Pesquisar
, ,

Análise urgente: A prisão de Lula

Esse sábado deve ser o desfecho dessa história, para a desilusão dos que pensam que, nos 49 do segundo tempo, dois anos após o golpe, seria possível reverter anos de imobilismo com uma manifestação apenas. Já é tarde demais.

por Pedro Marin | Revista Opera
(Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Terça-feira, 3 de abril. A Avenida Paulista, em São Paulo, é ocupada por dois ou três caminhões de som e algumas centenas de manifestantes – não mais que dois mil – que paralisam completamente o mais famoso cartão postal da Capital paulista. Estão presentes os movimentos “Direita São Paulo”, “Movimento Brasil Livre”, “Vem Pra Rua”, que disputam o público entre si. No carro de som do MBL um jovem vocifera contra a esquerda, dizendo, em referência às manifestações após a morte da vereadora carioca Marielle Franco, que “a esquerda se aproveita de morte, mas aqui não tem isso! Não tem quebradeira, não tem Black Bloc, nós apoiamos a PM.” Engata os gritos da pequena multidão em favor da polícia para ameaçar: “Se concederem o Habeas corpus para Lula, eu estarei amanhã, e espero que vocês estejam também, pedindo o impechment de todos os ministros do STF!” A multidão aplaude.

Os jovens liberais do MBL, no entanto, não foram os únicos a tentarem chantagear o Supremo. Por volta das 8h30 da noite o comandante do Exército Brasileiro, General Villas Boas, declarava por meio de sua conta no Twitter: “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais.” Na edição do Jornal Nacional daquela noite o apresentador William Bonner dava destaque ao pronunciamento do General com tom altissonante.

Quarta-feira, 4 de abril. O STF enfim começa o julgamento do Habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva, após o TRF-4 ter dado continuidade à decisão de condená-lo na semana anterior.

Quinta-feira, 5 de abril. O juiz Sérgio Moro emite um despacho determinando a prisão do ex-presidente. Dá-lhe a chance de se entregar em Curitiba até o dia seguinte, às 17h. Lula ocupa o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, seu berço político, para onde uma multidão, majoritariamente ligada às bases do PT, também se dirige. Militantes passam a noite no Sindicato, dispostos a defender o ex-presidente.

Sexta-feira, 6 de abril*. Lula se mantém no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Agora a multidão que o protege já forma uma massa, que ocupa inteiramente a frente do sindicato, bem como algumas ruas adjacentes. O ex-presidente declara que não se entregará em Curitiba, e em todas as redações do País os olhos miram fixamente nas televisões, que transmitem a manifestação, e nos relógios, cujos ponteiros muito em breve – todos esperam ansiosamente – marcarão as 17h. Os ponteiros enfim chegam, e continuam a se movimentar. 17h10, 17h20, 17h30… Os relógios marcam o fim do prazo, mas os helicópteros e viaturas não chegam a São Bernardo. Agora já se criou uma incógnita acerca da prisão de Lula: a PF irá, afinal, cumprir o despacho de Moro, passando por cima da massa que parece disposta a impedí-la? Lula irá se pronunciar?

A semana naturalmente foi cheia e agitada. O dia mais importante dela, no entanto, será sábado, 7 de abril. É que os fatos se desenrolaram com uma brutal falta de sorte para os inquisidores. No dia 7 de abril de 1950 nascia Marisa Letícia Rocco Casa, que em 1973 se tornaria Marisa Letícia Lula da Silva. No ano passado, em 3 de fevereiro, a ex-primeira-dama faleceu. O 7 de abril de 2018, portanto, marca o primeiro aniversário da companheira de vida de Lula, agora fora desta terra, e naturalmente se organizou uma missa para homenageá-la.

Imaginem que Lula deixasse de ir à missa em homenagem de sua esposa recém-falecida por estar na prisão. Os helicópteros e as viaturas chegam, carregando os homens de preto, em coletes à prova de bala. Lula vai à janela ou às câmeras, e rememora os milhares de manifestantes que ocupam o Sindicato dos Metalúrgicos, ou as centenas de milhares de pessoas que assistem a operação de suas casas, com sua capacidade retórica usual, que os policiais o levam antes que pudesse honrar sua amada no dia de seu nascimento. Os manifestantes, já mais ou menos dispostos a resistir, se enfureceriam, e para boa parte dos que assistiam àquela operação policial a história deixaria de ser a de um homem que, tendo cometido crimes, deve ir à prisão, e passaria a ser a de uma tropa que impede um ex-presidente popular de atender à missa da ex-primeira-dama (talvez ainda mais popular, em certo sentido).

Voltemos à realidade concreta: na tarde de sexta-feira, o economista Marcio Pochmann, ligado à Fundação Perseu Abramo, declarou à TVT que Lula estava em contato com a PF. Há portanto a possibilidade de terem inclusive acordado a realização da prisão somente depois da missa de Marisa Letícia. Amanhã**, portanto, deve ser o desfecho dessa história, para a desilusão dos que pensam que, nos 49 do segundo tempo, dois anos após o golpe, seria possível reverter anos de imobilismo com uma manifestação apenas. Já é tarde demais.

Qual seria a alternativa? Impedir indefinidamente a prisão de Lula com algumas centenas, talvez alguns milhares, de manifestantes? Viver o resto de sua vida cercado, entrincheirado no Sindicato? Ainda que fosse este o caso, seria infrutífero. Determinaria-se a invasão, ora ou outra. A concessão desta janela de tempo para Lula faz parte de um esforço dos que golpearam o Brasil em 2016 em manter tudo sob a carapuça democrática. Isso, para eles, é fundamental. Lula pode ter tido esta carta na manga, mas como já venho argumentando, há cartas em coturnos – a declaração de Villas Boas na terça-feira é a prova máxima.

*Foi também nesta sexta-feira, ironicamente, que completei um trabalho de mais ou menos seis meses, que será publicado como um livro em breve pela Revista Opera, sobre o golpe de 2016. O título será “Golpe é Guerra – Teses para enterrar 2016.”

**Naturalmente há a possibilidade da prisão só se realizar à posteriori, dado que a missa de Marisa Letícia também se tornará um evento público e político. Mas aposto, e ressalvo que neste ponto somente por uma leitura sentimental de Lula, que o ex-presidente se entregará amanhã, após a missa, fazendo um discurso apaziguador.

Continue lendo

Garoto palestino em meio a escombros na Cidade de Gaza em 24 de agosto de 2014. (Foto: United Nations Photo / Flickr)
Exterminar Gaza sempre foi o plano de Israel, mas agora é oficial
Tanque da 118a Brigada Blindada das Forças de Defesa de Israel (IDF) durante operação em Rafah, em Gaza, em 13 de abril de 2025. (Foto: IDF)
A solução final de Israel para Gaza
Primeira Turma do STF julga denúncia sobre o núcleo 3 da tentativa de golpe. (Foto: Rosinei Coutinho/STF)
Diário do julgamento do golpe – Ato 4: “O que distingue as Forças Armadas de um bando?”

Leia também

São Paulo (SP), 11/09/2024 - 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo no Anhembi. (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)
Ser pobre e leitor no Brasil: um manual prático para o livro barato
Brasília (DF), 12/02/2025 - O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, durante cerimônia que celebra um ano do programa Nova Indústria Brasil e do lançamento da Missão 6: Tecnologias de Interesse para a Soberania e Defesa Nacionais, no Palácio do Planalto. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O bestiário de José Múcio
O CEO da SpaceX, Elon Musk, durante reunião sobre exploração especial com oficiais da Força Aérea do Canadá, em 2019. (Foto: Defense Visual Information Distribution Service)
Fascista, futurista ou vigarista? As origens de Elon Musk
Três crianças empregadas como coolies em regime de escravidão moderna em Hong Kong, no final dos anos 1880. (Foto: Lai Afong / Wikimedia Commons)
Ratzel e o embrião da geopolítica: a “verdadeira China” e o futuro do mundo
Robert F. Williams recebe uma cópia do Livro Vermelho autografada por Mao Zedong, em 1 de outubro de 1966. (Foto: Meng Zhaorui / People's Literature Publishing House)
Ao centenário de Robert F. Williams, o negro armado
trump
O Brasil no labirinto de Trump
O presidente dos EUA, Donald Trump, com o ex-Conselheiro de Segurança Nacional e Secretário de Estado Henry Kissinger, em maio de 2017. (Foto: White House / Shealah Craighead)
Donald Trump e a inversão da estratégia de Kissinger
pera-5
O fantástico mundo de Jessé Souza: notas sobre uma caricatura do marxismo
Uma mulher rema no lago Erhai, na cidade de Dali, província de Yunnan, China, em novembro de 2004. (Foto: Greg / Flickr)
O lago Erhai: uma história da transformação ecológica da China
palestina_al_aqsa
Guerra e religião: a influência das profecias judaicas e islâmicas no conflito Israel-Palestina