No dia 27 de setembro deste ano, um ciclone tropical, o Furacão Ian, atingiu a província cubana de Pinar del Río, na região oeste da ilha. Ventos sustentados de cerca de 200km por hora passaram por Cuba por mais de oito horas, derrubando árvores e linhas de transmissão de energia, e causando uma devastação não vista pelo país nos ciclones tropicais anteriores. O furacão então passou sobre as águas quentes do Golfo do México, captando energia antes de atingir a ilha norte-americana de Cayo Costa, na Flórida, com ventos de aproximadamente 250km por hora. A Organização Meteorológica Mundial (WMO) chamou o evento de “um dos piores furacões a atingir a área em um século.”
O Centro de Previsão Climática da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos eua declarou que este ano será a “sétima temporada consecutiva de furacões acima da média”. Tanto Cuba quanto a Flórida enfrentaram a ira das águas e dos ventos, mas por baixo disso está a ferocidade da catástrofe climática. “A ciência climática está cada vez mais demonstrando que muitos dos eventos climáticos extremos que estamos experimentando se tornaram mais intensos e prováveis devido às mudanças climáticas induzidas pelo homem”, disse o secretário-geral da WMO, Petteri Taalas.
Preparação e alívio
Cuba, de acordo com a WMO, é um dos “líderes mundiais em termos de preparação para furacões e gestão de desastres.” Mas não foi sempre assim. Em 4 de outubro de 1963, o Furacão Flora atingiu a costa leste da ilha. Quando as notícias de que um furacão se aproximava chegaram aos ouvidos de Fidel Castro, ele ordenou a evacuação imediata das casas daqueles que moravam no caminho projetado da tempestade (no Haiti, o ex-ditador François Duvalier não ordenou a evacuação, o que resultou na morte de mais de 5 mil pessoas). Castro correu para Camagüey, quase morrendo no rio Cauto quando seu carro anfíbio foi atingido por um tronco à deriva. Dois anos depois, em seu livro O socialismo e o homem em Cuba, Che Guevara escreveu que o povo cubano deu mostra de “feitos excepcionais de valor e sacrifício” na reconstrução do país após a devastação do Flora.
Em 1966, o governo cubano criou o Sistema de Defesa Civil para se preparar não só para eventos climáticos extremos como furacões, mas também para responder a surtos de epidemias. Usando a ciência como o fundamento de sua preparação para os furacões, o governo cubano foi capaz de evacuar 2 milhões de pessoas quando o Furacão Ivan chegou à ilha, em 2004. Uma das medidas da gestão de desastres é a participação de toda a população cubana em treinos, enquanto as organizações de massa, como a Federação de Mulheres Cubanas ou os Comitês de Defesa da Revolução, trabalham de forma integrada para mobilizar a população na resposta aos desastres.
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Um dia antes do Furacão Ian atingir Cuba, 50 mil pessoas foram evacuadas e levadas a 55 abrigos. Nenhum veículo particular ou de transporte público estava visível nas ruas. Brigadas de Trabalho foram mobilizadas para restabelecer o fornecimento de energia. Em Artemisa, por exemplo, o Conselho de Defesa Provincial se reuniu para discutir a reação à inevitável inundação após o furacão. Apesar de tantos esforços dos cubanos, três pessoas morreram com a passagem do furacão, e a rede elétrica sofreu danos consideráveis.
Danos
Toda a ilha de Cuba, incluindo Havana, ficou sem energia por mais de três dias. A rede elétrica, que já vinha sofrendo com a falta de reparos, colapsou. Sem energia, os cubanos tiveram de jogar comida fora, pela ausência de refrigeração, e enfrentaram dificuldades na preparação de refeições, entre outros problemas. No dia 1 de outubro, menos de cinco dias após a queda da eletricidade, 82% dos residentes de Havana tiveram seu fornecimento de energia restabelecido, com obras em andamento na parte ocidental da ilha (a quantidade de tempo que Porto Rico ficou sem energia, após ser atingido pelo Furacão Fiona em 18 de setembro, foi maior – 250 mil pessoas ficaram sem energia por mais de duas semanas).
O impacto de longo prazo do Furacão Ian ainda não foi avaliado, apesar de alguns acreditarem que os custos dos danos passarão de 1 bilhão de dólares. Mais de 8,5 mil hectares de plantações foram atingidos pelas inundações, com a safra de banana sendo a mais impactada. O problema mais dramático será enfrentado pela indústria cubana de tabaco, já que Pinar del Río – onde 5 mil fazendas foram destruídas – é o coração da indústria, responsável por 65% de toda a produção de tabaco do país. Hirochi Robaina, um produtor de tabaco de Pinar del Río, escreveu que “foi apocalíptico. Realmente um desastre.”
Bloqueio
Países como México e a Venezuela imediatamente se prontificaram a enviar materiais para ajudar na reconstrução da rede elétrica da ilha.
Todos os olhos se voltaram para Washington – não para ver se os EUA enviariam ajuda, o que seria bem-vindo, mas para ver se Cuba seria removida da lista de estados patrocinadores do terrorismo e se as sanções impostas pelos Estados Unidos seriam retiradas. Estas medidas fazem com que bancos, nos Estados Unidos e em outros países, mantenham uma postura relutante quanto ao processamento de transações financeiras para a ilha, incluindo as doações humanitárias. Os Estados Unidos têm um histórico ambíguo no que se refere à ajuda humanitária para Cuba. Após o Furacão Michelle (2001), o Furacão Charley (2004) e o Furacão Wilma (2005), os EUA ofereceram ajuda, mas não concordaram sequer em suspender temporariamente o bloqueio contra a ilha. Após o incêndio num gigantesco depósito de petróleo em Matanzas, em agosto deste ano, os EUA se ofereceram para se juntar ao México e à Venezuela nos esforços para apagar o incêndio. O vice-ministro de Relações Exteriores de Cuba, Carlos Fernández de Cossio, manifestou “profunda gratidão” pelo gesto, mas a administração de Joe Biden não foi em frente.
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Ao invés de pôr fim às sanções, mesmo que por um período limitado, o governo dos EUA não fez nada senão observar, enquanto forças misteriosas de Miami lançavam uma torrente de mensagens pelo Facebook e o WhatsApp incentivando que os cubanos tomassem as ruas. Nenhum momento é desperdiçado por Washington, nem mesmo quando se trata de usar um desastre natural para tentar desestabilizar a situação em Cuba (uma história que data de 1963, quando a Agência Central de Inteligência, a CIA, planejava usar os efeitos do Furacão Flora para obter ganhos políticos). “A maioria do povo não grita por liberdade”, nos disse uma pessoa que observava um dos protestos que emergiram na ilha. “Elas gritam por eletricidade e comida.”