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Venezuela: Intromissão ianque para onde quer que se olhe

por Fabiano Post | Revista Opera
(Foto: Eneas De Troya)

Simón Bolivar observou: “Os Estados Unidos parecem destinados pela Providência a infestar a América Latina com miséria em nome da liberdade.” Aproximadamente dois séculos depois, essa frase é mais atual do que nunca.

Neoconservadores estadunidenses de alta patente estão maquinando fortemente, nesse exato momento, nos bastidores de Washington e junto a grupos opositores na Venezuela, para dar um golpe no governo de Nicolás Maduro. Figuras repugnantes como o vice-presidente Mike Pence; o ex-diretor da CIA e agora Secretário de Estado, Mike Pompeo; John Bolton, conselheiro de segurança nacional; o senador pela Flórida, Marco Rubio – porta-voz da mafia cubana exilada – e o “atiçador incendiário” especialista em golpes baixos e guerra suja de Washington, Elliott Abrams.

Voltemos vinte anos atrás para rememorar o início de um ciclo “recente” de ingerências norte-americanas em território Venezuelano, que se inicia em 1998, quando Hugo Chávez foi eleito democraticamente presidente pelo povo venezuelano. Sua “Revolução Bolivariana” triunfou e frutificou. Chavez fez uso da gigantesca riqueza petrolífera do país. Com os dividendos do petróleo Chavez erradicou o analfabetismo, a pobreza, e deu ao seu povo assistência médica e educação gratuitos de qualidade. Fez tudo o que Washington não tolera. É o início de uma velha batalha – conhecida – sul-americana, o imperialismo versus o socialismo.

Em 2002, na administração Bush, uma tentativa de golpe foi financiada pelos EUA, com o apoio local de grupos oposicionistas formados por empresários, generais e a igreja, que empossaram o conspirador Pedro Carmona, então presidente da Federação Venezuelana de Câmaras de Comércio, como chefe do executivo. O presidente Hugo Chávez foi detido ilegalmente por militares. Os golpistas não obtiveram êxito, forças populares ocuparam as ruas de Caracas, dando fim à tentativa de golpe e libertando Chávez.

Em 2004 o NED (National Endowment for Democracy), instituto bipartidário norte-americano ligado ao Congresso do país, financiou um referendo revogatório contra o então presidente Hugo Chávez, organizado pela malfadada e conspiradora ONG venezuelana Súmate, crítica do governo e do sistema eleitoral no país, que não deu em nada.

O NED, uma organização de soft power “sem fins lucrativos”, é uma das ferramentas usadas hoje para o repasse desses mesmos fundos a opositores da administração Maduro. A própria organização admite interferir diretamente em assuntos internos da política venezuelana de forma ampla.

Na época a administração Chávez foi fundo na questão, e efetuou uma investigação sobre os financiamentos patrocinados pelos EUA na Venezuela.

A USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento) – a mesma que financiava o grupo oposicionista e anti-venezuela El Manos Blancas, uma espécie de MBL de lá, do qual Juan Guaidó foi membro -, contratou uma empresa no estado de Maryland (EUA), para que fossem administrados os subsídios frutos desse financiamento ingerista. A empresa recusou-se a dar os nomes dos beneficiários venezuelanos para evitar represálias contra os mesmos.

Casos como a Súmate evidenciam claramente – ainda que encobertas – o alto nível de envolvimento dos EUA na Venezuela em tentativas de desestabilização do governo.

Saímos da era Hugo Chavez e entramos na era Nicolás Maduro, eleito em 2013 e disposto a dar continuidade à revolução social bem sucedida de seu antecessor. Porém em 2015 o então presidente norte-americano Barack Obama impôs duríssimas sanções punitivas à administração Maduro, que em associação a limitações internas aprofundaram a crise econômica que ficaria ainda pior em 2016 com a hiperinflação causada pela queda do preço do petróleo.

Em agosto de 2017, a administração Maduro é pega de surpresa com um bloqueio financeiro criminoso avalizado por Trump, considerada pelo governo venezuelano “a pior agressão contra o país” em duzentos anos.

Em 2018, Maduro é reeleito com 67% dos votos válidos, vencendo o fortíssimo boicote interno e o apoio declarado dos EUA ao seu oponente Henri Falcón. Em grande parte essa vitória se deve justamente pelo fato de o povo venezuelano entender que “agentes externos” atacam sistematicamente sua democracia e soberania.

Chegamos no ano de 2019, e nunca uma investida imperialista contra o governo venezuelano foi tão clara e tão evidente, com a eminência de descambar para um conflito armado.

O títere Juan Guaidó é entronado como candidato ao título de golpista da vez na América Latina, e pau mandado, é escolhido a dedo e chancelado pelo imperialismo norte-americano e o establishment global para executar o papel esdrúxulo e vexatório – já que não tem nenhum reconhecimento institucional dentro da Venezuela como chefe do executivo – de “salvador da pátria” com a chancela dos EUA e seus aliados, na tentativa dar uma rasteira no presidente Maduro, que intrepidamente mandou uma banana para as pressões do tio Sam e da UE, que exigia que convocasse novas eleições presidenciais.

Mike Pompeo, o ultrarreacionário Secretário de Estado norte-americano, deu seu apoio ao marionete oposicionista Guaidó para que fosse estabelecido um governo de transição abrindo caminho para eleições. Desembolsou 20 milhões de dólares em “ajuda humanitária”, tamanha a preocupação de Washington com o sofrimento do povo venezuelano que, segundo o sr. Secretário, tem comido o pão que o diabo amassou com a “ditadura” Maduro. Em verdade o sofrimento dos venezuelanos é causado pelos EUA, e a cortesia estadunidense nesse caso é um eufemismo de Pompeo para intervir e meter a mão grande na valiosa e cobiçada jazida petrolífera venezuelana, considerada a maior reserva do Mundo, em especial a virtuosa bacia de Maracaibo, que ofusca até mesmo as reservas da Arábia Saudita.

Hoje a Venezuela é responsável por quase um quarto de toda a produção da OPEP. O que tecnicamente é um balde de água fria na conversa furada de Pompeo sobre preocupações humanitárias de Washington no território venezuelano.

É na desproporcional e covarde guerra econômica, travada com a Venezuela, que os EUA e seu aliados vão ganhando terreno na tentativa de implantar as chamadas “mudanças” desejadas. Sanções ilegais, cada vez mais sufocantes, levam à hiperinflação, ao desabastecimento, à fome e consequentemente ao êxodo de milhares de venezuelanos.

Não há dúvidas de que os EUA e sua propaganda anti-Venezuela são o maior dos problemas venezuelanos e estão financiando a oposição no golpe de Estado em curso no país. Os ianques estão envolvidos até o pescoço em aspectos que vão da mídia e assuntos legais à doutrinação e planejamento político, passando pela intromissão na economia e fazendo o uso do discurso dos direitos humanos para proteger os seus baderneiros em solo venezuelano.

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Um estudo conduzido pelo Celag (Centro Estratégico Latinoamericano de Geopolítica) evidencia que os boicotes econômicos e comerciais imputados à Venezuela abrem chagas gravíssimas em sua economia e explanam em grande parte a grave crise institucional e humana que parece “justificar” a brutal ingerência norte-americana.

O descalabro econômico venezuelano vem se evidenciando ano após ano e de forma mais intensa à partir de 2013. A economia da Venezuela é altamente dependente da indústria petrolífera e das importações. Para fazer funcionar sua logística produtiva se faz necessário um fluxo livre de importações e disponibilidade de moeda estrangeira. Sem financiamento, essa intrínseca cadeia de infraestrutura produtiva, principalmente a petroleira, colapsa. O escárnio do boicote pontual estadunidense ao país deixa anualmente um rombo de 22 bilhões de dólares na economia venezuelana.

O Petróleo como estratégia de manutenção da ordem mundial

Os EUA, em termos energéticos, precisariam do petróleo venezuelano? A resposta provavelmente seria não. Porém, essa riqueza é um ativo valiosíssimo para se manter uma ordem unipolar liderada pelos EUA. As ingerências abrutalhadas estadunidenses em nações com grande reservas de hidrocarbonetos são estratégicas para se previnir a aparição de nações mundiais multipolares nos países em desenvolvimento liderada pela poderosa Russia e pela potência emergente, a China.

Aqui que a porca torce o rabo. Sendo a Venezuela afeita a uma ordem multipolar alternativa e desalinhada à ordem internacional coordenada por Washington, e sendo capaz de gerir sua enorme fonte petrolífera para gerar riqueza, torna-se automaticamente um desafeto gigantesco e intragável para à gananciosa Wall Street, o que explana de forma clara os motivos para constantes ingerências norte-americanas, gastos astronômicos em dinheiro, tempo, energia e recursos para desestabilizar e deslegitimar sucessivos governos venezuelanos não-alinhados.

A última rodada de sanções estadunidenses impostas atingem em cheio a já bastante combalida economia venezuelana, facilitando o caminho para um golpe fatal em Maduro. O murro dessa feita atingiu em cheio o seu Banco Central e sua indústria petrolífera através do embargo de Trump ao petróleo da estatal PDVSA. Além, é claro, do acordo canalha feito pela administração Trump e seus aliados na OPEP de baixar o preço do petróleo bruto, nocauteando quem já está no chão. E como Washington e sua turma neoconservadora sedenta por expansão, pilhagem e sangue, não vem a passeio, aproveitam para cutucar com tais medidas ilegais, indiretamente, outros desafetos como o Irã e a Russia. O octopus bestial ianque ataca por todos os lados.

Maduro diz não crer em uma intervenção militar estadunidense, mas se diz preparado com um contigente de dois milhões de combatentes, sistemas de mísseis, artilharia, força aérea e frota.

Em uma recente entrevista para o canal Russia Today, Maduro faz duras críticas ao conluio imperialista, seguido pela UE, de derrubá-lo, e foi incisivo: “O imperialismo não ajuda ninguém no Mundo. Ninguém. Diga-me onde no mundo eles enviaram ajuda humanitária? Tudo o que eles enviam são bombas. Bombas que destruíram o Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria”.

Washington não mede esforços para minar e provocar mudanças que tornem Caracas submissa aos seus anseios. Seja na forma de fundos para financiar grupos opositores no país ou mais contundentemente agora, com o amém da administração Trump a Guaidó.

O histórico sujo dos falcões norte-americanos envolvidos nesse crime contra a soberania venezuelana, em nome do expansionismo estadunidense, absolutamente nada tem a ver com a democracia, a paz e os direitos humanos. Parece que o banquete imperialista de guerra está pronto para ser servido para a Venezuela. Os EUA deveriam já ter aprendido que “a destruição de um Estado para criar outro leva necessariamente ao Terror”*.

Sobre Maduro, não duvidem, o presidente está vivíssimo no jogo sujo estadunidense, na defesa da soberania venezuelana e na manutenção da “Revolução Bolivariana” de Hugo Chávez. Está disposto a ir as vias de fato e dar exatamente o que Washington tanto deseja: guerra e sangue.

Notas:
*Manuel Castells, Ruptura: A crise da democracia liberal, p.148

 

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