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Só é possível vencer sendo radical

A moderação, não a radicalidade, é o caminho da derrota. É a hora de enfrentar os problemas pela raiz e responder à ofensiva burguesa.

A moderação, não a radicalidade, é o caminho da derrota. É a hora de enfrentar os problemas pela raiz e responder à ofensiva burguesa. Por Luis Eduardo* e Jones Manoel | Revista Opera
(Foto: Geraldo Magela/Agência Senado)

A eleição de 2020 não diz respeito apenas à realidade das cidades, definindo que prefeitos e vereadores serão eleitos, muito menos pode ser compreendida apenas como um ensaio geral para 2022. Essa eleição marca um momento fundamental da luta de classes e da grande política no Brasil, pois, depois de meses com as ruas paralisadas como palco de ação política devido à pandemia, podemos, finalmente, medir até certo ponto – dado que eleição não é espelho da vontade popular – a força da extrema-direita e da ofensiva burguesa. 

 Entre as análises dos mais diversos setores de esquerda, é público e notório que, desde 2015, há uma ofensiva direitista no Brasil e na América Latina. Em nome do “terrorismo fiscalista”, a supremacia financista no seio do Estado brasileiro, a domesticação liberal das forças progressistas, o dito “combate à corrupção” e o alinhamento aos ditames do imperialismo, em especial norte-americano, abriu-se espaço para o cão raivoso do liberalismo tupiniquim acumular forças. A coalização entre grupos e indivíduos abertamente fascistas, militares entreguistas, milicianos, fundamentalistas religiosos e financistas ultraliberais se apoderou de parte do poder de Estado, por meio do governo federal sob liderança do famigerado capitão miliciano. 

No entanto, por mais que essa ofensiva imponha uma grande derrota estratégica para as forças populares – ao contrário, por exemplo, do golpe de 1964, no qual as forças reacionárias, liberais e pró-imperialistas operaram uma “limpa” física e da influência social e política de comunistas, trabalhistas e nacionalistas no movimento popular, sindical, das Forças Armadas e da vida institucional –, o golpe de 2015/16 não possuiu o mesmo poder de consenso e coerção para alargar suas bases sociais e políticas e, consequentemente, impor uma estabilidade duradoura em nome de novas reformas conservadoras na administração da inserção internacional do capitalismo brasileiro.

No andar de cima, o novo padrão de acumulação intensificado com o golpe de 2015/2016 também representa a intensificação de disputas monopolísticas para ampliação das margens de lucro entre os diferentes setores. Além de maiores pressões de setores financistas em busca de lucros imediatos por meio de privatizações de empresas públicas, saque dos recursos naturais, retirada de direitos trabalhistas e outros mecanismos como a especulação do real frente ao dólar e pressões com relação aos juros de curto, médio e longo prazo da dívida pública. Por óbvio, se há muita gente ganhando dinheiro – em especial se deslumbramos o aumento dos números de bilionários no país – também há muito mais gente que sai perdendo nesse jogo.

Por outro lado, no campo popular, se o regime de 1964 representou uma maior burocratização do Estado e crescimento industrial (mesmo com o aumento da superexploração do trabalho), tal padrão de acumulação permitia a inserção, mesmo que provisória, de mais setores sociais no pacto social e econômico. Sendo assim, uma marca radicalmente distinta do padrão pós-2016 é a instabilidade social, política e institucional, pela própria natureza restrita do pacto liberal-financista. 

A luta da grande burguesia, associada e subordinada ao imperialismo tardio, é para alargar esse pacto. Para isso, através das suas múltiplas organizações formais e informais, a mesma opera com algumas táticas que reverberam nas eleições: 1) consolidar a polarização entre a extrema-direita bolsonarista versus centro-direita liberal; 2) consolidar o terrorismo fiscal através do mantra da “responsabilidade fiscal” como o único projeto econômico viável para o país; 3) fortalecer uma esquerda domesticada em função do pacto liberal-financista.

Nas eleições municipais que se avizinham podemos constatar, em especial nas grandes capitais, a dificuldade para a grande burguesia consolidar sua estratégia. Por um lado, o bolsonarismo se mostra enfraquecido do ponto de vista orgânico em conseguir apresentar voos solo no território nacional. O governo Bolsonaro, no segundo turno, deve apoiar até mesmo candidatos da centro-direita liberal a fim de evitar a vitória de candidatos oposicionistas. Por outro lado, os liberais dependem de grande parte da base social bolsonarista para vencer seus adversários. Em cidades como Porto Alegre, Fortaleza, Rio de Janeiro, Belém, São Paulo e outras capitais temos candidatos de esquerda e centro-esquerda do PT, PSOL e PCdoB com boas chances de chegar ao segundo turno e até a vitória eleitoral.

Entretanto, o grande obstáculo das forças oposicionistas é a sua incompreensão da natureza da ofensiva burguesa em curso e a necessidade de uma profunda revisão estratégica. Nesse sentido, a tradicional tendência ao centrismo em eventuais segundos turnos pode ser um grande tiro no pé para possíveis vitórias no curto, médio e longo prazo contra o bolsonarismo e o pacto liberal-financista. Além dos ataques e fake news contra a esquerda, devemos acompanhar nas próximas semanas diversas tentativas de domesticação das candidaturas populares pelo país. 

Um exemplo disso é o que ocorre contra Guilherme Boulos em São Paulo. Além da manipulação covarde por parte da grande mídia e a disseminação de fake news pela máquina bolsonarista, o crescimento de Boulos gerou um grande incômodo entre os liberais, até mesmo os tidos como progressistas. O programa que propõe cobrar dívidas dos grandes bancos e empresas, renda mínima para os trabalhadores mais vulneráveis, criação de frentes de trabalho nas periferias, crédito barato para os pequenos comerciantes e passe livre para estudantes e desempregados têm sido questionado até por “apoiadores” que apontam essas propostas como irrealizáveis e irresponsáveis em termos fiscais.

Talvez pela incompreensão do novo momento e ainda presos a uma antiga estratégia, muitos dirigentes e intelectuais de esquerda ainda optem pelo caminho da moderação e de uma “frente ampla” abstrata, sem conteúdo social e programático, como o único caminho possível de obter vitórias políticas e eleitorais. No entanto, o que está em jogo é se a esquerda vai aceitar ou não legitimar politicamente o pacto golpista liberal-financista. Por isso, não podemos requerer moderação frente a um projeto que impõe fome, desmonte de políticas sociais, destruição ambiental e regressão produtiva da economia nacional. O caminho para enfrentar a radicalização de direita é a defesa intransigente, por parte da esquerda, de melhores condições de vida para os trabalhadores e da soberania nacional. Isso é ser radical? Isso não é problema nosso, mas deles.

Todas as tentativas até agora de frente única pela democracia em abstrato, ou o falso antagonismo de “civilização versus barbárie”, redundaram em nada. Os flertes com FHC e o PSDB ou tentativas como a Frente “Direitos Já” produziram um efeito nulo no aumento da temperatura política na luta de classes. Assumir a gravidade da situação da classe trabalhadora, traçar uma linha de demarcação com o social-liberalismo e os liberais de esquerda, oferecer soluções ousadas, radicais e realistas, é o único caminho possível para reconquistar setores da classe trabalhadora na desesperança ou atraídos pelo bolsonarismo. 

A moderação é o caminho da derrota. É a hora de enfrentar os problemas pela raiz e responder à ofensiva burguesa com uma ofensiva popular, nacional e revolucionária. A eleição de 2020 vai sinalizar esse dilema. Oxalá os dirigentes, intelectuais, partidos e movimentos compreendam o que está em jogo antes que seja tarde. 

* Historiador, doutorando em Serviço Social pela UFRJ e militante do PCB. 

 

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