berlim, Marselha ou qualquer outra grande cidade da Europa, o que verá? Níveis grotescos de desigualdade. Não são corretos, nem necessários. Até aproximadamente 2010, em meu distrito eleitoral, em Londres, não tínhamos bancos de alimentos. De fato, a maioria das pessoas não sabia o que era um banco de alimentos. Nessa área de Londres, na última contagem, contamos com 15 bancos de alimentos. E, muitas vezes, são pessoas que trabalham e recebem um salário tão baixo que só conseguem sobreviver se obtiverem alimentos desses locais. Temos que mudar as coisas.
No momento, essa combinação de crise econômica e social e preocupação com a migração aumentou o poder da extrema direita em seu país, embora o sistema eleitoral não tenha nos permitido medir o fortalecimento real da extrema direita. Como você acha que esses discursos devem ser confrontados?
Se estivéssemos sentados nesta sala com políticos europeus – dos partidos conservadores, dos social-democratas, dos verdes, dos liberais e dos partidos de esquerda – e você perguntasse a todos: “Vocês concordam com as políticas de extrema direita de Nigel Farage na Grã-Bretanha, Geert Wilders na Holanda, etc.?” Todos responderiam: “Não, de jeito nenhum. Não, não, não, não, não, não. Não concordamos com elas”. Ok, bem, próxima pergunta: “Para sua sobrevivência política, você faria um acordo com os partidos de extrema direita para permanecer no poder?” A resposta seria: “É muito difícil, mas eu faria isso se fosse necessário”. Com exceção dos políticos de esquerda, que diriam “não, nunca nos envolveremos com a extrema direita”. Portanto, minha mensagem para os políticos centristas e social-democratas que acham que podem conviver com a extrema direita na política é: leiam a história da Alemanha na década de 1920. Leiam a história daqueles que achavam que poderiam se relacionar com os fascistas e o que aconteceu com eles. Temos que nos unir contra eles. É por isso que no próximo sábado [dia 26 de outubro] faremos uma grande manifestação em Londres contra a extrema direita. Porque um homem que se autodenomina Tommy Robinson – seu nome verdadeiro é Stephen Yaxley-Lennon, mas isso não soa muito bem – está organizando uma manifestação de extrema direita. Nós estamos organizando uma contramanifestação. Acho que temos que enfrentá-los. Se você tem problemas com o sistema de saúde, com as escolas, esse problema foi criado pelos refugiados ou por aqueles que estão tentando ganhar dinheiro com nossos serviços nacionais de saúde e todas as outras coisas que implementamos?
Como isso afeta seu bairro, Islington North?
Eu moro em uma comunidade onde são falados cerca de 70 idiomas. Temos mesquitas, sinagogas, templos, igrejas e pessoas de todo o mundo convivem. Não há nenhum problema decorrente disso. As pessoas entendem as culturas umas das outras. Mas quando recebemos mensagens como “o Islã é perigoso”, é preciso voltar à história, à mídia no final do século 19 na Europa Ocidental, dizendo que o judaísmo é muito perigoso, para ver que isso é loucura. Supõe-se que os seres humanos sejam indivíduos inteligentes e racionais. Portanto, isso requer um pouco mais de racionalidade e inteligência e um pouco mais de humanidade. No próximo sábado, estarei lá com pessoas de todas as esferas da vida, de todas as comunidades e de todos os idiomas. Eu moro em uma cidade que é assim e tenho orgulho disso.
(*) Tradução de Raul Chiliani