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Ao centenário de Robert F. Williams, o negro armado

Robert F. Williams foi um dos mais importantes proponentes da luta armada contra o racismo nos EUA, influenciando organizações como o Partido dos Panteras Negras
Marco Aurélio
Robert F. Williams recebe uma cópia do Livro Vermelho autografada por Mao Zedong, em 1 de outubro de 1966. (Foto: Meng Zhaorui / People's Literature Publishing House)
Fonte: Google

Ao pensarmos na história do movimento negro em diferentes países e tempos históricos, é importante não perder de vista que a burguesia também tem a sua versão da história. Nesse sentido, muito se produziu, academicamente, sobre o suposto fim da segregação racial em diferentes partes do mundo colonial. Quando se fala do Movimento dos Direitos Civis, alguns símbolos brilham de forma automática em nossa mente. Um deles é Martin Luther King Jr., tido como o grande exemplo de luta não-violenta pelo fim da segregação racial e pelo direito de voto aos negros nos Estados Unidos.

Luther King não é, necessariamente, por defender uma luta não-violenta, um desses componentes burgueses – sua atuação política teve impacto significante no avanço dos direitos dos negros em seu país, e, em certo momento, aliado com a classe trabalhadora de forma ampla, ainda que que possamos discordar da pureza de sua tática. No entanto, Martin Luther King Jr. trouxe um olhar desdenhoso sobre formas de luta de resistência armada, tão importantes quanto as marchas, piquetes e sit-ins (protestos sentados), em contrariedade a sua forma de protesto não-violento, culminando em uma situação na qual, diante da aparente vitória do Movimento dos Direitos Civis, tenha se tornado um modelo, o exemplo a ser seguido, um Gandhi negro. Essa imagem também foi reforçada pelo establishment, o que o coloca como um totem para aqueles que creem fielmente na democracia e suas leis. Um ótimo exemplo dessa problemática da captura de sua imagem pela burguesia foi a criação de uma camisa pelo Movimento Brasil Livre (MBL), em 2017, com as imagens de Thomas Sowell, um conservador-libertário afro-americano, Fernando Holiday, o então vereador paulistano, e Martin Luther King, onde figura a frase: “Três gerações: Um sonho”. A frase é uma clara menção ao famoso discurso de Martin Luther King, I Have a Dream (Eu tenho um sonho), proferido em 1963 durante a célebre Marcha sobre Washington por Trabalho e Liberdade.

É nesse sentido que a história do Movimento dos Direitos Civis deve ser disputada – o que é feito, há décadas, pelos setores médios e altos do poder político capitalista. Por meio dessa disputa, se originou uma ideia de contradição quase irremediável entre Luther King e Malcolm X, este visto como um “extremista”, um “anti-branco”, um exemplo que deve ser evitado. Mas há muito mais história para além desses grandes personagens e organizações, e o movimento ganhou diversos contornos, muitos deles ainda desconhecidos pelo grande público. Um exemplo é o de Robert F. Williams, cujo centenário de seu nascimento, no dia 26 de fevereiro de 2025, pode ser uma ótima oportunidade de conhecer mais sobre sua atuação, quase um lado b da história. Mesmo que sua obra, Negroes with Guns, uma espécie de autobiografia lançada no exílio, em 1962, seja bem conhecida nos Estados Unidos, ela está longe de fazer parte do cânone sobre o tema, além de não ter tradução para o português, o que dificulta o estudo da luta racial norte-americana, mesmo com alguns esforços admiráveis, como o dos camaradas da Nova Cultura, que traduziram o artigo Black Like Mao – publicado originalmente no livro Afro-Asia: Revolutionary Political and Cultural Connections between African Americans and Asian Americans.

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De certa maneira, Robert carregava muitos dos céus e infernos de Luther King. Ambos acusados de comunistas – termo que, à época, soava como ofensa contra qualquer militante –, cada um deles contribuiu de forma significativa para a melhoria de vida dos afro-americanos. Mas suas distinções eram bem mais evidentes, e isso foi usado, claro, como arma contra Williams. É nesse aspecto é que o pastor King carrega um tanto de culpa. Ele via a autodefesa como uma “luta de segunda classe”[1], e afirmava que “devemos nos elevar às majestosas alturas para confrontar a força física com a força da alma”[2]. Sua estratégia de “desobediência civil de massa”, tão útil em todo o Movimento dos Direitos Civis, era muito admirada por Robert F. Williams, mas vista como limitada. Robert conseguia compreender que a luta contra a segregação poderia ser uma luta de duas linhas, no sentido de que ela poderia seguir dois modos paralelos, com a desobediência civil e a luta pela via pacífica aplicadas junto à resistência armada, e, posteriormente, a um avanço por meio da guerra revolucionária.

Robert F. Williams não permitiu que, em sua cidade natal, Monroe (Carolina do Norte), as únicas armas fossem as da crítica. Lá havia negros com armas, alterando o equilíbrio de forças numa região dominada pela Ku Klux Klan, o que teria influênia, posteriormente, na filosofia do Partido Pantera Negra para Auto-defesa e no surgimento de dezenas de organizações nacionalistas revolucionárias, criando uma culura de autodefesa e rebeldia.

Negroes with Guns: a forja de aço que formou Williams

Para compreender a importância de Robert, é necessário compreender que a resistência armada em si não era um ato revolucionário, no sentido organizacional, mas um ato legal, dentro das vias democráticas, amparado pela Segunda Emenda à Constituição dos Estados Unidos, que protege o direito da população à autodefesa por meio das armas. Portanto, é importante determinar em que ponto da luta a autodefesa se situa, para que não haja dúvidas de que o papel de Williams não foi sectário, mas sim baseado em diversas estratégias unidas e complementadas.

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Robert nasceu na Carolina do Norte, na cidade de Monroe. O estado, durante o século 18, passou por grande prosperidade econômica e populacional, devido ao amplo cultivo de tabaco e açúcar a partir de latifúndios movidos a mão de obra escrava. O país se viu dividido quando iniciou a Guerra de Independência dos Estados Unidos, com a população apoiando tanto os Whig – partido liberal, de apoio à causa da independência –, quanto os Tory –, leais à coroa britânica. A Batalha de Moore’s Creek, ocorrida em fevereiro de 1776 e vencida pelos Whig, foi decisiva para que o estado da Carolina do Norte passasse, definitivamente, a apoiar a independência. Já no século 19, com os Estados Unidos independentes dos britânicos, a Carolina do Norte passou a depender ainda mais da indústria escravista do tabaco e do algodão, o que estimulou o tráfico de ainda mais africanos para o estado no início do século 19. Isso reflete na posição do estado durante a Guerra de Secessão, onde cerca de 140 mil soldados confederados provinham da Carolina do Norte, o estado que forneceu o segundo maior contingente para a Confederação – 1/4 dos soldados confederados que morreram na guerra eram da Carolina do Norte. Apesar da derrota na guerra, e com a ocupação do estado pelas tropas da união, a Carolina do Norte, como a maioria dos estados sulistas, viu um aumento na segregação entre negros e brancos, com o florescimento da Ku Klux Klan e a aprovação de diversas leis de segregação em 1898, elementos que constituiram a realidade social do estado no século 20.

Robert, neto de uma ex-escrava, foi um dos milhões de americanos que migraram para o norte à procura de trabalho, fugindo da segregação no sul. Durante a Segunda Guerra Mundial, devido à baixa disponibilidade de mão de obra, muitos afro-americanos foram empregados nas cidades industrializadas, colaborando para os esforços de guerra do país, e o crescimento econômico sem precedentes durante o conflito.

Em 1944, Robert se alistou na Marinha e serviu durante um ano e meio como soldado raso. Essa experiência lhe trouxe duas experiências fundamentais: a primeira delas foi testemunhar os levantes raciais em Detroit, motivados pela concorrência entre brancos e negros no mercado de trabalho, podendo, assim, conhecer uma nova forma de organização e atuação política, num cenário proletarizado, diferente da sua experiência em uma região predominantemente rural no sul dos Estados Unidos. A segunda foi a experiência num exército segregado, a partir do qual, no pós-guerra, muitos dos veteranos negros se organizaram para proteger seus respectivos bairros de ataques tanto da polícia quanto da KKK. Em 1945, Robert se junta ao comitê de Monroe da NAACP (Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor), buscando revitalizá-lo, após a perda de muitos de seus membros. Junto do Dr. Albert E. Perry, ambos conseguiram reorganizar o comitê local, assumindo a presidência da NAACP na região.

Um dos primeiros embates de Robert e Perry à frente da NAACP foi a tentativa de integrar racialmente a biblioteca pública da cidade, direito conquistado em 1957. Um episódio curioso, mas que reflete a atitude enérgica de Robert diante da necessidade de reorganização da NAACP em Monroe, é relatado em sua clássica biografia, Negroes with Guns, lançada em 1962:

“Um dia, entrei em uma sala de bilhar de negros na nossa cidade, interrompi um jogo colocando panfletos da NAACP sobre a mesa e fiz um discurso. Recrutei metade dos presentes. Isso deu um novo começo ao nosso capítulo. Começamos uma campanha de recrutamento entre operários, agricultores, trabalhadores domésticos, desempregados e qualquer pessoa negra da região.

Acabamos com um capítulo que era único em toda a NAACP devido à sua composição de classe trabalhadora e uma liderança que não era de classe média. O mais importante, tínhamos uma forte representação de veteranos que haviam retornado, eram muito combativos e não se intimidavam facilmente.”[3]

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Por outro lado, a estimativa da imprensa era de que o comitê local da Ku Klux Klan, em Monroe, tivesse 7.500 membros; um número monstruoso de supremacistas brancos no encalço de pessoas negras. Até então, a tática adotada por Robert e a maioria da NAACP em Monroe se baseava em protestos pacíficos, piquetes, e outras formas de resistência e luta não-violenta. Mas dois episódios foram decisivos para que essa tática mudasse – mesmo contra a posição da NAACP local.

Em 1957, logo após a vitória na integração da biblioteca pública, Robert e a NAACP decidiram lutar pelo direito dos negros de utilizaram a piscina pública da cidade, mantida com o dinheiro arrecadado por meio de impostos municipais. Formaram-se linhas de piquete nos arredores da piscina, de forma pacífica, para que o protesto ocorresse de forma tranquila. Várias crianças morreram afogadas ao longo dos anos em Monroe, por utilizarem outros espaços como piscina, a exemplo de grandes buracos e outros repositórios de água não supervisionados. Antes dos piquetes começarem, a NAACP havia solicitado a criação de piscinas segregadas, apenas para negros, uma maneira de obter seu direito, ainda que dentro da lógica segregacionista. O pedido foi recusado diversas vezes, sob a desculpa de que a construção da piscina teria um alto custo. Uma outra autoridade afirmou que “cada vez que um negro utilizasse a piscina, ela deveria ser esvaziada, para depois enche-lá novamente”.[4]

Se tornou comum à Klan realizar carreatas pela comunidade negra da cidade, disparando tiros pelas janelas dos carros, tentando persuadir os negros por meio das armas. Vários foram os pedidos feitos às autoridades para que detivessem as ações da Klan, e todos eles foram negados. Num dos dias em que se realizava um piquete no entorno da piscina municipal, um incidente com um motorista branco foi o estopim para a multidão de brancos racistas que se encontravam do outro lado do piquete. Um homem, que dizia que seu carro foi atingido pelo carro de Robert, foi em sua direção portando um bastão para acertá-lo. Nesse momento, Robert e os demais ocupantes do carro sacaram suas armas, forçando o homem a se afastar. A multidão, ensandecida, começou a gritar: “Mate os negros!”. Três policiais que estavam “fazendo a segurança” do piquete tentaram acertar Robert e tomar sua arma, no que também foram atingidos, e correram.

Robert relata que, nesse instante, um homem branco, velho, se dirigiu para a multidão e disse:

“Porra, para onde esse país está indo? Os negros têm armas, os negros estão armados e a polícia nem consegue prendê-los!”

Outro episódio, ocorrido no ano seguinte, o Caso do Beijo, se tornou um escândalo para a sociedade racista da Carolina do Norte. Dois garotos negros, David Simpson, de 7 anos, e Hanover Thompson, de 9, foram presos sob a acusação de estupro, crime punível com a pena de morte na Carolina do Norte, por uma menina branco ter beijado o rosto de um dos garotos. Foi motivo suficiente para a prisão de duas crianças. O escritório nacional da NAACP, que, até então, acompanhava o caso apenas como observadora, decidiu entrar na disputa, após a publicação de uma fotografia de um jornalista inglês, mostrando os garotos e as condições degradantes em que ambos se encontravam na prisão. As crianças estavam sendo enviadas para diversos reformatórios, e os tribunais de Monroe não tinham o menor interesse em resolver a situação. O caso foi resolvido quando o então presidente dos Estados Unidos, Dwight D. Eisenhower – tanto pela pressão externa quanto pelos protestos dos negros e brancos antiracistas da Carolina do Norte –, decidiu entrar em contato com o governador da Carolina do Norte, Luther H. Hodges, que, finalmente,  libertou as crianças.

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Após esses dois episódios, entre outros, Robert deu uma declaração que se espalhou pelos Estados Unidos, e inflamou o debate sobre a autodefesa:

“(…) em uma sociedade civilizada, a lei é um impedimento contra os fortes que abusam dos fracos, mas o Sul não é uma sociedade civilizada; o Sul é uma selva social, então, em casos como este, tivemos que voltar à lei da selva; havia se tornado necessário criarmos nosso próprio impedimento. E eu disse que, no futuro, defenderíamos nossas mulheres e crianças, nossos lares e a nós mesmos com nossas armas. Que enfrentaríamos violência com violência.”

A declaração causou comoção na imprensa racista, na Ku Klux Klan e entre o departamento de polícia de Monroe. Mas, mais importante que isso, ajudou a colocar em debate a autodefesa dentro da NAACP, que, segundo Robert, “pouco fez por nós naqueles tempos”. Disso veio um comunicado oficial da NAACP nacional, defendendo o direito autodefesa dos negros, e afirmando-o como um princípio da organização.

A Associação Nacional do Rifle, organização sem fins lucrativos que visava a proteção da Segunda Emenda e do direito do porte de armas pelos cidadãos americanos – além de incentivar veteranos de guerra a defender suas propriedades e manter suas habilidades com armas –, concedeu a Williams uma escritura para a criação de um clube de tiro em Monroe. Williams chamou o grupo de Guarda Armada Negra, que, no começo, era composto por cerca de 60 pessoas, cuja função era defender a população negra de Monroe dos ataques racistas. Constantemente, Williams reafirmou que sua posição era de autodefesa, não desejando, de forma alguma, retaliações ou ataques iniciais contra brancos por parte da população negra. É interessante que, após o primeiro confronto armado contra a Klan, semanas depois, um grupo de indígenas da região também tenha repelido um ataque dos supremacistas brancos, portando armas, o que demonstra como a ação de Robert e o grupo organizado de Monroe serviu de exemplo para um embate direto contra as forças racistas na Carolina do Norte.

A luta de duas linhas dentro da NAACP não foi tranquila. Williams chegou a ser suspenso da organização, segundo Williams, porque “o escritório nacional da NAACP estava determinado a manter-se nas boas graças de muitos brancos influentes do Norte que se sentiam incomodados com nossa militância”. Isso reflete uma luta também de classe dentro da organização. Por não ter uma linha política e de classe homogênea, a NAACP detinha, dentro de suas fileiras, negros de classes sociais e ideologias políticas opostas.

Cartaz de procurado emitido pelo FBI contra Robert F. Williams. (Foto: FBI / Wikimedia Commons)
Cartaz de procurado emitido pelo FBI contra Robert F. Williams. (Foto: FBI / Wikimedia Commons)

As experiências de Robert em Monroe deram origem ao jornal The Crusader, cuja primeira edição foi publicada em de junho de 1959. Ao final desse mesmo ano, ele passou a escrever sobre os afro-cubanos, numa ampliação de sua visão e militância que englobasse as experiências raciais ao redor do mundo, num esforço internacionalista de conectar a luta contra o racismo nos Estados Unidos com as lutas em outros cantos do planeta. Num dos artigos, Williams falou sobre a “igualdade racial existente em Cuba (após a revolução).” O artigo incomodou o escritório nacional da NAACP, que via Williams como “mais uma peão na infeliz disputa entre Cuba e nosso país”.[5] Essa fala do escritório nacional foi reimpressa no The Crusader, e respondida por Robert de maneira contundente:

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“Nos últimos meses, estive duas vezes em Cuba, e não há nada de insincero em me sentir como membro da raça humana pela primeira vez na vida. Se esta é a ideia de insinceridade da América, então que o céu ajude esta nação a se tornar insincera como Fidel Castro e a Cuba Livre, ao conceder às pessoas de ascendência africana acesso à raça humana. Prefiro estar do lado certo do que ao lado do ‘Jim Crow’ e da opressão. (…) O racismo nos EUA é tanto um problema mundial quanto o nazismo foi. Não vou me calar e cooperar com as forças que buscam minha destruição. Se há opressão no mundo hoje, ela diz respeito a toda a raça humana. Minha causa é a mesma dos asiáticos contra o imperialismo. É a mesma dos africanos contra o selvagem branco. É a mesma de Cuba contra o imperialismo supremacista branco.”

Nesse ponto, Williams antecipava a visão política que Malcolm X adotaria em seu último ano de vida, 1965. Não à toa, quando da morte de Malcolm, e, posteriormente, de Luther King, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos entendia que Williams poderia preencher o vácuo deixado com a morte dos dois militantes negros. Seu  programa de 10 pontos, entregue para o Conselho de Vereadores de Monroe – exigindo a contratação de pessoas negras nas fábricas, o fim das placas de segregação em Monroe, a desegregação das escolas, dentre outros direitos básicos – foi uma declaração formal de sua linha política. É interessante analisar este programa por diversos motivos, mas, ao observá-lo sob as lentes da disputa entre os conceitos de autodefesa e não-violência, fica evidente que Williams, na maior parte do início de sua militância em Monroe, tentou mudar a situação dos negros dentro do jogo democrático. Sua colaboração com o Freedom Riders também antecipou, de certa maneira, a Coalizão Arco-Íris, criada em 1969, pelo Partido dos Panteras Negras. A junção das duas estratégias era um modelo novo de luta, muito contrário ao senso comum, e que fica evidente em sua análise sobre os resultados concretos das ações de via dupla em Monroe [6].

Comunismo, nacionalismo e internacionalismo: o radicalismo de Williams pela libertação universal oprimidos

Em 1961, devido à intensa perseguição que sofreu do FBI, Robert teve de deixar Monroe e se exilar em Cuba. Alguns meses antes de sair do país, quando King se recusou a  participar de um dos “passeios pela liberdade” organizados pelos Freedom Riders, Robert enviou um telegrama para o pastor, com a seguinte declaração:

“Nenhum líder sincero pede a seus seguidores que façam sacrifícios que ele próprio não suportará. Você é um impostor… Se lhe falta coragem, retire-se da vanguarda… Agora é a hora de os verdadeiros líderes irem para o campo de batalha”.

O tom de Robert demonstra a agudização da luta racial e de classe que acontecia nos Estados Unidos, como a luta de duas linhas que havia tomado o Movimento dos Direitos Civis. Era por conta dessa agudização que Robert teve de deixar o país, junto de sua esposa, evitando ser preso ou morto. O exílio foi importante para que Robert tivesse ainda mais participação e presença num movimento ainda mais expandido, num momento em que a Guerra Fria chegava próxima do seu ápice – ainda que o termo “fria” seja mera formalidade, dada a quantidade de conflitos indiretos entre o bloco socialista e o bloco imperialista. Era o final da segunda onda revolucionária, que precederia uma terceira onda[7], ainda mais importante e impactante para os países colonizados e os povos racializados.

No ano seguinte, 1962, já estabelecido em Cuba, Fidel Castro deu a Robert a permissão de operar a Rádio Free Dixie, que durou até 1965. Dixie era um termo utilizado para se referir à região sul dos Estados Unidos, e na rádio Robert apresentava músicas, conversas políticas e contação de histórias. Mas o principal da rádio era o chamado para que os negros do sul se levantassem contra a opressão colonial do estado norte-americano sobre o povo negro, os brancos pobres, e demais minorias. Quando a Crise dos Mísseis se inicia, Robert instigou os soldados negros das Forças Armadas dos Estados Unidos, preparados para uma fantasiosa invasão cubana de seu território, para se aproveitarem do momento, e iniciar uma insurreição[8]:

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“Enquanto estiverem armados, lembrem que essa é a sua única chance de serem livres. (…) Essa é a sua única chance de impedir que seu povo seja tratado pior do que cachorros.”

Ao mesmo tempo em que atuava na rádio, Robert continuou publicando seu jornal, The Crusader, diretamente de Cuba, e foi também nesse período em que escreveu o clássico Negroes with Guns. Em 1964, mesmo no exílio, foi eleito presidente do Revolutionary Action Movement (Movimento de Ação Revolucionária), um partido marxista-leninista que atuou entre 1962 e 1968. Apesar da curta duração, e da atuação restrita a poucas cidades dos Estados Unidos, o partido teve dois grandes êxitos: foi o primeiro partido a aplicar o pensamento de Mao Tsé-tung no país – a ideia de maoísmo ainda não havia sido desenvolvida –, e, além disso, contou, em suas fileiras, com Malcolm X, sendo a única organização secular que o grande líder do nacionalismo negro atuou, antes da sua famosa peregrinação para Meca, em 1964.

O RAM foi, em certa medida, uma tentativa de unificar as ideias de autodefesa defendidas por Robert F. Williams com o nacionalismo negro de Malcolm X, além da crescente influência da Revolução Chinesa e sua linha política sobre os afro-americanos. Até chegar à China, num movimento de “retorno” ao país que estava na linha de frente pela libertação colonial no terceiro mundo, Williams ainda visitou Hanoi, capital do então Vietnã do Norte, em 1965. Lá, em plena Guerra do Vietnã, Williams defendeu abertamente a revolta armada contra os Estados Unidos, mostrando solidariedade ao país que, oito anos depois, infligiria a maior derrota da história sobre a maior potência bélica do mundo. De Hanói, Robert ainda parabenizou a China pela obtenção de sua bomba atômica, até que, em 1966, ele finalmente desembarcou na terra do Presidente Mao.

O RAM, vale frisar, tinha uma noção um tanto confusa sobre sua linha maoísta. Ao mesmo tempo em que o grupo visava substituir os valores culturais oriundos da “mentalidade escravagista” dos negros, o partido também acreditava que a recuperação de uma estética africana abstrata seria outro passo decisivo na sua própria libertação[9], o que criou um certo impasse, ao menos no âmbito ideológico do partido, que se reproduzia em certas práticas. Antes mesmo de voltar do exílio, Robert, já influenciado pela Revolução Cultural em andamento na China, pediu que os negros “passassem por uma transformação pessoal e moral” pois havia “ necessidade de um código de ética moral revolucionário rigoroso.” Nada nessa citação se refere a valores africanos, mas o fato é que a declaração foi dada por Robert enquanto presidente do RAM, o que pode representar tanto uma luta de duas linhas dentro da organização como uma corroboração com a linha africanista do partido. Um ponto de convergência entre o que acontecia na China, e sua relação recíproca com os afro-americanos, foi a publicação de “Reconstituir a Arte Afro-americana para Reformar as Almas Negras”, no jornal The Crusader, um artigo de Robert que, fazendo referência ao célebre livro de W.E.B Du Bois, “As almas do povo negro”, buscava uma forma de revolução cultural e espiritual dos negros. O artigo foi publicado um ano antes da Revolução Cultural finalmente estourar na China.

Comemorando o 100º aniversário do Dr. W.E.B. DuBois em Pequim, no Birô de Afro-Asiático de Escritores. Da esquerda para a direita: Shirley Graham DuBois, editora da Freedomways; R.D. Senanayake, Secretário Geral do Afro-Asian Writers' Bureau; Chen Yi, Ministro das Relações Exteriores da China Popular; e Robert F. Williams. (Foto: University of Massachusetts Amherst Libraries Special Collections and University Archives)
Comemorando o 100º aniversário do Dr. W.E.B. DuBois em Pequim, no Birô de Afro-Asiático de Escritores. Da esquerda para a direita: Shirley Graham DuBois, editora da Freedomways; R.D. Senanayake, Secretário Geral do Afro-Asian Writers’ Bureau; Chen Yi, Ministro das Relações Exteriores da China Popular; e Robert F. Williams. (Foto: University of Massachusetts Amherst Libraries Special Collections and University Archives)

Fato é que, chegando à China em 1966, Robert se deparou com um país em efervescência. A Grande Revolução Cultural Proletária virou o país do avesso, menos de 20 anos depois da Revolução Chinesa ter triunfado. Robert pôde observar de perto a grande luta que se seguia entre as tendências burguesas e proletárias/camponesas do socialismo chinês – evento que Alain Badiou chamou de “a última revolução”. No mesmo ano de 1966, foi organizada, em Pequim, uma manifestação contra o racismo nos Estados Unidos e em apoio aos afro-americanos se armarem contra esse sistema. Mao já havia escrito ou discursado diversas vezes sobre a questão racial dos negros – ele mesmo, como um chinês, pôde sentir na pele o peso do racismo anti-chinês por parte do imperialismo japonês e britânico –, como em Contra a discriminação racial do imperialismo americano, de 1963. A posição de Mao refletiu no pensamento e ação de uma infinidade de teóricos e revolucionários do terceiro mundo, desde Frantz Fanon, até os congoleses, que, em diversas ocasiões de sua luta, carregaram quadros com o rosto do Grande Timoneiro. O Partido dos Panteras Negras seria outra organização fortemente influenciada pelo Pensamento Mao Tsé-Tung, o que pode ser observado em seus textos políticos e na sua forma de militância e organização.

Robert F. Williams e sua esposa, a também militante Mabel Ola Robinson, com oficiais do Partido Comunista da China (PCCh) durante celebrações do 1º de Maio em Pequim. (Fotografia: Autor desconhecido / Washington Area Spark / Flickr)
Robert F. Williams e sua esposa, a também militante Mabel Ola Robinson, com oficiais do Partido Comunista da China (PCCh) durante celebrações do 1º de Maio em Pequim. (Fotografia: Autor desconhecido / Washington Area Spark / Flickr)

Nessa manifestação na China, em 1966, Robert discursou para centenas de milhares de chineses, agradecendo o apoio do Partido Comunista Chinês e do seu povo. Foi nessa ocasião também que a famosa fotografia do Presidente Mao autografando uma cópia d’O Livro Vermelho para Robert foi feita. Esse movimento de Robert intensificou e refletiu nos Estados Unidos uma crescente recepção do marxismo chinês nas fileiras de comunistas e nacionalistas negros. Foi por conta desse movimento que Robert passou a ser conhecido como Presidente Rob, à maneira como Mao era conhecido na China. De certa maneira, ele se tornou o líder de um movimento que via na concepção de luta dos chineses a chave para a mudança radical da condição econômica e racial dos Estados Unidos. Ainda que o Partido dos Panteras Negras, com sua maior adesão, tenha sido fundado exatamente nesse movimentado ano de 1966, muitas outras organizações paralelas se formavam entre os negros, e, ao que me parece, o maoísmo era a linha predominante nas organizações de esquerda, em contraste com organizações liberais ou conservadoras, como a U.S. Organization. Uma declaração de Robert, em 1967, exprime bem essa recepção do maoísmo entre os afro-americanos e povos racializados de todo o mundo[10]:

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“Essa é a era de Mao Tsé-Tung, a era da revolução global e a luta afro-americana por libertação é parte de um movimento universal invencível. O presidente Mao foi o primeiro líder mundial a elevar a luta do nosso povo ao nível da revolução mundial.”

Assim como na África, no Brasil, Peru e em outros países da América Latina, a práxis de Mao Tsé-Tung encontrou lastro no coração da América negra. Já em W.E.B Du Bois, antigo militante negro e comunista, a simpatia pela China era perceptível, com ele tendo visitado o país em duas ocasiões: primeiro, em 1936, antes da revolução, e posteriormente em 1959, com a revolução já consolidada. Amiri Baraka, outro expoente do comunismo nos Estados Unidos, foi um dos fundadores, nos anos 1960, do Revolutionary Communist League (Liga Comunista Revolucionária), um partido de orientação maoísta. Além da já citada RAM e do Partido dos Panteras Negras, dezenas de outras organizações e militantes passaram a adotar – ainda que nem sempre com uma leitura correta –, os ensinamentos da Revolução Chinesa e seu grande líder.

Robert seguiu atuando, junto ao movimento comunista chinês, formas de articular, em sua terra natal, a revolução negra. Da China, continuou dando palestras, fazendo discursos, e recebendo o apoio da massa que tentava assaltar os céus novamente, mantendo a linha da luta de classes permanente no socialismo.

Mas não foi só no contato com Cuba e com a China que Robert teve acesso ao comunismo. Desde seus dias como mecânico em Detroit, nos anos 1940, ele era leitor assíduo do jornal comunista Daily Worker, onde publicou o texto “Um dia eu voltarei para o sul”. Mas a experiência de vivenciar o socialismo, a luta anti-colonial e a revolução cultural num país racializado como a China, com profundas ligações com a luta de libertação africana, foi um evento sem precedentes para Robert. Ele também viu, na experiência chinesa, uma mudança com relação aos seus dias em Cuba, apesar do apoio irrestrito à revolução na ilha latino-americana. Ele recorda que “o partido (comunista de Cuba) acreditava que (o racismo) era um problema exclusivamente de classes e que uma vez que o problema de classes fosse resolvido através de uma administração socialista, o racismo seria abolido.” Essa discordância o afastou de Castro, e o jogou cada vez mais para o lado da linha chinesa, e é importante lembrar que, nessa época, a ruptura sino-soviética estava em andamento, fato que rachou o movimento comunista e nacionalista no mundo todo. Ainda que não se considerasse um marxista – nem mesmo um nacionalista, mas sim um internacionalista, por estar “interessado nos problemas da África, Ásia e América Latina” e “acreditar que todos fazemos parte da mesma luta; uma luta pela libertação” –, a influência de Mao, do Partido Comunista Chinês, e sua relação com África e o povo negro, tornou Williams uma figura singular na luta anti-racista e anti-imperialista.

Mas seu sonho de retornar ao sul foi realizado de forma rápida, ainda que não em condições muito favoráveis. Sua esposa, Mabel Williams, que estava junto dele no exílio, retornou aos Estados Unidos em setembro de 1969. Robert retornou meses depois, passando por Londres, até chegar em Detroit. Imediatamente foi preso e extraditado para a cidade que tanto defendeu, Monroe, para que fosse julgado, sob a acusação de sequestro. Seu julgamento ocorreu apenas seis anos depois, em 1975, sendo absolvido, muito por conta da ampla campanha de apoio pelos movimentos de esquerda norte-americana e pela atuação da historiadora Gwendolyn Midlo Hall, que presidiu seu comitê de defesa. Williams se sentia abandonado pela esquerda, muito por conta das batalhas que travou contra a liderança nacional da NAACP e o Partido Comunista dos Estados Unidos. Mas o evento de seu julgamento foi uma das provas de que ele ainda era um grande líder, respeitado e aclamado. Max Stanford, um dos líderes da RAM – que, posteriormente, por conta de sua conversão ao islã, adotou o nome Muhammad Ahmad –, fundou, nos anos 1970, o Partido dos Povos Africanos, uma continuação do RAM, dissolvido em 1968. Robert foi encorajado por Ahmad a assumir um papel de liderança no movimento negro estadunidense, ainda que estivesse enfrentando os tribunais [11].

A importância de Robert nesse momento de aparente fracasso das lutas negras e proletárias – à época, o Partido dos Panteras Negras já entrava em declínio – se prova com a movimentação de ex-militantes da RAM, que, ao se incorporarem tanto ao Partido dos Povos Africanos como em outras organizações enraizadas nas comunidades negras, insistiam no estudo da “Ciência do Internacionalismo Negro, e o pensamento do presidente Rob”.

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Uma mistura de ecletismo teórico, erros táticos, mas, acima de tudo, a repressão brutal do COINTELPRO, colocaram fim aos sonhos de Robert e dos demais militantes e revolucionários negros em transformar a sociedade imperialista norte-americana. Mas, como Alain Badiou escreveu em seu A Hipótese Comunista, as movimentações ocorridas nos Estados Unidos durante essas décadas de efervescência não foram um fracasso, mas a tentativa de justificar a hipótese. Como afirmou o Presidente Mao[12], “a lógica dos povos é luta, fracasso, nova luta, novo fracasso, mais uma vez luta, até a vitória”. Essa lição foi dominada por Robert F. Williams como ninguém.

O legado do Presidente Rob

O Presidente Rob morreu no dia 15 de outubro de 1996, aos 77 anos. Durante seu funeral, em Montgomery, Carolina do Norte, Rosa Parks – a célebre militante negra que, em 1 de dezembro de 1955, se recusou a ceder seu lugar no ônibus a um homem branco – prestou uma série de homenagens a Robert. Além de destacar o apoio do Presidente Rob aos protestos pacíficos promovidos por King no Alabama, exaltou sua coragem e compromisso com a liberdade dos negros.  Ela concluiu:

“Os sacrifícios que ele fez, e o que ele fez, deveriam entrar na história e nunca serem esquecidos”[13]

A atitude de Parks demonstra que a luta de Robert não foi em vão, tampouco uma aventura armamentista. Durante anos, muitos foram os insultos que Robert recebeu de uma parcela do movimento negro contrários à sua prática, portanto, alguém do calibre de Parks tecer essas palavras é de evidente importância, e demonstra que os métodos de autodefesa trouxeram não apenas uma nova forma de luta para os afro-americanos, mas também autoestima.

Charles Simmons, amigo de Robert e outro nome do movimento negro da época, afirmou em uma entrevista sobre o legado de Rob:

“Vejo esse vídeo desses negros marchando em Atlanta (disse Simmons em referência a um grupo do New Black Panthers protestando contra o tiroteio de Jacob Blake em Kenosha), e eles tinham seus uniformes e esses rifles longos. Agora eu só me pergunto o quão preparados eles estão para aparecer assim. Esse é um grande passo. Pode ser muito prejudicial para eles e para as pessoas em geral. Como somos numericamente uma minoria em alguns lugares, e não estamos organizados como um grupo independente, os [brancos] ainda têm as armas grandes, a organização e o financiamento. (…)

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Rob nos disse que mesmo em Monroe, e mesmo quando eles se armaram, havia, entre os homens negros — e muitos deles eram veteranos — um medo de confrontar os brancos. Eles tinham que ter algo extra para expressar ou se identificar com a liderança negra indo contra o Homem… É outro nível de luta dizer que você vai sair e lutar contra os brancos. Isso foi há duas gerações. Não sei o quanto isso mudou.”

Robert F. Williams e sua esposa, a também militante Mabel Ola Robinson. (Foto: Negroes With Guns: Rob Williams and Black Power / PBS / Reprodução)
Robert F. Williams e sua esposa, a também militante Mabel Ola Robinson. (Foto: Negroes With Guns: Rob Williams and Black Power / PBS / Reprodução)

As palavras de Simmons podem soar pessimistas, mas trazem uma grande lição no que se refere à organização política desses grupos armados, para que não caiam no mero militarismo, algo que Rob não enxergava como horizonte.

Isso nos leva diretamente à influência que Rob desempenhou sobre Huey Newton e Bobby Seale, os dois fundadores do Partido dos Panteras Negras, histórico partido revolucionário que se tornou o principal inimigo interno declarado pelo FBI nos Estados Unidos entre os anos 1960 e 1970. Ainda que o famoso livro de Williams não constasse na lista de leituras obrigatórias do partido – talvez porque o livro tenha sido lançado do exílio –, a influência que Negroes with Guns causou entre os Panteras é visível. Basta lembrar dos episódios em que alguns Panteras protestaram em favor do direito de autodefesa, suas políticas de patrulhamento das comunidades negras, além do famoso programa de 10 pontos que o partido desenvolveu e foi modificando conforme sua política ia avançando. Os Panteras tiveram pouco tempo de vida, mas hoje, vemos um florescimento de novas organizações que reclamam para si o legado dos Panteras originais. As passeatas organizadas por esses novos partidos e grupos armados carregam em si a chama acesa por Robert, que não foi o criador do conceito de autodefesa – que surge como uma resposta quase automática ao tráfico de africanos escravizados –, mas potencializou essa prática, pensando ela num contexto maior, aliado à luta política, pacifista ou não, e à organização dos negros.

Num artigo de 2021[14], August H. Nimtz argumenta que não foram protestos não-violentos os principais meios pelos quais os afro-americanos tiveram duas de suas maiores vitórias legislativas – o Movimento dos Direitos Civis e o Voting Rights Act (Lei dos direitos de voto) –, mas sim a partir de uma estratégia que combinava as passeatas e sit-ins com a “ameaça de violência por parte dos afro-americanos”. Apesar de não citar diretamente Robert, o seu papel nessa estratégia, inicialmente de forma local, foi importante, garantindo duas liberdades democráticas que, com todas as suas contradições, foram um avanço para a dignidade dos negros nos Estados Unidos.

Robert morreu sem ver a revolução tão anunciada e sonhada, mas viveu o suficiente para ajudar a construir um espírito de luta entre o povo negro, obtendo o apoio de outras minorias e dos brancos, que, como ele, enxergavam o fim do racismo e do capitalismo como duas conquistas essenciais para que o mundo se tornasse justo.

É nesse, e em todos os demais sentidos, que o centenário de Robert F. Williams, o Presidente Rob, deve ser celebrado não como um martírio, mas como um exemplo de luta que, nos dias atuais, se torna cada vez mais urgente.

Rob foi o responsável para que, em uma pequena cidade da Carolina do Norte, a polícia supremacista, a Ku Klux Klan, e o aparato de repressão dessem passos para trás. recuando com medo e esbravejando: “Droga, esses negros têm armas!”. Como afirmou em um artigo de 1954, “os negros não podem se dar ao luxo de serem pacifistas”.


Notas:
[1] WILLIAMS, Robert F. Negroes with Guns. Martino Fine Books, 2013, p.19.
[2] “Eu tenho um sonho”: há 55 anos, Martin Luther King proferia discurso histórico. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2018/08/28/eu-tenho-um-sonho-ha-55-anos-martin-luther-king-proferia-discurso-historico/>.
[3] WILLIAMS, Robert F. Negroes with Guns. Martino Fine Books, 2013, p.52.
[4] WILLIAMS, Robert F. Negroes with Guns. Martino Fine Books, 2013, p.54.
[5] WILLIAMS, Robert F. Negroes with Guns. Martino Fine Books, 2013, p.67.
[6] WILLIAMS, Robert F. Negroes with Guns. Martino Fine Books, 2013, p.66.
[7] Hobsbawm e as cinco ondas revolucionárias do século XX – Controversia. Disponível em: <https://controversia.com.br/2020/06/02/hobsbawm-e-as-cinco-ondas-revolucionarias-do-seculo-xx/>. Acesso em: 14 jan. 2025.
‌[8] DOBBS, Michael. One Minute To Midnight: Kennedy, Khrushchev and Castro on the Brink of Nuclear War. Arrow Books, 2009, p.237.
[9] Is It Nation Time? Disponível em: <https://press.uchicago.edu/ucp/books/book/chicago/I/bo3618477.html>. Acesso em: 14 jan. 2025.
[10] “Black like Mao: China Vermelha & Revolução Preta”. Disponível em: <https://www.novacultura.info/post/2023/11/28/black-like-mao>. Acesso em: 14 jan. 2025.‌
[11] The Malcolm X Project at Columbia University. Disponível em: <https://www.columbia.edu/cu/ccbh/mxp/stanford.html>. Acesso em: 14 jan. 2025.
‌[12] BADIOU, Alain. A hipótese comunista.São Paulo: Boitempo Editorial, 2015, p. ‌9.
[13] Robert Franklin Williams: A Warrior For Freedom, 1925-1996 | Facing South. Disponível em: <https://www.facingsouth.org/1996/12/robert-franklin-williams-warrior-freedom-1925-1996>. Acesso em: 14 jan. 2025.‌
[14] Violência e/ou não-violência no sucesso do Movimento dos Direitos Civis. Disponível em: <https://econtents.bc.unicamp.br/inpec/index.php/cemarx/article/view/15897/10671>.
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