Pesquisar
, ,

Losurdo: EUA nunca renunciou oficialmente à Doutrina Monroe (parte 2/3)

Na segunda parte de sua entrevista à Opera, Domenico Losurdo trata da situação política na Europa e do renascimento da Doutrina Monroe na América Latina.

por André Ortega e Pedro Marin | Revista Opera – (Foto: Pedro Marin / Revista Opera)
(Foto: Pedro Marin / Revista Opera)

Em visita ao Brasil para lançar seu novo livro, “Guerra e Revolução – O mundo um Século após Outubro de 1917” (disponível na Livraria da Opera), o professor italiano Domenico Losurdo se dispôs a conceder uma entrevista ao editor-chefe da Revista Opera, Pedro Marin, e ao colunista e ex-correspondente internacional, André Ortega.

O que segue é a íntegra da segunda parte de três da entrevista. Confira aqui a primeira e a terceira parte.

Revista Opera: E quanto à Europa, professor? O futuro político da Europa. Agora temos a crise de imigração, a ascensão da chamada extrema-direita, qual é a sua visão no que se refere a uma saída à esquerda para a Europa?

Domenico Losurdo: Talvez seja melhor deixar certos conceitos mais claros. Eu polemizo contra uma certa esquerda… Se nós considerarmos a 1ª Guerra Mundial e a 2ª Guerra Mundial, nós veremos uma grande diferença. É claro que em ambos os casos o imperialismo teve uma responsabilidade muito grande. No entanto, Lênin descreveu a 1ª Guerra Mundial como a luta entre os donos de escravos coloniais e os escravos coloniais. E os escravos coloniais, durante a 1ª Guerra Mundial, foram passivos.

A 2ª Guerra Mundial foi muito diferente. Durante a Segunda Guerra os escravos coloniais tiveram um papel muito importante, até decisivo. Nós não podemos entender o resultado da 2ª Guerra Mundial sem considerarmos, primeiro, a Grande Guerra Patriótica da União Soviética, que foi a luta do povo soviético, que se recusou a se tornar escravo do Terceiro Reich. Foi uma guerra anticolonial também, dirigida pelo Partido Comunista.

E o que Hitler tentou fazer no Leste Europeu foi o que o imperialismo japonês tentou fazer na Ásia. O imperialismo japonês tentou colonizar e escravizar a China – e a Coreia, também, mas particularmente a China – e o que houve na Ásia foi a guerra de resistência do povo chinês contra a invasão japonesa. Essas foram duas guerras coloniais, mas, é claro, mais tarde vimos o Vietnã, Cuba, Argélia; ou seja, após a derrota do Terceiro Reich nós testemunhamos a revolução global anticolonial.

Infelizmente, imediatamente após a Segunda Guerra, os trotskistas disseram: “Todos são imperialistas.” Ou seja, [argumentaram] que nenhuma guerra nacional é possível [risos], eles não entenderam que o Terceiro Reich e a Itália fascista, bem como o imperialismo japonês, representavam a tentativa de radicalizar a tradição colonial.

Agora, há algumas pessoas que dizem que sim, os americanos são imperialistas – há até alguns idiotas que dizem que a China é imperialista, também… no entanto não falarei da China. Na minha opinião a China, dirigida por um grande Partido Comunista, tem um papel muito importante na luta contra o imperialismo, mas agora não falarei da China.

Europa. A Europa não é o mesmo que os EUA. Nós não podemos esquecer que na Alemanha e na Itália existem bases militares norte-americanas. A Itália não é um estado completamente soberano, existem bases militares, e estas bases, que têm até armas atômicas, são completamente controladas por Washington. Ou seja, para um país como a Itália – e o mesmo se aplica à Alemanha -, existe o perigo deste país ser jogado na guerra por meio de uma decisão de Washington. É claro, se víssemos agora, na Europa, uma guerra contra a Rússia, e os EUA bombardeassem Moscou, a Rússia responderia. E agora falo como um italiano: eu não gosto da ideia de ser bucha de canhão do imperialismo norte-americano.

Qual é o perigo de uma Terceira Guerra Mundial? Precisamos pensar de maneira concreta. O perigo não é de que Merkel faça uma guerra contra Washington, ou que a Itália o faça. O grande perigo é que os EUA declare guerra à Rússia, ou à China – ou a ambos, e o perigo é que os EUA tente colocar a Alemanha, a Itália, a França e outros países europeus contra a China e a Rússia. Ou seja, na Europa é necessário realizar a luta pela paz não só porque a paz é uma grande causa, mas porque devemos defender a independência da Itália, da Alemanha, contra o imperialismo norte-americano.

Eu escrevi um ensaio, que foi traduzido pelo PCdoB, sobre [Palmiro] Togliatti, que durante a Guerra Fria argumentou que a luta contra os perigos da guerra fria, o perigo da Terceira Guerra, era, ao mesmo tempo, uma luta pela independência nacional contra o imperialismo norte-americano. Hoje a situação é muito diferente do passado, no passado, por exemplo, imediatamente após a Primeira Guerra, e mesmo após a Segunda Guerra, haviam diferentes alianças militares opositoras, hoje só há a OTAN, que quer se expandir.

No passado, essas alianças militares criticavam-se mutuamente, acusando umas as outras de aumentar seus exércitos. Hoje é o contrário, os EUA criticam a Alemanha, a Itália, e outros países da Europa por gastarem pouco. Washington quer pressionar a Europa a aumentar sua capacidade militar contra a Rússia e a China. Ou seja, nós devemos dizer que o principal inimigo é, obviamente, os EUA, e eu cito o grande líder comunista italiano Palmiro Togliatti, que disse que a primeira qualidade de um Partido Comunista é identificar o principal inimigo e concentrar toda sua força contra ele. Essa é a situação hoje; o principal inimigo é os EUA, e nós podemos até separar a Europa dos EUA. A Europa não está destinada a seguir os EUA, há muitas forças na Europa que, talvez, iriam preferir seguir um caminho independente em sua política exterior.

Agora, no que se refere à esquerda e à direita na Europa; há uma certa esquerda que diz: “Marine Le Pen é de direita” – ora, é claro, ela não é de esquerda. Mas Hollande é mais de esquerda que Marine Le Pen? Eu tenho algumas dúvidas. Porque a direita é a guerra e, nesse caso, Hollande é mais favorável à guerra na Síria do que Marine Le Pen. Ou seja; eu não serei um seguidor de Le Pen, mas eu também não vejo razão para seguir Hollande. E nós podemos fazer considerações similares no que se refere à Itália; se nós vamos tentar distinguir a “direita” e a “esquerda”, devemos considerar dois grandes problemas: a posição da austeridade neoliberal, a destruição do estado de bem-estar social – esse é um ponto – o outro ponto é a questão do perigo de uma grande guerra, da guerra neocolonial, como a guerra contra a Líbia, Iraque, Iugoslávia, Síria; todas são guerras neocoloniais. E se um partido defende estas guerras, ele não pode ser de esquerda, é de direita.

Revista Opera: Durante uma entrevista à revista “Princípios”, em 2015, o Sr. disse que uma volta da direita ao poder, no Brasil, representaria uma tragédia. E hoje temos amplos ataques aos direitos dos trabalhadores sob o governo de Michel Temer. Qual é a sua visão desta questão, e também do “ressurgimento da direita” na América Latina, com Macri na Argentina, por exemplo?

Domenico Losurdo: Sim, bem, creio que já falei sobre a segunda contra-revolução colonial mundial, a primeira foi a levada a cabo por Hitler. E a segunda contra-revolução colonial não é levada a cabo somente no Oriente Médio, mas na América Latina também, com o objetivo de reinstalar a Doutrina Monroe. É claro, houve o movimento de esquerda em países como Brasil, Argentina, Venezuela, etc. e agora vemos a nova ofensiva dos EUA, e essa ofensiva é uma parte integral da segunda contra-revolução colonial.

Os EUA nunca renunciaram oficialmente à Doutrina Monroe, é claro que em certos períodos não foram capazes de impulsioná-la. Eu creio que agora eles estão tentando reinstalar a Doutrina Monroe.

[rev_slider alias=”livros”][/rev_slider]

Continue lendo

Mural anti-imperialista pintado na Embaixada dos EUA em Teerã após a crise dos reféns. (Foto: Phillip Maiwald (Nikopol) / Wikimedia Commons)
Sanções como guerra civilizacional: o custo humanitário da pressão econômica dos EUA
Em diferentes contextos, líderes de extrema direita promovem um modelo de governança que algema o Estado de suas funções redistributivas, enquanto abre caminho para que o cripto-corporativismo baseado em IA opere livremente – às vezes até promovendo seu uso como política oficial do Estado. (Foto: Santiago Sito ON/OFF / Flickr)
Por que a extrema direita precisa da violência
Entre 1954 e 1975, as forças armadas dos Estados Unidos lançaram 7,5 milhões de toneladas de bombas sobre o Vietnã, o Laos e o Camboja, mais do que as 2 milhões de toneladas de bombas lançadas durante a Segunda Guerra Mundial em todos os campos de batalha. No Vietnã, os EUA lançaram 4,6 milhões de toneladas de bombas, inclusive durante campanhas de bombardeios indiscriminados e violentos, como a Operação Rolling Thunder (1965-1968) e a Operação Linebacker (1972). (Foto: Thuan Pham / Pexels)
O Vietnã comemora 50 anos do fim do período colonial

Leia também

São Paulo (SP), 11/09/2024 - 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo no Anhembi. (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)
Ser pobre e leitor no Brasil: um manual prático para o livro barato
Brasília (DF), 12/02/2025 - O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, durante cerimônia que celebra um ano do programa Nova Indústria Brasil e do lançamento da Missão 6: Tecnologias de Interesse para a Soberania e Defesa Nacionais, no Palácio do Planalto. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O bestiário de José Múcio
O CEO da SpaceX, Elon Musk, durante reunião sobre exploração especial com oficiais da Força Aérea do Canadá, em 2019. (Foto: Defense Visual Information Distribution Service)
Fascista, futurista ou vigarista? As origens de Elon Musk
Três crianças empregadas como coolies em regime de escravidão moderna em Hong Kong, no final dos anos 1880. (Foto: Lai Afong / Wikimedia Commons)
Ratzel e o embrião da geopolítica: a “verdadeira China” e o futuro do mundo
Robert F. Williams recebe uma cópia do Livro Vermelho autografada por Mao Zedong, em 1 de outubro de 1966. (Foto: Meng Zhaorui / People's Literature Publishing House)
Ao centenário de Robert F. Williams, o negro armado
trump
O Brasil no labirinto de Trump
O presidente dos EUA, Donald Trump, com o ex-Conselheiro de Segurança Nacional e Secretário de Estado Henry Kissinger, em maio de 2017. (Foto: White House / Shealah Craighead)
Donald Trump e a inversão da estratégia de Kissinger
pera-5
O fantástico mundo de Jessé Souza: notas sobre uma caricatura do marxismo
Uma mulher rema no lago Erhai, na cidade de Dali, província de Yunnan, China, em novembro de 2004. (Foto: Greg / Flickr)
O lago Erhai: uma história da transformação ecológica da China
palestina_al_aqsa
Guerra e religião: a influência das profecias judaicas e islâmicas no conflito Israel-Palestina