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Por que a China se opõe à liberalização burguesa?

Para An Zhiguo, a luta contra a liberalização burguesa na China não nasceu após Tiananmen, mas tem sido uma constante desde 1978.
por An Zhiguo | Peking Review – Tradução de Gabriel Deslandes
(Imagem: Estúdio Gauche)

Como sexto e último capítulo da série sobre os 30 anos do incidente na Praça da Paz Celestial em Pequim, a Revista Opera traz uma raridade: um editorial da Peking Review – a única revista nacional de notícias da China publicada em inglês – analisando a relação dos protestos antigovernamentais com o fenômeno da “liberalização burguesa”. O artigo, assinado pelo editor de política, An Zhiguo, e publicado na edição de fevereiro de 1990 – oito meses após as manifestações em Pequim e dois meses após a derrubada dos regimes socialistas da Cortina de Ferro –, explicita as diferenças entre a política chinesa de Reforma e Abertura pós-1978 e a “liberalização burguesa” promovida pelo imperialismo americano a fim de derrubar os governos da URSS, Leste Europeu e a própria China. O autor denuncia o caráter contrarrevolucionário da liderança dos protestos e reafirma a linha do Partido Comunista Chinês de oposição a tentativas de restauração capitalista.

Muito foi dito e escrito no exterior sobre a crítica da China à liberalização burguesa. Muitas pessoas se perguntam o que os chineses têm contra ela. Para responder à questão, devemos começar por apontar, em primeiro lugar, que a “liberalização” tem um significado específico neste contexto e, em segundo lugar, que o que se quer dizer é liberalização burguesa, não liberalização em geral. Vamos examinar o conceito de liberalização como visto hoje na China e ver por que ele está sendo criticado pela mídia chinesa.

A origem do termo

O termo “liberalização” não é uma invenção chinesa, mas um termo político usado primeiramente pelo Ocidente. Teóricos chineses adicionaram um adjetivo para formar a expressão “liberalização burguesa”, indicando algo totalmente diferente do conceito proletário de liberdade.

Em muitos discursos públicos que fez entre 1953 e 1957, o então secretário de Estado dos EUA, John Foster Dulles, repetidamente afirmou que era uma política estabelecida dos Estados Unidos promover a “liberalização” na União Soviética, China e outros países socialistas e oferecer sua esperança às terceiras e quartas gerações desses países. Chamando os povos dos países socialistas de “escravizados” e os países capitalistas de “mundo livre”, Dulles disse:

Devemos sempre ter em mente a libertação desses povos cativos. Agora, libertação não significa uma guerra de libertação. A libertação pode ser realizada por processos que estão aquém da guerra” (Testemunho do Novo Secretário de Estado a uma audiência do Senado, 15 de janeiro de 1953).

“Deve e pode ser um processo pacífico”, afirmou Dulles, “mas aqueles que não acreditam que os resultados possam ser alcançados com maior pressão, pelo peso da propaganda, simplesmente não sabem do que estão falando.”

Ele, portanto, instou a Voz da América e os meios de comunicação dos EUA em geral a criar sentimentos antagônicos entre os povos dos países por trás da “Cortina de Ferro” (ou seja, os países socialistas) e assegurar a eles o “apoio moral” dos Estados Unidos. Dulles afirmou ainda: “Acreditamos que é quase certo que haverá uma mudança evolutiva – provavelmente evolucionária” (Coletiva de imprensa do secretário Dulles, em 2 de julho de 1957). Desde então, o nome de Dulles tem sido associado ao termo “evolução pacífica”, e o termo “liberalização”, usado neste contexto, tornou-se sinônimo de “evolução pacífica”.

Desde os dias de Dulles, as forças antissocialistas no Ocidente têm constantemente buscado uma estratégia de “liberalização” ou “evolução pacífica” dentro dos países socialistas. Por meio da mídia e de outros meios, como o intercâmbio cultural, eles procuraram se infiltrar nos países socialistas e divulgaram a ideologia e os valores da burguesia ocidental e seu padrão de “sociedade livre”. Eles incitaram “dissidentes” nesses países a aproveitar todas as oportunidades para criar divisões, provocar distúrbios e subverter seus governos. O tumulto em Pequim que finalmente se transformou em uma rebelião contra o governo chinês no final da primavera e início do verão passado foi justamente o resultado de esforços conjuntos de elementos antissocialistas no país e no exterior para alcançar seu objetivo estratégico de “liberalização” e “evolução pacífica “na China.

“Nosso ideal comum”: Estudantes marcharam com um cartaz em russo saudando o líder soviético Mikhail Gorbachev, que estava em visita a Pequim na época das manifestações.

A luta da China contra a liberalização burguesa

As atividades imperialistas para subverter o novo Estado da China colocaram o povo chinês em alerta mesmo antes do nascimento da República Popular. Em uma Carta de Transmissão ao presidente Harry S. Truman em 30 de julho de 1949, o secretário de Estado dos EUA, Dean Acheson, declarou abertamente que “… em última análise, a civilização profunda e o individualismo democrático da China se reafirmarão …”.

Em resposta a tal desafio, o presidente Mao Tsé-Tung ressaltou que Acheson e seus pares tinham uma base social frágil dentro da China. Ele pediu aos “individualistas democráticos” entre os chineses que ainda tinham ilusões sobre o imperialismo americanos para “jogar fora as ilusões e se preparar para a luta” e tomar o lado do povo em vez de serem controlados pelos imperialistas (Mao Tsé-Tung: “Elimine ilusões, prepare-se para a luta”, 14 de agosto de 1949, Obras Selecionadas de Mao Tsé-Tung, vol. 4, p. 428).

Desde 1978, quando a China adotou uma política de Reforma e Abertura ao mundo exterior, sua liderança manteve vigilância constante sobre a liberalização burguesa. Em entrevista ao estudioso chino-americano Chen Guuying em 20 de maio de 1985, Deng Xiaoping disse: “Uma nova tendência de pensamento apareceu depois que o ‘Bando dos Quatro’ foi derrubado em 1976 e é chamada de liberalização burguesa. Seus adeptos adoram a ‘democracia’ e a ‘liberdade’ dos países capitalistas ocidentais e negam o socialismo. Isso não pode ser feito”.

“Ao executar a política de abertura ao exterior, adotada na Terceira Sessão Plenária do 11º Comitê Central do Partido”, acrescenta Deng, “também devemos fazer algo para conter a tendência à liberalização. As duas tarefas estão inter-relacionadas. Sem conter a tendência à ‘liberalização’, a política de abertura dificilmente poderá ser implementada”.

Tanque do Exército de Libertação do Povo incendiado e destruído pelos manifestantes em Pequim.

No 12º Congresso do Partido, em setembro de 1982, os Quatro Princípios Cardeais (adesão ao caminho socialista, à liderança do Partido Comunista, à ditadura democrática popular, ao marxismo-leninismo e ao Pensamento Mao Tsé-Tung), com a liderança central do Partido, foram reiterados, e a nação foi instada a criticar e checar a tendência à liberalização burguesa e a atacar duramente as atividades criminosas contra a construção socialista.

Em setembro de 1986, uma resolução adotada na Sexta Sessão Plenária do 12º Comitê Central do Partido expôs os princípios orientadores para a construção de uma sociedade socialista com uma cultura e ideologia avançadas. Ela dizia: “A liberalização burguesa, que significa negar o sistema socialista em favor do capitalismo, está em total contradição com os interesses do povo e com a tendência da história, e está, portanto, firmemente em oposição às massas”.

Discursando na sessão de 28 de setembro, Deng Xiaoping disse: “‘Liberalização’ significa, por si só, confronto, oposição ou revisão de nossas políticas e sistemas atuais. Na verdade, a “liberalização” leva a China para o caminho capitalista”.

Então, novamente, em março de 1987, ao se referir aos poucos intelectuais que provocaram tumultos em Pequim, ele disse que essas pessoas “queriam rejeitar o sistema socialista e promover a liberalização burguesa. O que é chamado de liberalização burguesa não significa nada senão a ocidentalização generalizada da China e o giro do país para o caminho capitalista” (“A China só pode seguir a via socialista”, 3 de março de 1987).

Os fatos citados acima deixam claro que a política da China de se opor à liberalização burguesa não se concretizou após a agitação estudantil no final de 1986 ou em 1989, como algumas pessoas alegam, nem entrou em vigor apenas após o fim da rebelião contra o governo em Pequim no ano passado. Pelo contrário, ela tem sido repetidamente enfatizada desde a Terceira Sessão Plenária do 11º Comitê Central do Partido em dezembro de 1978; na verdade, foi adotada ao mesmo tempo que a política de Reforma e Abertura para o mundo exterior. Opor-se à liberalização burguesa significa se opor à rejeição do sistema socialista e à adoção do sistema capitalista.

Manifestantes ateiam fogo nos tanques do Exército de Libertação do Povo durante os protestos de 1989.

Alguns mal-entendidos

Aqui estão alguns equívocos sobre a crítica da China à liberalização burguesa que clamam por esclarecimento. Primeiro, alguns afirmam que tal luta indica uma mudança ou um retrocesso nas políticas chinesas.

As citações acima mostram que se trata de uma política consistente da China manter os Quatro Princípios Cardeais ao mesmo tempo em que se combate a liberalização burguesa. A China sempre enfatizou a importância de se opor à liberalização burguesa e continuará a fazê-lo no futuro. Somente aqueles que querem mudar essa política defendem a “liberalização”. Eles falam sobre Reforma e Abertura para o mundo exterior, mas nada dizem sobre a luta contra a liberalização burguesa ou sobre os Quatro Princípios Cardeais. Portanto, a oposição à “liberalização” significa se opor de fato a uma mudança nas políticas atuais da China.

Em segundo lugar, a crítica à liberalização burguesa é, por vezes, vista como contraditória à política de Abertura ao mundo exterior. De fato, tal crítica é projetada precisamente para assegurar uma melhor implementação da política de Reforma e Abertura. Existem duas abordagens diferentes para a política de Reforma e Abertura. Enquanto o Partido Comunista Chinês e o governo veem a política como um meio para aprimorar o sistema socialista e acelerar o desenvolvimento socialista, aqueles que anseiam por “liberalização” querem substituir o socialismo pelo capitalismo. A razão pela qual a China alcançou sucessos universalmente reconhecidos na última década é exatamente sua adesão aos Quatro Princípios Cardeais e à rejeição da liberalização burguesa, ao mesmo tempo em que realiza reformas e se abre para o mundo. É uma pena que o vigor da luta tenha sido afetado pela interferência externa de tempos em tempos, o que impediu a nação de ir além.

A estátua da “Deusa da Democracia”, erguida na Praça Tiananmen pelos estudantes pequineses em 1989.

Terceiro, a oposição da China à liberalização burguesa deu origem a preocupações de que os empresários estrangeiros possam não querer ter cooperação e intercâmbio econômicos com a China.

Como dito acima, por liberalização burguesa, entende-se a negação do sistema socialista e a adoção de um sistema capitalista na China. A oposição a tal “liberalização” na China não tem nada a ver com o sistema capitalista em países estrangeiros. E ela não é de forma alguma destinada a interromper as trocas econômicas e técnicas com os países ocidentais ou impedir que os capitalistas estrangeiros invistam na China.

O secretário-geral Jiang Zemin, do Comitê Central do Partido Comunista Chinês, reiterou em seu discurso em uma reunião para celebrar o 40º aniversário da República Popular da China, que “os Quatro Princípios Cardeais são a base do nosso Estado”, e a Reforma e a Reforma e a Abertura para o mundo exterior são o caminho para sua força e prosperidade” (Peking Review, edição nº. 41, 1989, p. 15).

A China dá as boas-vindas sinceras aos empresários estrangeiros que chegam para investimentos e outras formas de negócios, para cooperação e intercâmbio com base na igualdade e benefício mútuo. Nosso esforço para erradicar a corrupção e o lucro dos funcionários do governo, eliminar a evasão fiscal e estabelecer uma ordem de mercado justa e equitativa só pode ajudar a melhorar o ambiente de investimento das empresas estrangeiras. Também estamos eliminando a pornografia, o tráfico de drogas e a prostituição – vícios que também são desprezados pela população em geral no mundo capitalista.

Quarto, a luta contra a liberalização burguesa é por vezes confundida com “supressão da democracia”. Sempre defendemos que existem dois tipos de liberdade e democracia. Um tipo são a liberdade burguesa e a democracia pertencente a uma pequena minoria de pessoas. O outro tipo são a liberdade socialista e a democracia para a grande maioria. O que precisamos é do último tipo, não do primeiro. Na China de hoje, as pessoas já desfrutam de direitos amplos à liberdade e à democracia que não estão sob controle do capital, e estamos trabalhando para expandir ainda mais essa liberdade e democracia. Ao nos opormos à liberalização burguesa, estamos salvaguardando os direitos do povo à liberdade e à democracia. Estamos bem conscientes da importância da democracia. Como diz Deng Xiaoping: “sem democracia não pode haver socialismo nem modernização socialista” (“Defender os Quatro Princípios Cardeais”, Obras Selecionadas de Deng Xiaoping, p. 176). A contínua expansão do escopo da democracia é uma característica marcante da reforma do sistema político na China.

“Fome por democracia”, diz o cartaz dos estudantes que ocuparam a Praça Tiananmen.

Quinto, algumas pessoas temem que a oposição à liberalização burguesa dificulte a vida dos intelectuais. Esse temor parece dar como certo que os intelectuais da China são favoráveis à “liberalização”. Se isso fosse verdade, dificilmente se poderia explicar os enormes sucessos da China na Revolução e construção do socialismo, em especial durante a década que acaba de se encerrar. Tais conquistas teriam sido impossíveis sem o apoio e a participação dos intelectuais.

De fato, apenas um pequeno número de intelectuais defende a liberalização burguesa, enquanto a grande maioria defende o socialismo e rejeita o caminho capitalista. Juntamente com os trabalhadores e fazendeiros, os intelectuais chineses há muito são uma força básica que conta com o Partido e o governo. Desde a Terceira Sessão Plenária do 11º Comitê Central do Partido, realizada no final de 1978, o Partido e o governo atribuíram mais importância do que nunca ao papel dos intelectuais. Como afirmou o secretário-geral Jiang Zemin: “Sem conhecimento e sem intelectuais, seria impossível construir o socialismo” (“Discurso no encontro em comemoração do 40º aniversário da fundação da República Popular da China”, 29 de setembro de 1989, Peking Review, edição nº. 41, 1989, p. 15).

Homenagem ao ex-presidente chinês Hu Yaobang, cuja morte serviu de estopim para as primeiras manifestações na Praça Tiananmen em 1989.

O Partido e o governo cumpriram resolutamente o princípio de “respeitar o conhecimento e respeitar os talentos” e, assim, ganharam o apoio da grande maioria dos intelectuais. Essa foi uma das razões pelas quais a rebelião contra o governo no ano passado foi derrubada tão rapidamente, e a situação voltou ao normal tão cedo.

Em sexto lugar, há também pessoas que pensam que a luta contra a “liberalização” contradiz a política de “um país, dois sistemas”. Essa é política inabalável da China para realizar a reunificação de Taiwan, Hong Kong e Macau com o continente, de acordo com o princípio de “um país, dois sistemas”. Combater a “liberalização” significa se opor à rejeição do sistema socialista e à adoção de um sistema capitalista no continente; não é de forma alguma dirigida contra o sistema capitalista em vigor em Taiwan, Hong Kong e Macau. Os líderes chineses declararam repetidamente que não exportarão o socialismo do continente para Taiwan, Hong Kong ou Macau. Contudo, eles também pediram às pessoas nessas regiões que se abstivessem de qualquer tentativa de mudar o sistema socialista da China continental.

Durante um recente encontro com jornalistas de Hong Kong, o secretário-geral Jiang enfatizou novamente que, após 1997, o interior da China e Hong Kong seguirão a política de “um país, dois sistemas”: “Você pratica seu capitalismo e mantemos nosso socialismo”, disse aos seus convidados, “para que, como diz o ditado, ‘a água do poço não interponha à água do rio e vice-versa – nenhuma deve invadir o recinto da outra’”.

Essas palavras são uma indicação clara de que a oposição à “liberalização” na China continental não tem nada a ver com a política de “um país, dois sistemas” em relação a Hong Kong e Macau. Socialismo para o continente, capitalismo para Hong Kong e Macau – este é precisamente o verdadeiro sentido dessa política.

Luta a longo prazo

A luta da China contra a liberalização burguesa tem um peso importante no futuro e no destino da nação chinesa e da República Popular da China, sobre se podemos preservar os frutos da revolução pela qual tantos mártires derramaram seu sangue e deram suas vidas e se a causa socialista pioneira dos proletários revolucionários da geração mais velha poderá ser levada até o fim. Que ninguém tenha a ilusão de que a China fará qualquer concessão em uma questão tão relevante.

Entretanto, a luta contra a “liberalização” está fadada a ser prolongada. Como Deng Xiaoping disse, “essa luta será executada no decorrer de todo o processo de modernização. Ela será realizada durante este século e continuará no próximo século. Como a luta será tão demorada, não iniciaremos qualquer campanha, mas dedicaremos nossos maiores esforços à educação. Portanto, o processo não é apenas de luta, mas também de persuasão – mas não podemos finalmente convencer aqueles que não acreditam no socialismo até que tenhamos edificado nosso país” (“Educando Nossos Jovens na História da China”, 18 de fevereiro de 1987).

Quando a China tiver alcançado firmemente o objetivo estratégico de seu desenvolvimento, quando a reforma de seu sistema socialista tiver quase chegado à perfeição, quando esse sistema mostrar plenamente sua superioridade sobre o capitalismo, será o momento em que dificilmente haverá mercado para as ideias de liberalização burguesa, que não poderão senão definhar.

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