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Ucrânia: quem empunhará os punhais?

Uma rebelião explode em um país da Europa. Um Governo democraticamente eleito é deposto; comunistas são atacados, judeus são perseguidos e pessoas de etnias não pertencentes a tal país são constantemente ameaçadas. A descrição cabe à Alemanha de 1933, mas falo da Ucrânia, em 2014.

Na última sexta-feira, dia 2 de maio, membros do Pravy Sektor (Setor Direita, a versão ucraniana e moderna da SA) arremessaram molotovs contra um prédio de uma Central Sindical de Odessa, no sul da Ucrânia, matando cerca de 40 pessoas – a maior parte asfixiada. A grande mídia ocidental tem tratado o assunto de forma suspeita – diz que “os conflitos” geraram o incêndio. Quando a vítima é pro-Maidan, no entanto, a nomenclatura é clara: “manifestantes pró-russia atacaram[…]”

Barack Obama, no Encontro Nacional do Comitê Democrata que aconteceu no fim de fevereiro desse ano, alguns dias depois do golpe em Kiev que derrubara Viktor Yanukovytch, brincou sobre a possibilidade de uma guerra nuclear com a Rússia. Enquanto o Presidente estadounidense falava das diferenças entre Democratas e Republicanos no que se referia a melhorar a vida da classe média, um anônimo gritou da platéia: “Fale-nos do plano de começar uma guerra nuclear com a Rússia!.” O Presidente para, surpreso. Faz um comentário irônico: “Quem é você, aí atrás?” e a platéia – formada majoritariamente por eleitores de Obama – cai na risada e o aplaude. “Eu já sei o que aconteceu! Ele achou que o happy hour começava mais cedo hoje!” – escapou o Presidente, negando-se a tocar na questão ucraniana. O anônimo foi leviano, Obama foi covarde.

Enquanto isso, a situação na Ucrânia se agravava. Em alguns dias a Crimeia se rebelaria contra a junta de Kiev, se integrando à Rússia, o Partido Comunista e seus membros seriam atacados e John Kerry, Secretário de Estado dos EUA, anunciaria um empréstimo de 1 bilhão de dólares ao governo golpista de Kiev.

Três meses depois, a situação não é melhor. Os tanques de Kiev continuam a avançar em Slovyansk, forçando as milícias anti-Kiev a se dirigirem para a região central da cidade. Sinagogas continuam a aparecer pichadas, e apesar da cartilha hitlerista ter começado a ser posta em prática quando o governo de Kiev matou o neonazista Oleksandr Muzychko – um membro destacado da SA ucraniana – o Pravy Sektor continua a crescer, e vai concorrer às próximas eleições (se é que elas virão.)

De fato, afirmar que o auto-proclamado Presidente Interino da Ucrânia Oleksandr Turchynov, Obama e a União Européia têm um projeto de instalação do nazismo é fazer uma acusação leviana. Mas os países europeus e os EUA também não tinham, na década de 30, a pretensão de fazer do nazismo um projeto. Pretendiam usar Hitler como Hitler usou a SA. A Noite dos Punhais ucraniana parece ter sido postergada pela oposição russa; só resta saber quando ela chegará, e quem os empunharão.

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