Depois de dois dias de reuniões, que terminaram nesse sábado (12), a oposição e o governo da Venezuela chegaram a um princípio de acordo para superar diferenças politicas e a crise econômica, marcada por meses de desabastecimento e inflação anual de três dígitos.
No fim da tarde, foi divulgada a declaração conjunta “Conviver em Paz”, prometendo acabar com o enfrentamento constante que tem dominado o cenário venezuelano. Os dois lados também decidiram incorporar ao diálogo setores da sociedade civil.
Na sexta-feira (11), quando começou a reunião, existiam sérias dúvidas de que o diálogo entre as o governo e a oposição iria avançar – mesmo sendo mediado pelo Vaticano, pela União de (dez) Nações Sul-americanas (Unasul), e por quatro ex-presidentes.
A oposição ameaçou voltar às ruas e retomar os protestos caso o presidente Nicolás Maduro não aceitasse suas reivindicações esta semana – a principal delas, uma saída eleitoral para a crise.
A oposição quer realizar este ano um referendo revogatório (mecanismo constitucional que permite ao povo destituir o presidente) ou antecipar as eleições presidenciais de 2018. Mas Maduro já disse que não só vai completar este mandato, como disputar o próximo.
Em outubro, a Justiça Eleitoral suspendeu o processo iniciado pela oposição para convocar o referendo revogatório, que implica conseguir o apoio, por escrito, de 20% do eleitorado. O motivo dado foi a necessidade de apurar supostas irregularidades na coleta de assinaturas. Mas os oposicionistas acusam o Judiciário de estar aliado ao Executivo e faz de tudo para garantir a continuidade do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), no poder há 17 anos.
Os oposicionistas reagiram à suspensão do referendo com manifestações. Mas suspenderam uma marcha ao palácio presidencial, que estava marcada para o último dia 1º, a pedido do Vaticano – que aceitou ser mediador numa mesa de diálogo entre as partes. Na primeira reunião, no último dia 30 de outubro, o governo e oposição acordaram discutir quatro temas: a crise econômica; o respeito às instituições; a soberania e um cronograma eleitoral.
No fim da reunião ontem, foram anunciados avanços em relação a medidas para superar a crise econômica – prioridade do presidente Nicolás Maduro. Ele tem atribuído o desabastecimento e a inflação à queda do preço do petróleo (principal produto de exportação do país) e a um suposto boicote dos grupos empresariais, para derrubá-lo. Longas filas nas portas de supermercados, prateleiras vazias e hospitais sem remédios e sem meios para atender aos pacientes contribuíram para a derrota do governo nas eleições legislativas de dezembro passado.
A nova Assembleia Nacional, de maioria opositora, aprovou uma lei de anistia e reconciliação nacional para libertar mais de 100 de seus lideres acusados de conspirar contra o governo ou incentivar a violência. Maduro não só vetou a lei, como afirmou que o Parlamento carece de legitimidade porque desacatou uma ordem do Supremo Tribunal. O conflito de Poderes se deu quando três deputados oposicionistas, cuja eleição foi questionada pela Justiça, tomaram posse – apesar de a Justiça ter decidido o contrário.
A oposição acusa o Judiciário de estar a serviço de Maduro e considera que a suspensão do referendo revogatório foi uma manobra para adiar a sua realização. Se o presidente for derrotado nas urnas este ano, serão realizadas novas eleições para substituí-lo. Mas se Maduro for destituído a partir de 2017, seu vice, do mesmo partido, completa o mandato, que termina em 2019.
Desafios políticos
No documento negociado nesse sábado, o governo se compromete a solucionar o impasse entre os três Poderes e resolver – de uma vez por todas – a situação dos três deputados opositores. Com eles, a oposição teria dois terços da Assembleia Nacional e, com isso, mais poderes para mudar a atual situação.
O governo também se comprometeu a trabalhar com a oposição para substituir dois membros do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), cujos mandatos vencem em dezembro. Os oposicionistas esperam com isso ter um tribunal mais imparcial. O atual foi o que suspendeu o referendo revogatório.
Nada de concreto foi decidido sobre o cronograma eleitoral, reivindicado pela oposição. Mas os opositores esperam chegar a esse ponto através da negociação. A ala mais radical da oposição se negou a participar do diálogo. Seu líder, Leopoldo Lopez, continua preso, acusado de incentivar a violência nos protestos de 2014. Para Lopez e seus seguidores, Maduro está ganhando tempo para lograr o que quer: desmobilizar e dividir a oposição e continuar governando o país.