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Hillary e Trump: Uma moeda, duas faces

De qualquer maneira, Hillary e Trump são duas faces da mesma moeda. O elo americano segue forte, e assim seguirá por algum tempo.
por Pedro Marin | Revista Opera
(Fotos: Gage Skidmore/WikiCommons)

“Hillary Clinton será uma excelente presidenta e eu tenho orgulho de estar ao seu lado esta noite.” Foi com essas palavras que o ex-pré-candidato do Partido Democrata, Bernie Sanders, encerrou seu discurso na Convenção Nacional do Partido Democrata, na última segunda-feira (25) sob uma chuva de vaias daqueles que eram até então seus apoiadores. Enquanto isso, alguns dos delegados pró-Sanders eram impedidos de entrar na convenção.

Três dias antes, o Wikileaks revelava uma série de emails do Partido Democrata, que sugerem um conluio de oficiais, secretários de imprensa e diretores de comunicação do partido para atacar Bernie.

Essa é a primeira lição das eleições norte-americanas: mesmo o que é um pouco diferente das propostas dos donos do mundo é barrado. É uma lição velha, que Lênin já havia ensinado há muito tempo: a corrente imperialista é quebrada em seu elo mais fraco.

Enquanto a sangrenta revolução russa foi uma marretada no elo de latão, a auto-denominada “revolução política” de Bernie representava nada mais do que um afago nas argolas de titânio. A mão que acariciava, e não a corrente, terminou retorcida, e o tapete vermelho foi estendido para Hillary e Trump disputarem a gerência do mundo.

As muitas faces da madame Clinton e o populismo de direita de Trump

Hillary Clinton tem baseado toda a sua campanha na de Donald Trump. Ao enfrentar um oponente que sugere construir muros para impedir a entrada de mexicanos no país e que irrompe o noticiário com palavreado misógino, Hillary tem se pintado como uma “defensora da liberdade e das minorias”, que recuperará a economia e elevará o salário mínimo.

Além disso, tenta a todo custo associar Trump com os inimigos históricos dos EUA. O Presidente Obama, por exemplo, ao discursar em apoio a Clinton, disse que “é por isso que qualquer um que ameace nossos valores, quer sejam fascistas, comunistas, jihadistas ou demagogos nativos [em referência direta a Trump], sempre falhará no final.” Isso foi dito, é importante dizer, depois de veículos democratas como o The Washington Post, New York Times e Huffington Post dizerem que o vazamento de emails da convenção democrata pelo Wikileaks foi resultado de uma “conspiração russa” para eleger Trump.

“A máquina democrata orquestrou uma campanha de mídia para distrair a atenção ao atribuir os vazamentos a uma conspiração russa para destruir a democracia americana (como se os emails não mostrassem como a Convenção Nacional Democrata tem operado nas primárias de forma antidemocrática). Um voto contra Hillary seria um voto para Trump – e um voto para Trump seria na realidade para Putin. E como Hillary explicou anteriormente, Putin = Hitler”, escreveu o analista Michael Hudson.

Apesar da chegada da segunda guerra fria à disputa americana pelas mãos dos democratas, boa parte da imprensa americana tem acusado Trump – e não Hillary – de ser o “Joseph McCarthy dos dias modernos.”

Fato é que pesam sobre as costas de Hillary Clinton incontáveis crimes de guerra. Documentos vazados revelam, por exemplo, que Clinton sabia que rebeldes líbios cometiam execuções sumárias durante a guerra no país (página 1), e foi avisada sobre o perigo de surgirem, na Líbia pós-Kadaffi, “entidades locais semi-autônomas” ou “califados” nas regiões produtoras de petróleo (página 2). Bem, foi exatamente o que ocorreu.

Foi também sob sua administração na Secretaria de Estado que os EUA começou a apoiar os chamados “rebeldes moderados” na Síria, contra o Presidente Bashar al-Assad (irônico: Assad há pouco tempo concedeu anistia a rebeldes que desistissem de lutar; enquanto que os rebeldes de Clinton na Líbia fuzilavam supostos “mercenários” do governo de Kadaffi). Outros emails revelam os esforços de Clinton para sabotar o governo de Hugo Chávez, na Venezuela – incluindo tentativas de “influenciar o Brasil” para “controlar Chávez”.

Não é por acaso, portanto, que tantos republicanos proeminentes tenham declarado apoio a Clinton. A lista inclui ao menos oito funcionários de alto-escalão durante o governo de George W. Bush e dois do governo Reagan.  Eles mantém o compromisso ideológico com o intervencionismo. As doações de terceiros para Clinton somam, até o momento, mais de 110 milhões de dólares – Trump tem somente 9 milhões.

Isso não significa, é evidente, que Trump seja uma alternativa a Hillary. É verdade que o candidato republicano tem um programa para a política externa que é em muitos aspectos superior ao de Hillary, que inclui reformar o exército americano e mudar a posição de Washington em relação à OTAN, visando “promover a paz mundial” por meio da saída dos EUA dos conflitos internacionais – motivo pelo qual muitos dos republicanos passaram a apoiar Hillary – e embora ele já tenha sinalizado uma posição de diálogo frente aos conflitos internacionais (ao dizer, por exemplo, que conversaria com o líder norte-coreano Kim Jong-Un), é improvável que essas posições de fato saiam do papel.

A vantagem de Trump frente a Hillary, aliás, é justamente essa: sua incapacidade de cumprir suas promessas – e aqui se incluem suas propostas mais absurdas, como a de deportar latinos em massa. A tendência é que os fracassos de Trump levem a um esvaziamento do discurso populista de direita e abram caminho para a compreensão de que ele não é uma saída para a crise. A vitória de Clinton, por outro lado, poderia servir de exemplo-mor da face reacionária do social-liberalismo, e de como ele também é uma armadilha. De qualquer maneira, são duas faces da mesma moeda. O elo americano segue forte, e assim seguirá por algum tempo.

 

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