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Peru: Os EUA, a Marinha, o terrorismo midiático e a renúncia forçada do chanceler Béjar

A primeira baixa do governo Castillo, no Peru, é de Héctor Béjar, ex-guerrilheiro e chanceler destituído por uma campanha midiático-militar.
A primeira baixa do governo Castillo, no Peru, é de Héctor Béjar, ex-guerrilheiro e chanceler destituído por uma campanha midiático-militar. Por Mariana Álvarez Orellana | CLAE – Tradução de Rebeca Ávila para a Revista Opera
(Foto: Presidencia de la República del Perú)

Depois de apenas 19 dias no cargo, o chanceler peruano Héctor Béjar, ex-guerrilheiro e sociólogo, renunciou em meio a uma campanha de terrorismo midiático contra ele e contra o governo do presidente Pedro Castillo, após um programa de televisão divulgar no domingo declarações suas, dadas antes de ser nomeado ministro de Relações Exteriores, em que indicava que a Marinha havia cometido atos terroristas e havia sido treinada pela CIA estadunidense.

A Marinha, passando por cima das normas que dizem que as Forças Armadas não são deliberantes, emitiu um comunicado criticando duramente o chanceler. O ministro da Defesa, o ex-suboficial da Polícia e advogado Walter Ayala, respaldou publicamente a Marinha e seu comunicado, apesar de ser um desafio militar aberto ao poder civil. Béjar se reuniu com Castillo antes de renunciar, mas não encontrou respaldo no governo: o presidente tem se mantido em silêncio.

Antes de sua renúncia, o Ministério de Relações Exteriores emitiu um comunicado explicando que as declarações do chanceler divulgadas pela imprensa foram dadas antes de assumir o cargo e “vêm sendo manipuladas, editadas, recortadas e tiradas de contexto com o propósito de desacreditar e conseguir a censura do ministro”.

Béjar esclareceu que não renunciou, mas que o primeiro-ministro, Guido Bellido, pediu que renunciasse; destacou que a razão verdadeira da sua saída do governo é o desejo da direita de impedir que o Peru tenha uma política exterior soberana e expôs sua esperança de continuidade desta.

O desfecho foi precedido por uma intensa campanha política e midiática direitista, que o acusou de insultar a Marinha em um vídeo do final de 2020, em que lembrava de atos terroristas ocorridos há quase meio século atribuídos a agentes de inteligência da Marinha.

Suas declarações sobre a Marinha, o terrorismo e a CIA, tiradas de contexto pelos seus acusadores, foram o episódio final da ofensiva contra Béjar. Antes de serem divulgadas, o fujimorismo havia apresentado um pedido no Parlamento para inquiri-lo, com o objetivo de censurá-lo pelo seu passado guerrilheiro, sua militância na esquerda e sua anunciada aposta pela integração regional.

“Isto é uma conspiração da direita, com apoio da mídia. Não querem que a política exterior mude, querem bloquear qualquer tentativa de uma política de integração da América Latina. Estão concedendo para o militarismo, o comunicado da Marinha é inaceitável. Com isto se fortalece a direita e perde a democracia”, declarou o ex-parlamentar andino e sociólogo Alberto Adrianzén.

As bancadas direitistas do Parlamento se lançaram contra Béjar praticamente desde a sua nomeação. “Há um grupo na Marinha e na ultradireita peruana que quer evitar a qualquer custo que o Peru tenha ou volte a ter uma política exterior independente, soberana, esse é o verdadeiro motivo; para eles, eu represento esse perigo”, se manifestou.

Béjar disse que queria responder às perguntas da inquirição, enfrentando o Congresso de maioria direitista. “Eu esperava falar no interrogatório e entendo que eles (os congressistas) pediram minha renúncia antes para evitar que eu fale perante o Congresso, foi uma forma de me censurar”, afirmou.

Béjar disse que sua saída era uma das alternativas, pois aceitou o cargo “sabendo que estava em uma situação instável em um país de política instável e desde o começo sabia que todas as possibilidades estavam abertas”. Disse que os próximos passos que pensava dar como chanceler eram “ingressar no Grupo de Contacto, com o objetivo de levantar as sanções [dos EUA] contra a Venezuela, e creio que isso também tem sido parte da motivação central”.

“Creio que o professor Castillo é uma excelente pessoa, devo agradecê-lo por ter me nomeado como chanceler e minha disposição, agora fora do governo, será de continuar cooperando para que o Peru tenha um governo que seja do povo e que responda verdadeiramente aos interesses da nação”, agregou.

Diversos meios de comunicação alternativos publicaram relatos sobre atentados realizados na época a que Béjar se referiu, contra ministros, altos oficiais da própria Marinha, entre outros – incluindo a casa do adido militar cubano da época e dois barcos pesqueiros cubanos, um dos quais foi afundado no porto vizinho de Callao.

“O terrorismo no Peru foi iniciado pela Marinha, foram treinados para isso pela CIA” foi a afirmação de Béjar que colocou em guerra a direita política, midiática e militar. A declaração foi dada em novembro do ano passado, durante uma conferência virtual em que afirmou que o Sendero Luminoso, grupo que iniciou uma luta armada em 1980, foi “em grande parte obra da CIA”, embora tenha dito que não tinha provas disso.

A Marinha aproveitou o assunto para defender firmemente a atuação militar na guerra interna e desacreditar os que a questionam pelas múltiplas violações aos direitos humanos – sequestros, torturas, desaparições, assassinatos e massacres de comunidades camponesas – em que a Marinha teve papel protagônico.

Falando um pouco de História, em janeiro de 1975, quando o país era governado pelo general de esquerda Juan Velasco Alvarado, um almirante próximo ao mandatário, recém-nomeado chefe da Marinha e do Comando Conjunto – que contava com a oposição de altos oficiais da Marinha que conspiravam contra Velasco -, foi alvo de um ataque terrorista quando uma bomba foi colocada na sua casa. Velasco foi derrubado em agosto daquele ano.

Em 1977, no governo militar do general de direita Francisco Morales Bermúdez – condenado na Itália por sua participação no Plano Condor, mas protegido no Peru da extradição -, um barco pesqueiro cubano foi afundado e outro danificado com bombas colocadas por mergulhadores. A Marinha tinha pessoal e equipamento para realizar esses atentados. O governo militar não investigou o ataque.

De acordo com mensagens do Departamento de Estado revelados pelo WikiLeaks, a Embaixada dos Estados Unidos informou que esses atentados teriam sido cometidos pela Marinha. Béjar se referia a esses fatos históricos quando disse que a Marinha iniciou o terrorismo no Peru.

O fantasma de Montesinos

O então presidente Alberto Fujimori nomeou Vladimiro Montesinos como chefe do Serviço de Inteligência Nacional (SIN), conselheiro de segurança do governo e o principal assessor presidencial entre 1990 e 2000. Ele colaborou no desenho da estratégia política para enfrentar as redes do Sendero Luminoso e o Movimento Revolucionário Túpac Amaru (MRTA) e organizou através do SIN o Sistema de Contrainteligência (SICON) para combater a espionagem chilena na década de 1990.

No total, foi acusado de 63 crimes que vão desde tráfico de drogas até assassinato. Está na prisão de segurança máxima da base naval de Callao e enfrentará pelo menos mais oito julgamentos nos próximos anos. Porém, retornou às primeiras páginas durante a campanha presidencial, com a divulgação de uma série de áudios seus (feitos na base naval) que expuseram uma conspiração para inviabilizar o processo eleitoral e impôr Keiko Fujimori na presidência.

Na gravação, Montesinos dá indicações para subornar três dos quatro integrantes do Júri Nacional de Eleições (JNE) e indica que o contato para chegar ao júri é Guillermo Sendón, um político simpatizante do fujimorismo. Em um segundo telefonema, Montesinos sugere ao mesmo interlocutor – identificado como o coronel aposentado Pedro Rejas Tataje – que a embaixada dos Estados Unidos poderia ajudar os conspiradores.

Provocaram alerta esses áudios que demonstravam que Montesinos, com múltiplas acusações por sequestro, homicídio, tortura, terrorismo, desaparição forçada, tráfico de armas, associação ilícita, extorsão, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e violações massivas aos direitos humanos, amparado na prisão de segurança máxima em uma base da Marinha, continuava sendo o principal operador do fujimorismo. Mais uma vez, a dinâmica EUA-Marinha-Montesinos aparece em uma conspiração.

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