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Caminhoneiros, Petrobras e as lições da audácia

Com críticas ou não, a greve de caminhoneiros é primeiro movimento a de fato colocar a queda de Temer no horizonte, em tempos em que a esquerda não parece ter condições sequer de proteger seus líderes.
por Pedro Marin | Revista Opera
Caminhoneiros ainda ocupam trecho da Rodovia Presidente Dutra, em Seropédica, Rio de Janeiro. (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)

No último dia 21, um tanto de surpresa para todos (mas não para o governo), iniciou-se em todo o Brasil uma greve de caminhoneiros. Em poucos dias, a paralisação ganhou importância. Primeiro porque trata-se de uma categoria fundamental para o pleno funcionamento do País: mais de 60% de tudo o que é transportado no Brasil o é por caminhões. Segundo: porque um dos pontos principais da pauta da greve, o preço dos combustíveis – e isso é fundamental para compreender o caráter da mobilização -, uniu não só caminhoneiros autônomos, empregados e patrões, como também tem a simpatia de grande parte da população em geral.

Desta maneira, a greve convocada pela Confederação Nacional de Transportadores Autônomos (CNTA) na segunda-feira (21) foi se expandindo ao longo da semana e ganhando adesão e simpatia, tanto de empresas transportadoras, caminhoneiros autônomos não-sindicalizados e mesmo novos sindicatos, confederações e associações, como do povo em geral. Aqui está a primeira anotação a se retirar: movimentos de grande envergadura raramente são uma pedra una e sólida; costumam se assemelhar mais às formas amorfas. Isso é especialmente verdadeiro em uma categoria que, em grande medida, se organizou por grupos de WhatsApp.

Primeiro acordo

Na quinta-feira (24) o Governo se reuniu com uma série de entidades (Fetrabens, CNTA, Unicam, Sinaceg, CNT, NTU, Federação dos Transportadores Autônomos de Carga e Abcam) e pediu por um “voto de confiança” de 15 ou 30 dias de congelamento de diesel para que o governo planejasse novas medidas. O governo se deu por vencedor e anunciou o fim da greve – apesar da Abcam ter se retirado das negociações – e no dia seguinte sofreu um revés: a greve continuava.

Segundo acordo

Já no domingo (27) realizou-se uma segunda reunião. O governo cedeu, estabelecendo uma diminuição em R$ 0,46 por litro de diesel nas refinarias e o congelamento dos preços por 60 dias (abaixo dos 90 dias reivindicados pela categoria), e a edição de três medidas provisórias (MPs): uma que isenta a cobrança e pedágio pelo eixo suspenso de caminhões, uma que estabelece uma tabela mínima para o preço do frete e outra que firma o compromisso de reservar 30% do frete da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) aos caminhoneiros autônomos. Ainda assim, na segunda-feira (28), se mantiveram 557 pontos de bloqueio nas estradas brasileiras.

A CNTA a princípio orientou a continuação da paralisação, mas depois voltou atrás. A Abcam, por sua vez, considerou que as concessões do governo foram suficientes, e denunciou que o movimento “não é mais de caminhoneiros”, mas de grupos “que pedem intervenção militar, que querem derrubar o governo.”

Paralisação à esquerda

Enquanto os caminhoneiros se mobilizavam e faziam suas posições avançar por meio da paralisação, amplos setores da esquerda se paralisavam para mobilizar suas discussões e tirar posições puramente morais* – há um problema recorrente entre os intelectuais, uma espécie de arrogância que lhes impelem a pensar que a história pede licença às suas ideias para acontecer, quando na realidade suas ideias só têm lugar na história quando estes, como o povo, dão a carne à prova do fogo.

E iniciaram-se os debates nas Cúpulas dos Desconfiados**, onde se buscava uma pureza positivista na greve (é tão irônico que seja no campo da esquerda que as contradições causem tanta confusão!), uns argumentando que tratava-se de um “locaute” pela participação de empresas, outros dizendo que era um movimento reacionário porque em alguns casos se viu bandeiras pró-intervenção militar.

[button color=”” size=”” type=”” target=”_blank” link=”http://revistaopera.operamundi.uol.com.br/2018/05/28/a-greve-dos-caminhoneiros-e-um-reves-para-o-neoliberalismo/”]Leia também: A greve dos caminhoneiros é um revés para o neoliberalismo[/button]

Em última instância pode tratar-se parcialmente de um locaute (na medida em que a redução dos preços de combustíveis agrada a determinados setores da burguesia) e pode haver também setores intervencionistas. A questão é que mesmo que este fosse o caso, ainda assim seria necessário se posicionar na prática. Isto é: se posições contrárias às tuas emergem com força em um movimento, é sinal de que seus inimigos têm trabalhado com mais afinco do que você. É tua tarefa colocar também suas posições, gerando mais disputas e contradições, ou se esforçar para derrotar o movimento como um todo.

Os futuros da greve

Tratando-se de um movimento tão “aberto”, heterogêneo e extenso, a greve dos caminhoneiros tem, como as manifestações de junho de 2013, a característica de se alterar – ou ser alterada – muito rapidamente.

Movimentos pró-intervenção, que se aproximaram dos grevistas durante a semana, dando apoio logístico aos caminhoneiros, ganharam importância quando outros setores, ligados às confederações e associações, se retiraram. Há relatos de que, em alguns pontos, caminhoneiros que desejam voltar a trabalhar estejam sendo impedidos por militantes pró-intervenção. Se este for o caso, a tendência é que, pouco a pouco, a greve se esvazie.

As lições da audácia

Seja como for, a greve de caminhoneiros é a mais importante mobilização no País desde o impeachment de Dilma Roussef. Trata-se do primeiro movimento a de fato colocar a queda de Temer no horizonte, em tempos em que a esquerda não parece ter condições sequer de proteger seus líderes. Demonstraram força, e o governo cedeu; e mesmo quando o governo cedeu, demonstraram mais força. “Audácia, ainda audácia e sempre audácia, e a França será salva”, como disse Danton.

Apesar dos que “não querem se comprometer”, alguns setores parecem começar a compreender as lições de Danton. Para esta quarta-feira (30) a Federação Única dos Petroleiros (FUP) convoca uma greve nacional de petroleiros, pela saída de Pedro Parente da presidência da Petrobras e a alteração da política de preços da companhia, que será acompanhada de atos convocados pela Frente Brasil Popular e Frente Povo Sem Medo.
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*Com isso quero dizer que as posições que tiram a partir desses “grandes debates” não costumam ter efeito nenhum; simplesmente querem dizer “apoio” ou “não apoio.” Tenho tratado recorrentemente sobre isso, e tenho chamado o fenômeno de “pacote emotivo”: as esquerdas, por se acharem moralmente superiores (e de fato o são), consideram que a justeza de suas posições bastam na política, quando é somente pela conquista do poder que estas serão postas em práticas; somente com poder serão justas.

**A desconfiança, na política, é uma virtude, mas o imobilismo é uma doença. Quando não se pode depositar confiança em uma força aparentemente mais forte que a tua, é dever se empenhar para destruí-la. Neste caso a Cúpula não consegue nem estabelecer uma leitura factível da realidade, quem dirá direcioná-la.

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