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Czar à brasileira: por que Alexandre de Moraes não quer largar o osso?

A crise nas prisões permitiu que Alexandre de Moraes desse o ponta-pé inicial no seu sonho de Estado vigilante, através do novo Plano Nacional de Segurança.

por André Ortega | Revista Opera
(Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

No dia 14 de Janeiro publiquei um artigo intitulado “O Ministro Alexandre de Moraes deve renunciar”. Não fui o único. A Época fez uma capa chamando-o de “O Homem Errado”; “fala demais, compra brigas desnecessárias e insiste num plano de segurança que tem tudo para fracassar”.

Agora devemos falar também o porquê ele não vai querer renunciar, motivos que para muitos justificarão mais ainda a necessidade da sua remoção o mais rápido possível do Ministério da Justiça. A reportagem da Época fala do cargo como uma pasta gorda e poderosa, de onde os ministros costumam cair, mas o que faz esse atual ministro se agarrar com tanta força? O que faz ele e seu chefe, Temer, resistirem até a intrigas palacianas e oposições como a que nasceu da Presidente do STF, Carmen Lúcia?

Se para nós a crise/guerra nos presídios é motivo suficiente para desgraçar o ministro, para ele e seus asseclas foi uma benção. Essa “benção” permitiu e justificou que Moraes desse o ponta-pé inicial no seu sonho de Estado vigilante, maximalista na repressão, através do novo Plano Nacional de Segurança.

Isso não é só um sonho de uma noite de verão de um Ministro que chega na meia-idade. Essa crise caiu como uma luva para empurrar as medidas de “reforma” e aplicar o seu projeto político, era a crise que o seu grupo precisava, um incêndio no Reichstag. Não quero ser moralista, afinal é o que é um político faz (mesmo um político travestido de técnico); ele busca colher o melhor de cada situação, mas o que temos nesse plano?

– Criação de novas agências subordinados ao Ministério da Justiça. O Departamento Nacional de Polícia Judiciária e Perícias, para ser efetivamente nova força policial e investigativa, e um novo Diretório de Inteligência. Também prevê a criação de um novo grupo policial de apoio nas fronteiras.

São novos aparatos de repressão criados sob a supervisão direta do ministro – organização, nomeações, pessoas criadas debaixo do seu comando e liderança.

– Cada Estado terá um “Núcleo de Inteligência Policial” (NIPO) ligados ao Ministério da Justiça, que vão reunir os serviços inteligência da PM, PF, Civil, MP e penitenciárias.

– Ampliar e interligar os sistemas de videomonitoramento do país inteiro, com a participação de “todas” as agências policiais e as “principais” administrativas.

– Compartilhamento das informações geo-referenciadas de Estados e municipios.

– Mais câmeras para a Polícia Rodoviária Federal do sistema ALERTA BRASIL e integração desse sistema com os sistemas estaduais.

– Integração de órgãos para combater infrações administrativas (carro abandonado, estabelecimento irregular, som alto, menores com bebida, etc).

Alexandre de Moraes está criando novos aparatos sob seu controle direto e núcleos que reúnem todas as agências existentes sob sua supervisão. Assim, busca criar uma Mega Secretaria de Segurança Pública – o Ministério da Justiça está mais para Ministério do Interior. Estamos falando de um império policial, um Estado dentro do Estado, onde o ministro é um novo Czar* da repressão e da vigilância. É o verdadeiro “Big Brother 2017”.

Toda a propaganda em torno dele e sua ânsia de vincular sua imagem a operações como a Lava-Jato fazem mais sentido. Moraes e seus patrocinadores estão com pressa, ele precisa agir o mais rápido possível ao mesmo tempo que encobre sua imagem com uma glória falsa. O governo atual não tem muito tempo e não sabemos o que esperar em 2018 (dizem alguns que o Ministro é um nome provável para Governador de São Paulo pelo PSDB; a matéria da Época o consideram uma “aposta” de Michel Temer para o mesmo cargo de governador ano que vem). O clima de guerra civil criado pelo crime organizado e o espetáculo judicial-midiático em prisões relacionadas com a Lava-Jato ou o escândalo promovido pessoalmente por Moraes na Operação Hashtag só reforça o clima favorável ao maximalismo punitivista na vigilância e repressão.

Essa é a nova revolução política: a repressão como solução do problema brasileiro, onde a imagem de um ou outro rico humilhado (para eventualmente ser liberado, vide Yousef) não é outra coisa senão uma sinistra lógica de reality show que politicamente passa a ideia da repressão como panaceia numa guerra moralista contra os bandidos (algumas situações, como o fato de Moraes ter sido advogado da Transcooper do PCC, tornam tudo bem irônico).

E onde está a tal da “nova onda liberal” nesse momento? Onde está o Movimento Brasil Livre? Temos aqui uma clara ampliação do Estado, mais dinheiro a ser gasto, mais aparelho pra estender a máquina, e ainda por cima é no campo da repressão. Esse tal Movimento Brasil Livre, que se arrogou muitas vezes o manto de dirigente do movimento a favor do impeachment, não é muito diferente dos políticos fisiológicos aos quais se aliou, como Temer, Cunha e Jucá. A fórmula do seu liberalismo hipócrita é o velho liberalismo das elites brasileiras aplicado agora pela tropa neoliberal de Michel Temer: Estado mínimo na economia e Estado máximo na repressão.

E onde estão, também, os histéricos representantes da nova direita anti comunista, revoltados, olavetes e caçadores de corruptos? Aqueles que tanto falam do “Plano Comunista”, obcecados pela sombra totalitária e que quase surtaram com a criação da Força Nacional de Dilma Roussef? Onde estão os conservadores preocupados com o crescimento do poder do Estado, onde estão os defensores da sociedade civil orgânica contra o artificialismo ideológico, duro e intervencionista?

Não posso deixar de trazer de novo a referência a um “Big Brother”, já pensando mais no programa televisivo. Temos a vigilância e o controle, mas também temos participantes trouxas e barulhentos para divertir no espetáculo. Tem muito marketing, muita propaganda e quem produz esse programa também ganha muito dinheiro. O que falta para este show macabro, no entanto, é a audiência.

Deixando as metáforas de lado, voltemos para a realidade. Como dissemos no artigo da renúncia, o Ministro é um tanto controverso pelas acusações de vínculo com o Primeiro Comando da Capital – só isso já deveria borrar suas possibilidades de ocupar o cargo, argumentamos. Com tanta polêmica, não impressiona que as pessoas comecem a ficar ansiosas, se perguntando se não há uma articulação entre a guerra terrorista da facção criminosa com os desígnios políticos do chefe do ministério. Cabe aquela velha pergunta em latim: cui bono? Quem ganha politicamente dessa situação? Se alguém esperava, maquiavélico, que isso seria o momento certo de expulsar Alexandre de Moraes do Ministério, se enganou – é ele mesmo que colhe os benefícios políticos. E os resultados serão profundos.

*Um dos títulos do Imperador Autocrata do regime monárquico russo antes de sua queda em 1917.

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