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“Amarelos” retornam às ruas em apoio à tragédia brasileira

Engana-se, entretanto, quem pensa que os movimentos coloridos "Vem Pra Rua" e "MBL" enfim acordaram do longo sono que tiveram nos últimos 10 meses.

por Pedro Marin | Revista Opera
São Paulo – Manifestação na Avenida Paulista, região central da capital, contra a corrupção e pela saída da presidenta Dilma Rousseff (Rovena Rosa/Agência Brasil)

Onze dias após a realização de um grande ato contra o governo Temer e sua reforma da Previdência, marcado para o dia 15, se realizará em São Paulo, na Avenida Paulista, uma reedição das marchas que no passado pediam o impeachment da ex-presidenta Dilma Roussef.

Engana-se, entretanto, quem pensa que os movimentos coloridos “VemPraRua” e “Movimento Brasil Livre” enfim acordaram do longo sono que tiveram nos últimos 10 meses, e que decidiram protestar contra o governo Temer.

Pensemos no que tem ocorrido no Brasil, esta algazarra sádica patrocinada pelo Governo Federal: seguem a passos rápidos os projetos econômicos do Sr. Michel Temer. Avança na Câmara de Deputados a proposta de “alterar as leis trabalhistas” (ou seja, exterminá-las), agora, inclusive, com a adição de um projeto do Governo que pretende “eliminar gradualmente” a multa por demissão sem justa causa (10% do FGTS). No quesito trabalho, chegamos ao impressionante recorde de 13 milhões de desempregados (12,6%) no último trimestre e à taxa de 25,9% de desemprego entre os jovens.

Isso tudo, como aponta uma excelente reportagem do The Intercept Brasil, em meio a um aumento recorde no número de investidores-vampiros no país, que disponibilizaram 41,1 bilhões em troca de gordos retornos financeiros, já que ocupamos a vergonhosa posição de país que mais paga juros reais no mundo.

E como se não bastasse a aprovação da Lei 4567/16, que desobriga a Petrobras de ter participação em todos os campos do pré-sal, o governo agora pretende “atrair investidores estrangeiros” para o mercado de refino, já que o fato da Petrobras ter 95% do setor aparentemente é um problema para Temer. Tudo isso é coroado, é claro, com o fato de que viveremos os próximos 20 anos com os gastos públicos congelados – isto é, considerando um crescimento populacional de quase 8% até 2030, de acordo com projeção do IBGE.

E o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ainda tem o atrevimento de dizer que “a recessão terminou” e que o Brasil dá “sinais sólidos de recuperação”, com a subida dos valores de estatais na Bolsa de Valores. Diz ele: “Tudo isso é mensagem de confiança no ajuste e nas reformas que estamos fazendo. É um apoio profundo às mudanças fundamentais. Todas as reformas disponibilizarão recursos para a sociedade brasileira. Crescimento dos gastos geraria crise, não fosse esse tipo de medida tomada.”

Não há de se espantar com a declaração de Meirelles. Não se trata cinismo; um velho espoliador como o sr. ministro da Fazenda, premiado ao menos duas vezes como “melhor banqueiro da América Latina”, está acostumado a basear suas avaliações econômicas em índices flutuantes dos leilões das oligarquias ao invés das condições de vida concretas do povo.

Ladainha similar era dita em junho do ano passado pelo Sr. Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas (e defensor da privatização massiva como ferramenta de recuperação econômica), que dizia, à época, baseando-se no Índice de Confiança do Consumidor (IOC) – muito mais confiável do que os índices da Bolsa, aliás -, que a recessão já havia acabado.

No campo da política, com exceção das anomalias grotescas, tão comuns neste governo – tal qual o recente discurso do sr. Roberto Freire, Ministro da Cultura, após as palavras proferidas contra o governo pelo escritor Raduan Nassar, durante entrega do Prêmio Camões – a regra tem sido a instabilidade, somada à expansão quantitativa e qualitativa da estrutura repressiva do Estado.

Em onze meses, desde que assumiu interinamente a presidência, Temer já perdeu sete ministros; Romero Jucá, Fabiano Silveira, Henrique Alves, Fábio Medina Osório, Marcelo Calero, Geddel Vieira Lima e, recentemente, por gravíssimas dores nas costas, José Serra. Para além disso, temos o que é mais grave: exército nas ruas de ao menos três estados.

Ainda assim, para o MBL e VemPraRua, as grandes questões imediatas são o fim do estatuto do desarmamento, do foro privilegiado, do “bom andamento” da lava jato, a reforma trabalhista e previdenciária, o “fim das mamatas” dos políticos e do judiciário e a continuação da existência da Polícia Militar. O VemPraRua chega a considerar o fim do aumento do fundo partidário e o fim do voto em lista fechada como uma “renovação política”. Assim, com o mote do “apoio à Lava Jato”, efetivamente fazem um protesto de apoio ao governo e à tragédia do povo brasileiro, sustentando um governo que há poucas semanas apontou um defensor da anistia para Eduardo Cunha para o Ministério da Justiça.

 

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