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Do golpe de Estado ao soft power: dissecando as técnicas de Revolução Colorida de Washington

Washington interferiu nos últimos 100 anos nos assuntos internos de, pelo menos, 50 países, em um total de 130 casos individuais.
por Grete Mautner | MintPress News – Tradução de Gabriel Deslandes para a Revista Opera

Como tem sido apontado por vários estatísticos proeminentes, Washington interferiu nos últimos 100 anos nos assuntos internos de, pelo menos, 50 países, em um total de 130 casos individuais. Quanto às últimas três décadas, houve mais de 40 casos de tais ingerências, incluindo casos de interferência em eleições e fraudes, golpes de Estado e tentativas de desencadear conflitos armados. Para ser mais específico, o site de mídia alternativa americano AlterNet conseguiu estabelecer 80 exemplos de interferência ocidental no período de 1953 até os dias atuais.

Isso basicamente significa que Washington não pensa duas vezes quando vê uma oportunidade de derrubar um governo, impondo sua vontade a outros países por meio de todos os tipos de organizações sem fins lucrativos e agências de inteligência, com estas últimas agindo com imunidade diplomática. Hoje em dia, praticamente em todo o mundo, existe uma piada que diz que nunca haverá um golpe de Estado em Washington, já que não há embaixada dos EUA no país.

Entretanto, há muitas variáveis ​​no fomento da agitação pública que poderiam eventualmente abrir as comportas para uma “revolução colorida”. É impossível confrontar a dissidência com o uso da força bruta, como a história nos mostrou em várias ocasiões. Portanto, à medida que os EUA continuam almejando um governo após outro em uma tentativa desesperada de preservar sua suposta primazia no cenário político global, as primaveras ocultas de onde surgem armadilhas políticas são cada vez mais visíveis para aqueles que estudam história. Essencialmente, estamos falando sobre uma combinação complexa de recursos de mídia social e operações de inteligência que resultam em governos que se recusaram a jurar lealdade a Washington caindo um após o outro.

A maioria dos analistas descreveria essa intromissão como um exercício de “soft power” (poder brando), mas esse termo é altamente enganoso, já que um golpe de Estado, encenado por um player externo, é nada menos do que uma guerra por procuração e pode infligir tanto sofrimento e miséria às pessoas comuns como qualquer conflito direto poderia.

Por meio de um comportamento aparentemente benigno que os EUA parecem utilizar para enganar indivíduos a fim de realizarem ações que jamais realizariam de outra maneira, Washington, ao exercer seu “soft power” contra outro Estado, precisa usar uma ampla gama de técnicas culturais, de informação, inteligência e psicológicas até o momento em que a percepção pública se desvia do estado atual das coisas em um determinado país e, portanto, alimenta o descontentamento.

Portanto, quando se deparar com exemplos de fabricações históricas na Internet, seria, talvez, muito ingênuo assumir que isso foi um erro honesto cometido por algum autor mal-educado. Na verdade, Washington sempre gostou de impor as chamadas sanções a outro Estado apenas para culpar a nação-alvo pela resultante miséria, fome e caos. Essas táticas têm sido particularmente evidentes na Venezuela, um Estado que, de acordo com um relatório divulgado pelo Centro Estratégico Latino-americano de Geopolítica (CELAG), perdeu cerca de US$ 350 bilhões no período entre 2013 e 2017 devido às restrições comerciais de Washington. O que isso significa é que o governo daquele país foi incapaz de usar esses fundos para proporcionar benefícios sociais à população, proibindo o fluxo ininterrupto de alimentos importados e remédios chegando dentro do prazo.

Ao mesmo tempo, uma grande provisão de armas feitas nos EUA foi recentemente apreendida pela Guarda Nacional venezuelana no Aeroporto Internacional de Valência. Além disso, há um fluxo interminável das chamadas “caravanas de ajuda humanitária” destinadas à Venezuela vindas dos EUA, mas essa ajuda nada mais é do que uma tentativa de incitar “sentimentos revolucionários” dentro do país sitiado. A maioria das pessoas continua alheia ao fato de que, antes dos EUA começarem a atacar a Venezuela, ela estava entre os países mais ricos da América do Sul e poderia fornecer ajuda humanitária aos seus vizinhos, sem dizer nada sobre não necessitar da ajuda de um valentão regional tentando dobrar aquela nação.

Porém, não há nada de novo na chamada assistência dos EUA a países que se encontram presos em uma crise política, já que é suficiente mencionar a infame ex-secretária de Estado Adjunta, Victoria Nuland, distribuindo biscoitos para manifestantes em Kiev em 2014. Chegamos ao ponto em que Estados-satélites americanos – a saber, Arábia Saudita – estão usando fomes provocadas pelo homem para subjugar a oposição armada resistente às suas invasões.

Embora a maioria dos casos de intromissão de Washington nos assuntos de outros Estados tenha ocorrido durante os dias da Guerra Fria, não parece que a Casa Branca esteja disposta a dar um fim a essa prática. Em uma tentativa de impedir que a população de Estados liderados pelos EUA lançasse uma revolta maciça contra as elites oligárquicas ocidentais, Washington tentou usar os Estados da Ásia, África e América do Sul como substitutos para as colônias que as potências ocidentais controlavam diretamente com sua inigualável brutalidade. Washington sempre teve um enorme apetite pelo controle sobre rotas de transporte e reservas de hidrocarbonetos, e tal apetite nunca foi contido.

Infelizmente, os mecanismos de restrição criados para impedir esse tipo de comportamento, como as Nações Unidas, tornaram-se gradualmente ineficazes. Essa noção é confirmada por um aviso ditatorial que o presidente dos EUA, Donald Trump, promulgou em 2017, quando afirmou que Washington retiraria sua assistência financeira a qualquer um de seus aliados que decidisse votar a favor de uma resolução condenando a decisão ilegal de Trump de reconhecer Jerusalém como a capital de Israel. Esse chamado “alerta” resultou na representante permanente dos EUA para a ONU esboçando uma lista de Estados que iriam e não apoiariam a posição americana.

Essa lista foi criada para servir como um lembrete por escrito para vários países sobre o que eles poderiam esperar de sua cooperação com os Estados Unidos e sobre o preço que pagariam por não cooperarem. Washington também expressou comentários cada vez mais belicosos aos Estados que escolheram continuar negociando com atores sitiados pelos americanos, como Coreia do Norte, Irã e Venezuela.

Finalmente, a recente tentativa de golpe de Estado na Venezuela, realizada por Washington, também ajuda a ilustrar a retórica vazia do “Estado de Direito” ao estilo ocidental e os princípios ocidentais relativos ao humanitarismo. Tal retórica é somente uma cortina de fumaça, uma vez que Washington não poderia se importar com a manutenção de qualquer desses princípios.

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