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Guilherme Boulos: Intervenção militar é “brincar com fogo”

Em entrevista exclusiva para o livro “Golpe é Guerra”, Guilherme Boulos fala sobre intervenção no Rio e sua campanha à Presidência.
por André Ortega e Pedro Marin | Revista Opera
(Foto: Pedro Marin / Revista Opera)

O que segue é parte de uma entrevista concedida por Guilherme Boulos a André Ortega e Pedro Marin em 20 de março de 2018. A entrevista integral consta no livro “Golpe é Guerra – Teses para enterrar 2016”, escrito por Pedro Marin, que será lançado em São Paulo no próximo sábado. Já é possível adquirir exemplares assinados durante a pré-venda.

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André Ortega:
Você fala desse processo de acúmulo de contradições, e dentro dessa visão nós pensamos na panela explodindo pro nosso lado, de uma maneira que a esquerda, o povo, esteja na rua. Mas e as resposta da direita, da reação? Porque pode explodir também do lado deles, eles podem dar uma resposta a essas contradições. Muito antes dessa… Por assim dizer, dessa “moda”, de comparações em relação a 1964, nós já tínhamos uma análise que considerava um nível de militarização da alta política, até com a nomeação do Etchegoyen. Você pensa que existe um papel político em ascensão dos militares, que nós podemos ter subestimado, ou um outro tipo de resposta por parte da direita?

Guilherme Boulos: O que você coloca é muito pertinente. Porque a esquerda sempre imaginou que quando as pessoas ficassem insatisfeitas com o sistema e revoltadas, isso levaria a uma superação do sistema. E as coisas não são tão automáticas assim. A convulsão social pode ser canalizada pela direita, pode ser canalizada para saídas regressivas. O fascismo nasce daí, as formações do fascismo foram em processos de crise econômica, de desesperança, de anti-política, de descrença nas saídas políticas postas, e isso não gerou uma revolução social para derrubar um sistema falido, isso gerou uma recomposição conservadora e reacionária em várias partes do mundo. Esse risco está posto no Brasil, nós temos uma escalada de regressão democrática, que é o golpe, que é o papel que o Judiciário vem assumindo na sociedade. O Judiciário viu ali uma oportunidade de ouro, né? Um Executivo ilegítimo e um Legislativo desmoralizado, um vácuo nos poderes da República; eles foram lá e agarraram, falaram “isso aqui é nosso.” E foram extravasando qualquer competência própria e estabelecendo, institucionalizando e normatizando uma série de medidas de excessão, quebrando garantias institucionais, intervindo na política de maneira direta. O terceiro salto é um processo de maior militarização da sociedade. O Etchegoyen é a figura mais sinistra que representa isso. Quando se faz algo como a intervenção no Rio de Janeiro se brinca com fogo. Porque depois, quem fez talvez perca o controle. Quando você trabalha com essa ideia de “militar resolve”, em um momento de tanta desesperança na sociedade, tanta desilusão, você mexe com um caldo… “Militar resolve”, “militar resolve o problema da segurança pública — bota o exército”, “militar resolve essa política que está uma bandalheira também — mete o exército.”

André Ortega: Abre uma nova porta…

Guilherme Boulos: Claro! E pra que isso ganhe uma simpatia social não é difícil. Olha o grau de apoio à intervenção no Rio de Janeiro. Para que uma determinada narrativa, principalmente em tempo de crise, de desmoralização da política, leve a uma militarização não somente da segurança pública e da sociedade, mas também da política, é um passo. Esse risco está colocado hoje no Brasil, isso não é teoria da conspiração, é analisar um espaço enorme que há para uma regressão democrática ainda maior no nosso país.

Pedro Marin: Você tem colocado… Nessa semana, em uma entrevista à Folha, você colocou dois pontos: que se eleito convocaria um Plebiscito para revogar as medidas do governo Temer — você coloca isso como uma prioridade — e a questão do Plebiscito como uma maneira de superar o esquema de governabilidade que tem havido até agora. Você teme que, se eleito, governando dessa forma, vá haver uma reação? Porque o ponto onde quero chegar é o seguinte: a Dilma concedeu bastante, em especial no último governo, e os caras ainda assim atropelaram ela. Você teme que vão tentar te atropelar também? E, se sim, como você responde a isso?

Guilherme Boulos: Esse é precisamente o tema. Esse modelo de presidencialismo de coalizão, melhor chamado de política como balcão de negócios, faliu. Não é possível pensar em um projeto de transformação da sociedade brasileira nessa régua, não cabe. O golpe demonstrou isso, e veja que naquele momento o Levy era o Ministro da Fazenda. Eram concessões importantes, como você mencionou. Imagine um projeto que envolva enfrentamento, que paute reforma política, que paute democratização das comunicações, reforma tributária progressiva, regulação do sistema financeiro… Nesse presidencialismo de coalizão não cabe. Porque aí… Eu falei isso também na entrevista que você mencionou, é o papel do PMDB na política brasileira nos últimos trinta anos. Nunca elegeram um presidente, já tiveram presidentes, sempre por vias tortuosas, e agora o último por um golpe, e dão as cartas na política brasileira. Sai governo, entra governo, o PMDB está com ministérios estratégicos, impondo limites numa lógica de chantagem. Não há espaço para um projeto de transformação nessa lógica. O que nós estamos propondo ao país com essa campanha é inverter a lógica.

Para assegurar uma governabilidade de um projeto de mudanças, comprometido com as maiorias, não basta apenas apoio parlamentar. Precisa chamar mais atores, precisa chamar 99% da sociedade para esse processo de decisão, quem nunca foi ouvido. Ou que, melhor; é ouvido a cada quatro anos, indo lá apertando o botão e acabou. Democracia se encerra às cinco da tarde do dia 7 de outubro. Não dá pra ser assim. Então ter mecanismos permanentes de decisão, em que as pessoas possam se posicionar e ser ouvidas sobre temas fundamentais do país, sobre emendas constitucionais, que possa ter, como já há em outros países, após metade do mandato, com 50% dos eleitores, a possibilidade de referendos revogatórios, que possa ter o veto popular… Isso pouca gente fala, mas em poucas cidades foi proposto em câmaras municipais que um determinado percentual dos eleitores pode vetar uma lei. Então existem uma série de mecanismos; conselhos que possam ter poder de decisão sobre parte do orçamento público.

O debate é aproximar o poder das pessoas, o poder das maiorias, quebrando esse abismo que existe hoje entre Brasília e o Brasil. Não há possibilidade, na nossa percepção, de um projeto de mudanças no Brasil que não seja respaldado neste outro modelo de governabilidade. Senão não fecha, senão não governa, senão cai.

Pedro Marin: Mas com esse modelo as elites vão querer responder a, por exemplo, um governo Boulos. A gente tem aí, desde Getúlio…

Guilherme Boulos: Seguramente…

Pedro Marin: Jango, se é pra pegar América Latina o Allende… E aí?

Guilherme Boulos: Sim, a gente tem tudo isso. E a gente tem experiências de governos que se consolidaram e pela mobilização popular impediram o golpe, também. Um contexto de uma vitória eleitoral de um projeto como o nosso é um contexto de mobilização da sociedade. Para que um projeto como esse seja vitorioso, isso implica uma construção — e esse é o objetivo da campanha que nós queremos fazer, nós não queremos fazer uma campanha tradicional, nós queremos fazer uma campanha que seja um movimento social, uma campanha enraizada, que encante e mobilize as pessoas. Para que, se isso ganhar corpo e se expressar eleitoralmente em uma vitória, você já tenha uma sociedade mobilizada, que permite dar sequência para sustentar o processo de mudança no qual a gente acredita.

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