Pesquisar
, ,

Losurdo: Imperialismo prepara guerras em nome da democracia [Parte 1]

Na primeira parte de sua entrevista à Opera, Losurdo trata do movimento por independência na Catalunha, fascismo e China.

por André Ortega e Pedro Marin | Revista Opera
(Foto: Pedro Marin / Revista Opera)

Em setembro deste ano, por ocasião do centenário da Revolução Russa, a Editora Boitempo organizou em São Paulo o “Seminário Internacional 1917: o ano que abalou o mundo.”

Neste ocasião, a Revista Opera teve a oportunidade de entrevistar o filósofo italiano Domenico Losurdo, um dos maiores pensadores marxistas ocidentais vivos. Professor da Universidade de Urbino, na Itália, Losurdo é autor de livros como “Guerra e Revolução“, “Contra-história do Liberalismo” e “A Linguagem do Império.”

O que segue é a primeira parte da entrevista, na qual o professor trata do movimento por independência na Catalunha, fascismo e China. Clique aqui para ler a segunda parte.

Agradecemos ao senhor por mais uma vez disponibilizar seu tempo para nos encontrar. Em uma entrevista, você uma vez falou sobre o fato do capitalismo atualmente ter chegado a um nível em que até nossas emoções estão sob controle. Você poderia falar mais uma sobre isso?

Meu ponto inicial foi a declaração que podemos encontrar em “A Ideologia Alemã”, de Marx e Engels, que é a de que as ideias dominantes são as ideias da classe dominante, ou seja, a classe que tem o monopólio da produção material tem também o monopólio da produção das ideias, esta é a declaração feita em “A Ideologia Alemã.”

Eu disse, e de fato tenho esta opinião, que hoje é necessário compreender também que esta classe tem a possibilidade de controlar até a produção das nossas emoções. Antes das guerras neocoloniais, por exemplo contra a Iugoslávia, Iraque, ou qualquer pequeno país, nós podemos ver nas televisões imagens terríveis, que são construídas com o objetivo de demonstrar a crueldade do inimigo. E neste caso nós temos – eu costumo usar essa expressão – o terrorismo da indignação. Essa indignação é provocada de forma artificial em favor da dominação do mundo. Isso é algo novo, que não era realmente possível nos tempos de Marx e Engels, mas hoje é assim que as guerras são preparadas.

Professor, neste sentido, quando falamos desta indústria das emoções, estamos falando de comunicação. Você mencionou a televisão, mas hoje temos muitos autores tratando da ascensão da internet de um ponto de vista bastante otimista, do papel que ela tem a cobrir em um processo emancipatório, de formação de identidade que é contrário ao capitalismo. O que você pensa disso?

Bem, essa posição é otimista de uma maneira tola. É claro que a invenção da imprensa foi substancialmente progressista. É claro! No entanto, mesmo a imprensa é utilizada contra a emancipação. Rádio – a invenção do rádio foi neste sentido, sim. No entanto, não podemos entender o nazismo e o fascismo, por exemplo, sem o uso do rádio. O problema não é a questão da inovação; toda invenção pode ser usado em sentido ou em outro. Ou seja, a internet também pode ser usada como uma ferramenta para a preparação da guerra. Hoje em dia os Estados Unidos criticam a Rússia pelo uso da internet na “desestabilização da democracia norte-americana.” A internet não significa a paz eterna, a paz universal – a internet pode ser usada mesmo em um contexto de luta geopolítica.

Você trata desta figura russa, da manipulação. E neste momento as pessoas têm tratado muito do movimento na Catalunha, por independência. Você tem alguma consideração em relação a isso?

Qual é a minha opinião sobre a Catalunha?

Sim, sobre o movimento de independência.

A minha opinião é esta: não digo que a Catalunha está certa ou errada. Primeiro, uma análise: a Catalunha não é uma nação oprimida. A Catalunha é a região mais rica da Espanha. A língua catalã é respeitada e ensinada na Catalunha.

Para entender a Catalunha é necessário considerar outros fenômenos similares. Por exemplo, na Itália, temos o movimento secessionista no norte. O norte da Itália não é oprimido pelo sul; trata-se da região mais rica do país. Então qual é a explicação para a revolta destas regiões? Eles dizem que pagam pelo sul, que pagam por essas regiões “semi-africanas” da Itália. Ou seja, no norte da Itália se vê muitas vezes uma ideologia racista. Os movimentos secessionistas na Itália, na Catalunha, ou na Bélgica ocorrem nas regiões mais ricas e podemos dizer – esta é minha opinião – que a classe privilegiada, em um país que tem grandes diferenças regionais, pode desenvolver a luta em defesa de seus privilégios com movimentos secessionistas. Ou seja, em um país como a Itália, onde as diferenças de região para região são fortes, a luta contra o estado de bem-estar pode se manifestar como uma luta por secessão. A destruição do estado de bem-estar é levada a cabo por meio da destruição do Estado nacional.

Ainda no que se refere à Europa, tivemos recentemente as eleições alemãs, onde a extrema-direita teve uma impressionante parte dos votos, penso que 13%, e temos hoje a ideia de que o fascismo não pode renascer. Gostaria que comentasse sobre o futuro da Europa.

Creio que temos situações diferentes. É claro que temos que nos preocupar com o aumento do movimento xenofóbico, como na Alemanha, por exemplo. Mas não acredito que teremos uma repetição da situação da Europa nos anos 30, e tenho um argumento decisivo: hoje a Europa e o mundo ocidental em geral preparam suas guerras em nome da democracia. Trata-se de uma situação bem diferente em comparação ao fascismo clássico. A guerra contra o Iraque e Iugoslávia, por exemplo, foram guerras neocoloniais, mas foram preparadas e levadas a cabo em nome da defesa e da difusão da democracia.

Portanto, não acredito que teremos o renascimento do fascismo na Europa em um sentido clássico. Mesmo as grandes guerras contra a China ou contra a Rússia são hoje preparadas em nome da democracia. É claro que a situação é diferente na Ucrânia; lá temos uma longa tradição, mesmo após o fim da Segunda Guerra o Ocidente apoiou o movimento fascista para derrotar a União Soviética. E agora nós temos a continuação disso contra a Rússia, esses movimentos fascistas na Ucrânia não são um fenômeno novo. Após a Segunda Guerra a União Soviética era muito respeitada no mundo, e o uso de movimentos neofascistas não era uma boa ideia – mas agora, contra a Rússia, para o Ocidente, é. Mas mesmo neste caso o Ocidente argumenta que a Rússia é uma ditadura, e que estes movimentos fascistas são representantes da democracia.

Tendo em vista a sua intimidade com a obra de Gramsci, seria interessante que o senhor tratasse de contra-hegemonia, dos caminhos para desafiar, para lutar, contra a ordem hegemônica.

Nós não temos uma resposta única para este problema. Na China, por exemplo, o Partido Comunista insiste que é necessário lutar contra duas formas de revisionismo histórico: a primeira sendo a condenação ou a demonização do período Mao, e a segunda a condenação e demonização de Deng Xiaoping. Ambas as formas de revisionismo histórico são instrumentos da guerra imperialista e capitalista, e devemos tomar parte na defesa da República Popular da China e na defesa do socialismo em geral. E é claro que em cada país o Partido Comunista deve participar das lutas sociais e políticas, e desenvolver raízes nas massas. Não há uma resposta correta, e portanto precisamos do Partido Comunista em cada país.

[rev_slider alias=”livros”][/rev_slider]

Continue lendo

Em Hebron, moradores relataram que soldados israelenses ameaçaram famílias palestinas durante as invasões com “consequências” não especificadas para quem comemorasse os ataques com mísseis iranianos contra Israel. (Foto: UN Women/Suleiman Hajji)
À medida que o confronto com o Irã se intensifica, Israel segue com ataques a Gaza e Cisjordânia
Mísseis Shahab-1, do Irã, disparados em julho de 2012. (Foto: Hossein Velayati / ypa.ir)
A teoria do “dia seguinte”: o Irã e a agressão israelense
Caça israelense decola para atacar o Irã durante operação "Leão em Ascensão". (Foto: IDF)
Vijay Prashad: os ataques ilegais de Israel contra o Irã

Leia também

São Paulo (SP), 11/09/2024 - 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo no Anhembi. (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)
Ser pobre e leitor no Brasil: um manual prático para o livro barato
Brasília (DF), 12/02/2025 - O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, durante cerimônia que celebra um ano do programa Nova Indústria Brasil e do lançamento da Missão 6: Tecnologias de Interesse para a Soberania e Defesa Nacionais, no Palácio do Planalto. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O bestiário de José Múcio
O CEO da SpaceX, Elon Musk, durante reunião sobre exploração especial com oficiais da Força Aérea do Canadá, em 2019. (Foto: Defense Visual Information Distribution Service)
Fascista, futurista ou vigarista? As origens de Elon Musk
Três crianças empregadas como coolies em regime de escravidão moderna em Hong Kong, no final dos anos 1880. (Foto: Lai Afong / Wikimedia Commons)
Ratzel e o embrião da geopolítica: a “verdadeira China” e o futuro do mundo
Robert F. Williams recebe uma cópia do Livro Vermelho autografada por Mao Zedong, em 1 de outubro de 1966. (Foto: Meng Zhaorui / People's Literature Publishing House)
Ao centenário de Robert F. Williams, o negro armado
trump
O Brasil no labirinto de Trump
O presidente dos EUA, Donald Trump, com o ex-Conselheiro de Segurança Nacional e Secretário de Estado Henry Kissinger, em maio de 2017. (Foto: White House / Shealah Craighead)
Donald Trump e a inversão da estratégia de Kissinger
pera-5
O fantástico mundo de Jessé Souza: notas sobre uma caricatura do marxismo
Uma mulher rema no lago Erhai, na cidade de Dali, província de Yunnan, China, em novembro de 2004. (Foto: Greg / Flickr)
O lago Erhai: uma história da transformação ecológica da China
palestina_al_aqsa
Guerra e religião: a influência das profecias judaicas e islâmicas no conflito Israel-Palestina