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Tique-taque, tique-taque: contagem regressiva  para o governo de Iván Duque

A um ano das eleições, a Colômbia de Duque segue atravessando um cenário de profundo mal-estar social, conflito e falta de diálogo.
A menos de um ano para as eleições, a Colômbia de Duque segue atravessando um cenário de profundo mal-estar social, conflito e falta de diálogo. Por Javier Calderón Castillo | CELAG – Tradução de Gideão Gabriel para a Revista Opera, com revisão de Rebeca Ávila
(Foto: Violaine Martin / ONU)

No dia 20 de julho começou o último ano do quadriênio para o Congresso colombiano e, no dia 7 de agosto, a contagem regressiva para o governo. Faltam 365 dias para a mudança de governo, um período marcado pelo processo eleitoral para o parlamento e a presidência. No dia 11 de março de 2022 será eleito um novo parlamento e, no dia 29 de maio, haverá o primeiro turno das eleições presidenciais. O período político que resta se desenvolverá em clima eleitoral e num ambiente de grande polarização.

Os próximos seis meses são decisivos para a coalizão da direita que apoia Iván Duque, em especial para o Centro Democrático (partido de Uribe) e o Partido Conservador, junto aos menores MIRA e Colombia Justa Libres. Uma coalizão com altos e baixos que se estabilizou depois da crise pelos protestos no final de 2019, com adesão do Cambio Radical (liderado por Vargas Lleras) e o Partido de la U (parte do santismo).  O objetivo da coalizão é usar a agenda legislativa para reverter o pior momento político de sua gestão, visando a disputa eleitoral. As pesquisas Celag e Datexto publicadas em junho mostram a desaprovação do governo superior a 76%, e uma maioria (75%) simpatiza com as demandas exigidas nos protestos iniciados em abril.

A tarefa de impulsionar a agenda legislativa governista no Congresso estará sob responsabilidade do novo presidente do Senado, Juan Diego Gómez (Partido Conservador), e da nova presidente da Câmara dos Representantes (Câmara dos Deputados), Jennifer Arias (Centro Democrático), ambos congressistas  de perfil discreto e com sérias desconfianças por seus vínculos familiares ou políticos com pessoas condenadas por paramilitarismo.

Os principais projetos de Lei que o governo pretende aprovar são uma resposta agridoce às demandas expressadas nos protestos. Por um lado reconhecem, em parte, o erro no projeto do pacote tributário que provocou a mobilização, por outro, pretendem ratificar a resposta autoritária e punitivista às demandas sociais.  Atualmente, o governo envia ao Congresso os seguintes projetos de Lei:

1 – Reforma Tributária: impacta as empresas e o setor financeiro, e pretende arrecadar 15 trilhões de pesos (quatro bilhões de dólares). Aumenta o imposto de renda para as empresas (passa de 30% para 35%); amplia a sobretaxa para o setor financeiro em três pontos, impõe controles à evasão fiscal e desestimula a expansão da dívida pública. 

2 – Lei antivandalismo: Promove mudanças no Código Penal com o objetivo de determinar novos tipos penais, orientados a criminalizar a participação dos cidadãos nos protestos com penas mais severas e impedir determinadas formas de protestos.

3 – Reforma da Polícia Nacional: Um projeto com a intenção de fortalecer o marco jurídico que favorece os integrantes das forças de segurança pública em sua atuação violenta nas mobilizações sociais, regulando o uso de armas não letais e com um estatuto disciplinar a favor da Polícia. Não inclui as recomendações do relatório da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que sugerem transladar a Polícia do Ministério da Defesa para o Ministério do Interior.

4 – Lei estatutária para regulamentar a mobilização social: O governo insistirá num projeto que apresentou em 2020, que pretende “estabelecer regras claras para os protestos na Colômbia”. Isso seria limitar os bloqueios das vias públicas, e aumentar as penas a quem participe de protestos com esses métodos.

A oposição (formada pela Alianza Verde, o Polo Democrático, a Unión Patriótica-Colombia Humana, Comunes e Mais), por sua vez, em conjunto com o Comité Nacional del Paro (Comitê Nacional de Greve), apresentará uma agenda com dez projetos de lei que condensam as principais demandas dos setores mobilizados:

1 – Renda básica emergencial: O projeto propõe apoiar 7,5 milhões de pessoas com uma renda básica como medida permanente e anticíclica.

2 – Educação pública superior gratuita: É uma demanda contra a privatização e financeirização da educação. Mais vagas nas universidades sem custo de matrícula ou anuidades.

3 – Fortalecer a rede pública de saúde: Pretende desmontar a privatização do sistema de saúde e fortalecer o acesso e a qualidade do serviço. 

4 – Formalização e dignificação trabalhista: Um projeto de reforma trabalhista orientado a restituir direitos trabalhistas.

5 – Garantias para o exercício da mobilização social: Almeja a eliminação do Esquadrão Móvel Antidistúrbios (ESMAD), responsável pela maioria das mortes nos protestos, e limitar o uso de armas não convencionais. 

6 – Reforma da Polícia Nacional: O projeto toma como base as recomendações da missão da CIDH, onde se propõe mudar a formação e doutrina policial, dar um caráter civil a esse órgão de segurança, passar sua direção ao Ministério do Interior e julgar as infrações graves e abusos policiais em tribunais comuns.

7 – Reforma e criação de um estatuto da juventude.

8 – Apoio ao campo:  Além de exigir o cumprimento do Acordo de Paz nessa questão, propõe um plano de fomento agropecuário e a proibição da fumigação aérea de glifosato sobre os cultivos de uso ilícito; pedem o cumprimento do programa de paz orientado para a substituição voluntária e acordada desses cultivos.

9 – Congelar o salário dos altos funcionários do Estado: A oposição pede o congelamento do salário de quem ganhe mais de três mil dólares mensais, e a utilização desses recursos para gerar oportunidades de emprego e diminuir a disparidade salarial, considerando que 80% da população ganha menos de 400 dólares mensais.

10 – Desmonte gradativo do imposto “4X1000”: Um imposto que o Estado aplica a todas as transações bancárias, utilizado como fundo para possíveis salvamentos dos bancos. Foi criado com caráter temporário em 1998.

Por outro lado, em 20 de julho foram reativadas as mobilizações sociais em todo o país: ocorreu um encontro das assembleias populares em Cali, massivas marchas nas principais cidades e o governo viu-se obrigado a cancelar os tradicionais desfiles militares pelo dia da independência.

O discurso de Duque na abertura do último ano de legislatura no Congresso evidenciou os elementos centrais de sua narrativa: 1) culpar a polarização social pelos problemas do país; 2) a oposição pela revolta social e; 3) deslegitimar os protestos por “vandalismo” e não reconhecer seus próprios erros.

Começou o debate eleitoral. Os projetos do governo são antagônicos aos da oposição, não existem pontos em que coincidam e os principais debates ecoam as demandas da Greve Nacional.  A campanha está no momento de definição dos nomes para o Congresso e das pré-candidaturas à presidência. Deu-se início aos debates em quatro campos políticos, resumidos a seguir:

1 – A extrema direita (o uribismo), em crise, orienta-se por uma narrativa mais conservadora, punitivista e neoliberal. Possuem dois pré-candidatos: Tomás Uribe (filho do ex-presidente Uribe) e Oscar Iván Zuluaga.

2 – A direita deixa de lado a estigmatização das mobilizações sociais e, por ora, não definiu suas candidaturas, buscam um perfil com considerável experiência em gestão, talvez alguns dos ex-prefeitos de grandes cidades: Enrique Peñalosa (Bogotá), Federico Gutiérrez (Medellín) ou Alex Char (Barranquilla).

3 – Os progressistas, reunidos no Pacto Histórico, adotam a estratégia de tomar as demandas exigidas nas mobilizações para discuti-las no Congresso. Começam a campanha com Gustavo Petro na liderança, que possui 30,3% das intenções de voto segundo a pesquisa do CELAG,  e 21% segundo a pesquisa do CNC. Também surgiram como pré-candidatos Francia Márquez, líder do movimento social negro, e o senador santista Roy Barreras.

4 – Os setores do centro, reunidos na Coalición de la esperanza, respaldam o Comitê Nacional de Greve e retomam algumas de suas demandas. Sergio Fajardo é sua figura principal e pré-candidato com 14,2% das intenções de voto, segundo a pesquisa do CELAG, e 6% segundo a pesquisa do CNC. Foram anunciados como pré-candidatos o senador Jorge Robledo e o ex-ministro santista Juan Fernando Cristo.

5 – O Partido Liberal está acertando suas pré-candidaturas presidenciais que, muito provavelmente, se integrarão a um dos blocos de oposição ao governo. O senador liberal Luiz Fernando Velasco anunciou sua candidatura, fazendo um chamado à unidade da oposição (sem exclusões), e é possível que Alejandro Gaviria – ex-ministro da Saúde de Juan Manuel Santos – anuncie também sua pré-candidatura, buscando canalizar todo o voto da ala moderada da direita e dos setores ligados à Coalición de la Esperanza.

Segue latente o conflito social. O cenário segue sendo conflitivo, o Comitê Nacional de Greve continua defendendo as demandas da pauta nacional,  com 104 pontos, e a pauta de demandas emergenciais, enquanto o governo optou por não dialogar com eles e por buscar desarticular as mobilizações sociais com duas leis direcionadas a legalizar os abusos da repressão. O descontentamento social determina o cenário para o governo e seguirá dando o tom à agenda dos partidos.

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