Como previsto, o chamado “Centrão”, junto da direita “tradicional” (PSDB, DEM), saiu como vitorioso a nível nacional nos resultados eleitorais do último domingo (15). Eles demonstram válidos alguns apontamentos feitos em artigo de outubro passado, segundo o qual Bolsonaro era “Presidente de bases voláteis, desorganizadas, fracas e relativamente indisciplinadas, dependente, sem máquina política própria, mas representante de um campo próprio que ele inaugura; fenômeno conjuntural”, o que abria espaço para que o “Centrão”, tendo colhido as lições de 2018, pudesse expandir seu domínio, enquanto a direita tradicional recuperava-se do baque de 2018.
Com a vitória do “Centrão”, começa a se reorganizar a balança de poder em relação ao presidente Jair Bolsonaro, com aqueles mais seguros e dispostos para pressionar este, comprovadamente fraco. No jogo de pressões e concessões, que não deve passar disso, entra uma terceira variável, verdadeira força de sustentação do presidente e, ao mesmo tempo, seu parasita: o Partido Fardado. Para se proteger das investidas do “Centrão”, a tendência é que Bolsonaro tenha de se escorar nos militares, que se encontram em posição cômoda, podendo, no auxílio e apoio a qualquer uma das partes, colher mais poder.
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O enfraquecimento do campo de esquerda e centro-esquerda em geral e do PT, PCdoB e PDT em específico nas eleições tem feito emergir análises segundo as quais, depois do “bolsonarismo”, o eleitor brasileiro busca “experiência e moderação”, se afastando tanto da esquerda quanto da direita. O cenário é, no entanto, mais complexo: o Partido dos Trabalhadores foi reduzido às cinzas em 2016, inclusive a nível simbólico, pelas movimentações da Lava-Jato em consórcio com a imprensa e pelo golpe contra Dilma Rousseff. Seria de se esperar que o Partido Comunista do Brasil, tendo se diluído simbolicamente em anos de associação ao PT, enfrentasse um fenômeno similar.
O enfraquecimento do PDT, por sua vez, parece contrariar a lógica de um eleitorado em busca da “moderação”; nos últimos anos o partido se beneficiou do enfraquecimento do petismo, mas seguir uma via de aproximação com a direita e “moderação” não parece surtir efeito em um cenário em que o PT já aparece diminuto e o referencial de enfrentamento é Bolsonaro – é de se considerar também que, nas eleições de 2018, o partido tenha se beneficiado de um candidato petista bastante moderado, frente ao qual Ciro Gomes incorporou um aspecto de radicalidade.
O PSOL conquistou duas prefeituras (Marabá Paulista e Ribas do Rio Pardo) e tem candidatos no segundo turno de Belém e São Paulo. Expandiu seu número de vereadores, mas predicar ao partido o papel de “nova hegemonia” no campo da esquerda é, por ora, um exagero – há de se descobrir ainda qual será a capacidade do PSOL em se interiorizar.
As votações da Unidade Popular (UP), partido estreante nas eleições, sugerem também que uma postura mais radical, associada a um trabalho de bases e agitação, pode render bons frutos, em especial em pequenos e médios municípios onde as oligarquias regionais costumam manter o domínio do cenário político com base nas máquinas eleitorais. Apesar de não ter eleito nenhum candidato, o partido teve uma votação considerável (de cerca de 20 mil votos em 11 capitais) e chegou perto de eleger alguns candidatos a vereador em cidades como Patos (PB), com Jozivan Antero; Cabo Frio (RJ), com Chantal Campello e Mauá (SP), com Gabriela Torres.
Guilherme Boulos em São Paulo
Em São Paulo, uma surpresa positiva foi a grande quantidade de votos em Guilherme Boulos, do PSOL. Líder do maior movimento por moradia e reforma urbana do País, o MTST, e ex-candidato à presidência em 2018, Boulos chegou ao segundo turno com 20,24% dos votos, contra 32,86% de Bruno Covas (PSDB).
Em seu pronunciamento, Covas indicou o caminho que tomará contra seu oponente: falou em “redução da desigualdade com responsabilidade fiscal e experiência” e declarou que “a esperança venceu os radicais no primeiro turno e vencerá os radicais no segundo turno”, sugerindo ainda que Boulos seja totalitário.
O movimento de estigmatização de Boulos, que deve ser reforçado pela imprensa paulista, não tem somente o objetivo de assustar parte do eleitorado conservador. O fundamental é que, frente aos ataques, Boulos tente moderar o discurso – o que constituiria um erro estratégico bastante custoso.
O candidato do PSOL, até o momento, teve seu maior apoio em setores da classe média e média-alta, mais escolarizados e moradores do centro da cidade – um cenário europeu. Sua tarefa será conquistar as periferias, o que deve ser mais fácil no segundo turno – o candidato era um dos menos conhecidos e tinha pouquíssimo tempo de TV.
Uma parte dos votos do petista Jilmar Tatto (8,65%) devem ir a Boulos, mas não será um movimento automático – uma boa fração dos votos em Tatto foram decorrentes de sua máquina política, em especial no seu reduto, na Zona Sul da cidade. Assim, mais do que uma declaração, Boulos precisará de um apoio ativo da máquina de Tatto.
Sem buscar um discurso conciliatório, e possivelmente endurecendo-o ainda mais, Boulos pode conseguir converter para si uma parte das abstenções (quase de 30% na cidade) e até uma parcela dos votos de Arthur do Val (9,74%) Russomanno (10,5%) e Márcio França (13,65%). A lógica convencional sugeriria o contrário, mas é de se considerar que uma fração dos votos de França sejam um voto anti-PSDB na cidade; que uma boa parte do eleitorado de Russomanno, a despeito de tendencialmente conservador, é mais pobre e vive em regiões mais periféricas; e que parte do eleitorado de Do Val tenha sido uma expressão antipolítica em busca por uma “ruptura”, tendo em vista o tom exaltado do candidato. Um discurso radical, uma postura mais dura e um foco nas demandas econômicas do povo paulistano em um cenário de pandemia são os elementos que podem garantir a Boulos, apesar das dificuldades, uma vitória em São Paulo.