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Do laranjal de Bolsonaro, quem faz suco?

Primeira grande crise do governo Bolsonaro, o escândalo dos laranjas deixam translúcidas as divisões internas do governo.
por Pedro Marin | Revista Opera
(Imagem: Pedro Marin / Revista Opera)

45 dias após estabelecido, o governo Bolsonaro revela com clareza invejável aos diamantes, ao primeiro chacoalhão, sua fraqueza e contradições internas.

No dia 10, a Folha de São Paulo publicou matéria revelando que uma candidata a deputada federal pelo PSL de Pernambuco teve apenas 274 votos, apesar de ter recebido R$ 400 mil em dinheiro público, sendo a terceira maior beneficiada com as verbas do partido. O caso caiu sobre os ombros de Gustavo Bebianno, há pouco ministro da Secretaria-Geral da Presidência, e à época presidente da legenda e coordenador da campanha de Bolsonaro. Na quarta (13), outra cruz para Bebianno carregar: a mesma Folha revelava que ele havia liberado R$ 250 mil de verba pública para a campanha de uma antiga assessora, que repassou a maior parte do dinheiro para uma gráfica de fachada.

As suspeitas são de que essas candidatas serviram apenas como “laranjas”, isto é; eram somente uma frente “legal” para a movimentação de verbas – Para onde? Esta é uma pergunta que, sem dúvidas, merecerá resposta; teriam talvez simplesmente ido ao bolso de algum sortudo, ou ajudado a financiar a campanha presidencial de Bolsonaro e seu mentiroduto no Whatsapp?

Seja como for, Bebianno, pressionado, tentou se proteger declarando que havia falado com o presidente, que naquela altura se encontrava ainda no hospital. Foi desmentido publicamente, via Twitter, pelo vereador Carlos Bolsonaro, filho de Bolsonaro. Mais tarde, o presidente declarou em entrevista à aliadíssima TV Record que de fato não conversou com seu ministro, e que, fossem comprovadas as denúncias, Bebianno deveria “voltar às origens.” Ou seja: endossou em rede pública a falta de cavalheirismo de seu filho.

Bebianno, que teria se sentido “muito magoado” com a atitude do Presidente, disse no entanto que não renunciaria, e que só deixaria o cargo demitido por Bolsonaro.

Se o escândalo do laranjal, por si só, já era mal-visto pelos governistas em um momento em que apresentavam sua proposta de reforma da Previdência, sem dúvidas o caso foi levado a uma proporção ainda maior com o fato de Carlos Bolsonaro ter fritado Bebianno publicamente.

Frente às rachaduras que iam se abrindo dentro da própria base do PSL no Congresso, o vice-presidente Hamilton Mourão e os ministros do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, e da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz – todos militares – uniram forças na quinta-feira (14) para conter a tempestade (ou seria chuva ácida?) causada por Carlos.

“Eu acho que não é boa essa exposição. Não é boa. Não faz bem. […] Não é questão de ficar triste, né? É uma questão de que não é bom uma discussão dessas em público”, disse o vice-presidente Mourão. Questionado se o ditado popular “roupa suja se lava em casa” deveria ser melhor aplicado à realidade do governo, Mourão disse ser “mais ou menos por aí”.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, por sua vez declarou que “a impressão que dá é que o presidente está usando o filho para pedir para o Bebianno sair. E ele é presidente da República, não é? Não é mais um deputado, ele não é presidente da associação dos militares”, dizendo ainda que “ele tem que comandar a solução, e não pode, do meu ponto de vista, misturar família com isso porque acaba gerando insegurança.”

De qualquer maneira, a sentença veio na sexta-feira (15). Após reunião em que participaram outros ministros e seu vice, o presidente Jair Bolsonaro decidiu demitir Bebianno.

Das farpas

O histórico de conflito entre Bebianno e os filhos de Bolsonaro já vem de tempos. Em novembro passado, Carlos Bolsonaro deixou a equipe de transição após uma desavença entre os dois. À época, Bebianno declarou que Carlos era cotado para ficar com a Secretaria de Comunicação da Presidência. Nos bastidores, segundo noticiou o Estadão, a atitude de Bebianno foi vista como precipitada e como um “afago falso”. Dada a importância da Secretaria de Comunicação, essa questão era um ponto-chave de disputa no governo. Com Carlos à frente dela, a coesão do clã Bolsonaro dentro do governo estaria estabelecida – coisa que, sabemos, não interessava aos militares.

Mas as farpas trocadas podem ser ainda mais graves. Em dezembro, Bebianno denunciou que milícias estariam controlando hospitais federais no Rio de Janeiro, e que o governo pretendia fazer uma “intervenção imediata” neles. O que causa estranhamento é que a Secretaria de Segurança do Rio, a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas, além de uma série de especialistas ouvidos pelo Estadão – dentre os quais inclusive o opositor do governo, deputado Marcelo Freixo (PSOL) – disseram ter completo desconhecimento desse tipo de ação. A manchete d’O Estado, a propósito, é “Declarações de Bebianno sobre ação de milícia na saúde causam estranheza entre especialistas.” Enquanto isso, reportagem do The Intercept de janeiro deste ano revela o envolvimento dos filhos de Bolsonaro com as milícias. Dois suspeitos de integrar o “Escritório do Crime” chegaram inclusive a receber homenagens de Flávio Bolsonaro, que aliás já propôs, em seu segundo mandato na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, em 2007, a legalização das milícias.

Uma outra informação – a ser tomada com uma pitada de desconfiança em meio ao tsunami de ditos e desditos desta semana – pode sugerir um racha maior no governo. De acordo com Ricardo Noblat, Bolsonaro desconfiava que Bebianno tivesse vazado à Rede Globo as denúncias sobre o caso Queiroz, que envolve o filho do presidente, Flávio.

Ainda que com essa pitada de desconfiança, é relevante lembrar que, desde os tempos de Góis Monteiro, as mílicias não são bem-vistas pelos militares (ao mesmo tempo que recebem medalhas dos filhos de Bolsonaro).

Às fardas

“O presidente vai ‘botar ordem’ na ‘rapaziada’ dele”, declarou o vice-presidente Mourão, referindo-se ao Bolsonaro filho. Enquanto isso, na imprensa, abundam supostas declarações explosivas de Bebianno sobre Bolsonaro. Se antes se falava, um tanto sem pretensão, que no ar pairava o temor de que, se Bebianno fosse demitido, cairia atirando, hoje se atribuem diretamente ao ex-ministro declarações explosivas, em tese vazadas à mídia por interlocutores.

O G1 informou por exemplo que Bebianno declarou que “devia pedir desculpas ao Brasil” por ter viabilizado a candidatura de Bolsonaro. Lauro Jardim, em sua coluna, noticiou que Bebianno teria dito a um interlocutor que “o problema não é o pimpolho. O Jair é o problema. Ele usa o Carlos como instrumento. É assustador” e havia “perdido confiança no presidente”:  “Tenho vergonha de ter acreditado nele. É uma pessoa louca, um perigo para o Brasil.”

À Mônica Bergamo, da Folha, Bebianno negou que tenha feito tais declarações, dizendo que “nunca falou nada parecido.” Disse também que não atacará Bolsonaro.

Das três, uma: ou a imprensa esteve na última semana simplesmente inventando declarações; ou Bebianno de fato tem as feito nos bastidores, e depois as nega; ou há setores nos corredores do poder inventando tais declarações para a imprensa.

Seja como for, prática pensada (por quem?) ou não, o fato é que deste imbróglio enfraquece o clã Bolsonaro. Outro fato: é que alguém – imprensa, Bebianno ou forças ocultas no governo – provoca com um fim. No lugar de Bebianno, já se fala no nome do general da reserva Floriano Peixoto, indicado pela redoma verde-oliva, que hoje é constituída de 100 cargos no governo – 46 dos quais em posições estratégicas.

Na terça-feira, o Estadão, num jogo estranho de palavras, escreve em editorial sobre como o presidente Bolsonaro se encontrava inapto para o cargo, dada a sua internação, e sobre as responsabilidades que um vice-presidente deve assumir. Em matéria no El País, noticia-se que Mourão – aquele que tão bem se posiciona frente aos jornalistas – é chamado de “o adulto na sala” por diplomatas estrangeiros. Nela, o professor alemão de Relações Internacionais da FGV, Oliver Stuenkel, elogia Mourão como o “homem certo para liderar a posição do Brasil em relação à Venezuela”, uma boa escolha para “liderar um processo de aprofundamento da cooperação entre as Forças Armadas na América do Sul” e uma figura a “se tornar responsável pela estratégia do Brasil em relação a Pequim.”

Como é doce o suco que, do laranjal podre de Bolsonaro, bebem os generais!

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