Pesquisar
, ,

Lula e a colheita amarga

Já que tratamos das colheitas, quão fértil é a imaginação daqueles que esperavam que sobre os balaços que atingiram a caravana de Lula os reacionários fossem retroceder!

por Pedro Marin | Revista Opera
(Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula)

Ao discursar em frente ao aeroporto Afonso Pena, em Curitiba, na última quarta-feira (28), onde desembarcava para participar em evento em Ponta Grossa, o presidenciável Jair Bolsonaro proclamou: “Lula transformou o Brasil em galinheiro, agora colhe os ovos.”

O que salta aos olhos neste caso não é o gosto de Bolsonaro pela pirotecnia, como lhe é comum, mas o fato de, nesta conjuntura, ter sido até moderado. No dia anterior o também pré-candidato e governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, respondia a uma pergunta sobre os disparos contra ônibus da caravana de Lula pelo Sul com a seguinte frase: “O PT colheu o que plantou” (imaginem só quantos sobrinhos do Sr. governador não teriam seus corpos cravejados pela PM se o princípio se aplicasse a ele!). Depois de algum coordenador de sua campanha ter lhe aconselhado, saiu dizendo que “toda violência deve ser condenada.”

Augusto Nunes, o “moderador respeitável” da TV Cultura, revela um caráter muito mais incendiário em sua coluna da Veja: “Depois de descobrir que chuva de ovo não transforma ninguém em mártir político, o PT resolveu providenciar um formidável berreiro em torno dos tiros disparados contra dois ônibus da procissão dos pecadores sem remorso que vem zanzando pelo sul do Brasil.”

No editorial “Na Idade da Pedra”, a Folha de São Paulo até ensaia uma condenação do atentado contra a caravana, em um ou dois parágrafos em que considera o ato como o “ponto culminante de uma escalada de radicalismo.” Trata-se somente de uma excusa preparatória para os próximos parágrafos, como às dos homens que na mesa do jantar preparam disparates com “me desculpe o palavreado, mas…” Nos trechos seguintes de seu editorial a Folha de São Paulo diz que considera “normal, em qualquer democracia, que setores residuais do eleitorado se alinhem a polos do espectro ideológico”, para depois atribuir às fake news o crescimento da radicalização, por fim identificando o PT aos “frequentes e deploráveis atos de vandalismo promovidos pelo MST e seus congêneres”, chegando a tratar do “surto de violência anarcoesquerdista dos ‘black blocks’ nos grandes centros.” Quer dizer, para a Folha a “idade da pedra” é a colheita – amarga, é claro, porque nós editorialistas somos todos muito preocupados com a democracia – do PT. No fim, dizem também que o PT “colheu o que plantou.”

Já que tratamos das colheitas, quão fértil é a imaginação daqueles que esperavam que sobre os balaços que atingiram a caravana os reacionários fossem retroceder! Por outro lado quanta fibra e vitalidade faltam aos que sugeriam que a caravana fosse interrompida, em seu penúltimo dia, pelos perigos que se apresentavam.

Desde 2015, quando as movimentações reacionárias tomavam forma de uma maneira mais consistente, são amplos os setores de esquerda que insistem em analisar e formular estratégias de forma completamente atrasada. Quando realmente se impressionam com o avanço do inimigo, se escandalizam, como fogueteiros. Como disse o ex-guerrilheiro Avelino Capitani sobre o golpe de 1964: “Ninguém estava preparado para lutar porque ninguém pensava seriamente em lutar.” 

Há de fato uma relação entre o que se lavra e o que retira. Mas, nesse caso, não se trata de “colher o que plantou.” É precisamente o contrário: Plantou fraqueza, colheu força. Ou como Maquiavel dizia, semearam delicadezas, colheram armas. Por uma colheita mais doce no futuro, é hora de semear amargura.

Continue lendo

Novo mapa-múndi do IBGE "inverte" representação convencional. (Foto: Reprodução)
O IBGE e os mapas
Cerimônia de celebração dos 80 anos do Dia da Vitória na Segunda Guerra Mundial sobre o fascismo. Praça Vermelha, Rússia - Moscou. (Foto: Ricardo Stuckert / PR)
80 anos depois: lembrando a derrota do fascismo ou testemunhando seu retorno?
Robert Francis Prevost, o papa Leão XIV, se dirige aos fiéis no Vaticano durante sua posse. (Foto: Mazur / cbcew.org.uk / Catholic Church England and Wales / Flickr)
Frei Betto: o legado de Francisco e os desafios do papa Leão XIV

Leia também

São Paulo (SP), 11/09/2024 - 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo no Anhembi. (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)
Ser pobre e leitor no Brasil: um manual prático para o livro barato
Brasília (DF), 12/02/2025 - O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, durante cerimônia que celebra um ano do programa Nova Indústria Brasil e do lançamento da Missão 6: Tecnologias de Interesse para a Soberania e Defesa Nacionais, no Palácio do Planalto. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O bestiário de José Múcio
O CEO da SpaceX, Elon Musk, durante reunião sobre exploração especial com oficiais da Força Aérea do Canadá, em 2019. (Foto: Defense Visual Information Distribution Service)
Fascista, futurista ou vigarista? As origens de Elon Musk
Três crianças empregadas como coolies em regime de escravidão moderna em Hong Kong, no final dos anos 1880. (Foto: Lai Afong / Wikimedia Commons)
Ratzel e o embrião da geopolítica: a “verdadeira China” e o futuro do mundo
Robert F. Williams recebe uma cópia do Livro Vermelho autografada por Mao Zedong, em 1 de outubro de 1966. (Foto: Meng Zhaorui / People's Literature Publishing House)
Ao centenário de Robert F. Williams, o negro armado
trump
O Brasil no labirinto de Trump
O presidente dos EUA, Donald Trump, com o ex-Conselheiro de Segurança Nacional e Secretário de Estado Henry Kissinger, em maio de 2017. (Foto: White House / Shealah Craighead)
Donald Trump e a inversão da estratégia de Kissinger
pera-5
O fantástico mundo de Jessé Souza: notas sobre uma caricatura do marxismo
Uma mulher rema no lago Erhai, na cidade de Dali, província de Yunnan, China, em novembro de 2004. (Foto: Greg / Flickr)
O lago Erhai: uma história da transformação ecológica da China
palestina_al_aqsa
Guerra e religião: a influência das profecias judaicas e islâmicas no conflito Israel-Palestina