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Eleições na Argentina: sistema político e a agenda de Macri e da oposição

Na Argentina, como no Brasil, Macri pretende atacar nos eixos da segurança e corrupção, silenciando a sobre questões da economia ou os direitos sociais.
por Amílcar Salas Oroño e Javier Calderón Castillo | Resumen Latinoamericano – Tradução de Gabriel Deslandes
O presidente Jair Bolsonaro recebe o presidente da Argentina, Mauricio Macri, para almoço no Palácio do Itamaraty. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

A eleição presidencial argentina que ocorrerá em outubro deste ano será a 20ª desde o retorno do país à democracia, um número não muito alto quando comparado às trajetórias eleitorais de outros países da região. Em 2019, o presidente e vice-presidente (em fórmula fechada) são eleitos para o período 2019-2023. Além disso, serão renovadas as câmaras do Congresso: em todas as províncias (23, além da Cidade de Buenos Aires), serão escolhidos 130 deputados nacionais (de 257), e em oito delas serão escolhidos 24 senadores (de 72), com mandatos por 6 anos (2019-2025).

A nível provincial, haverá eleições para governadores – já começaram, em um calendário que será “escalonado” durante todo o ano, exceto nas províncias de Corrientes e Santiago del Estero, distrito que não participa da disputa de qualquer cargo legislativo provincial. Sem dúvida, o impacto dos cenários provinciais nas eleições nacionais será importante, especialmente nos casos em que coincidem as datas.

É verdade que o peso eleitoral das 23 províncias e da Capital Federal não é o mesmo: há um desequilíbrio notório em favor da província de Buenos Aires, que responde por 37% do padrão eleitoral; de cada três votos, um (e um pouco mais) é da província de Buenos Aires. Portanto, o que acontecer nas primárias que definirão quais serão os candidatos a governador no distrito (e candidato a prefeito nos municípios, que também serão eleitos) será um aspecto determinante dos resultados gerais para a Presidência, em que também começará a valer como variável política o “puxar de votos”, isto é, qual dos candidatos (a presidente, governador ou prefeito) empurra para cima – ou para baixo – os demais do mesmo campo político. Há um aspecto central da cultura política argentina: não existem candidaturas individuais, todas provêm de partidos políticos ou coligações partidárias.

Em um segundo nível de importância eleitoral, estão as províncias de Córdoba, Santa Fé e Buenos Aires (proporções muito semelhantes), seguido de Tucumán, Mendoza e Entre Rios, entre as mais proeminentes. O que acontece nesses seis distritos também deve ser considerado fundamental para os resultados gerais.

Há também um condicionante institucional relativamente novo para o sistema eleitoral argentino que, como indicam alguns estudos, tem suas consequências sobre a dinâmica geral do processo de competição e, especialmente, nos ritmos e intensidades de campanhas: a obrigatoriedade e simultaneidade de primárias partidárias para cargos nacionais – Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (PASO) – que acontecem em agosto deste ano. Em muitos casos, as PASO não só “adiantam” o processo de seleção de candidatos – dado que as inscrições acontecem nos meses prévios –, mas também deixam definidos os lugares a partir dos quais os concorrentes iniciam suas campanhas, o que define boa parte das estratégias.

Certamente há casos em que os resultados das PASO não se repetem nas eleições de outubro e até mesmo se invertem os vencedores – como na última eleição legislativa de 2017, por exemplo, na província de Buenos Aires –, embora a tendência geralmente seja a confirmação dos resultados. Um detalhe que não é menor, ligado à relação entre as eleições primárias e gerais, deve ser destacado como variável: na última eleição de 2017 – embora fosse uma legislativa nacional, para deputados e senadores – o espaço político do Cambiemos (coalizão do atual presidente Mauricio Macri) cresceu significativamente em seus resultados de outubro na maioria dos distritos eleitorais em relação às PASO de agosto; mais modesto foi o crescimento do espaço político do kirchnerismo (que ficou em segundo lugar na província de Buenos Aires); e chamativo o retrocesso da opção supostamente intermediária – o peronismo não kirchnerista – que ficou condicionado por uma “estrutura competitiva” polarizada entre os dois espectros mais gravitantes – Cambiemos e Unidad Ciudadana –, algo similar ao que aconteceu nas eleições presidenciais de 2015.

O clima político regional na agenda eleitoral argentina

De um ponto de vista mais geral, podem ser identificados fluxos circulares na narrativa eleitoral das direitas em todo o Cone Sul; fluxos que, por sua vez, se retroalimentam. O exemplo mais palpável é a questão da segurança, articulada na agenda global de poder dos Estados Unidos, com efeito de clivagem política para campanhas e os meios de comunicação hegemônicos. O punitivo, como resposta à “demanda social” por segurança, está sendo um fator de influência cultural que projeta roubos comuns, assaltos e microtráficos como os principais problemas da sociedade argentina. Hierarquiza-se a segurança nos discursos acima dos direitos relacionados à justiça social. Os assessores da campanha macrista, portanto, preveem uma polarização da campanha sobre o eixo da segurança e a corrupção (de governos anteriores, não a sua própria), silenciando a respeito de questões da economia ou os direitos sociais.

Assim indicam os debates propostos pelo Ministério da Justiça e de Segurança sobre a redução da maioridade penal para processar crianças de 14 anos e a apresentação ao Congresso de um novo Código Penal punitivista e antidireitos.

Também o oficialismo macrista, caso se mantenha esse argumento de segurança, deverá dar conta dos erros daqueles que governam com esse estilo autoritário. Nesse sentido, é preciso ver até que ponto tal discurso não se converte, como proposição, em um fator de resposta social no meio da campanha eleitoral, tal qual aconteceu, por exemplo, durante as últimas semanas da campanha de Fernando Haddad ano passado no Brasil.

O medo tem anticorpos e pode se tornar, nesse sentido, força social. Infligir muito medo pode ter uma repercussão que incida nas eleições, já que são mobilizados sentimentos coletivos e subjetivos de autoproteção, como aconteceu nas ditaduras do Cone Sul ou governos de extrema-direita na região, especialmente pela existência de setores sociais muito mobilizados por direitos na Argentina, com o movimento de direitos humanos na vanguarda, a mobilização feminista, o forte sindicalismo crítico e o movimento operário da economia social e popular.

O tema da crise na Venezuela não estará ausente; sem dúvida, vai aparecer na campanha, pois o macrismo, assim como outros grupos de direita no continente, vai tentar colher sua cota da matriz antichavista convertida em guerra midiática continental, que tem conseguido capilaridade em amplos segmentos sociais. Embora não seja possível determinar o que vai acontecer no país bolivariano, aconteça o que acontecer, será usado como discurso da campanha, tendo em conta as recentes declarações do publicitário e estrategista político de Cambiemos, Jaime Duran Barba, especialista em provocação e polarização.

Porém, olhar para a região – em outro sentido, para os países latino-americanos governados pela direita – e usar a situação venezuelana como referência também pode ser algo complicado, considerando que as “estabilidades” desses países não são tão simples como se supõe. A estabilidade destes seria um triunfo parcial da ofensiva conservadora, mas esta não chega a qualquer canto do continente, começando com os próprios dados da realidade argentina, marcada pela deterioração econômica e social em proporções elevadas. Para se descolar com sucesso da onda antidireitos encarnada pelos presidentes Iván Duque, Jair Bolsonaro, Sebastián Piñera, Lenín Moreno, Mario Abdo Benítez e Martín Vizcarra, há uma relativa dificuldade, uma vez que as realidades desses países indicam que os efeitos das políticas neoliberais e conservadoras são rechaçados por boa parte da sociedade, em alguns casos maioria, o que supõe um grito latente por todo o continente.

Conclusão: sistema e candidaturas

Os problemas de gestão do presidente Macri mantêm-no por baixo nas pesquisas de percepção cidadã. De acordo com os pesquisadores, 63% da população desaprova o desempenho do governo, enquanto 33% o aprova em parte (26%) ou como um todo (7%). Essa situação levou à decisão de muitas autoridades provinciais de “escalonar” as eleições provinciais e desligá-las das eleições nacionais. Mesmo muitos aliados do Cambiemos entenderam que a imagem ruim de Macri poderia contagiar de forma negativa as aspirações de seus governos provinciais ou locais, uma tendência que o oficialismo vai tentar contrariar com seu arbítrio no que tange à transferência de recursos para as províncias.

É curioso que, apesar do forte impacto eleitoral da província de Buenos Aires a nível nacional, nenhum portenho tenha sido eleito presidente. Esse é um fato resultante de tradições políticas argentinas, composições de seu federalismo político, questões que também fazem parte da corrida presidencial e decisões das forças em disputa. O oficialismo conta, nesse contexto, talvez com a boa imagem da governadora Maria Eugenia Vidal, um recurso que tentará usar ao máximo, como sua testada gestão de campanhas eleitorais lhe dá certas condições de competitividade no período entre as PASO e a eleição geral. É também por isso que Mauricio Macri já assumiu que será candidato à sua reeleição, apesar do cenário social desfavorável que enfrenta. Por enquanto, ele é o único a estar nesse lugar.

Outros nomes estão na arena eleitoral, como o ex-ministro da Economia, Roberto Lavagna – do peronismo antikirchnerista –, o atual deputado Agustín Rossi, do kirchnerismo, ou o ex-governador de Buenos Aires, Felipe Solá, cuja proximidade com kirchnerismo nos últimos tempos o tiram do espaço político que estava representando (ainda que tenha mencionado suas intenções de concorrer, ainda não o fez oficialmente). Há também a recente aparição do apresentador de programas de entretenimento, Marcelo Tinelli, que ainda não deu muitas pistas sobre sua candidatura, nem muitos detalhes sobre a que cargo aspira. E, claro, a ex-presidente e atual senadora, Cristina Fernandez de Kirchner, que é a figura política com maior intenção de votos para as eleições, mas ainda não formalizou sua participação.

Será necessário ver que outros nomes aparecem nesses poucos meses restantes; podemos dizer, todavia, que há condicionalidades do sistema político a considerar – por exemplo, o kirchnerismo não governa nem a província de Buenos Aires, nem qualquer dos outros três distritos-chave, nem conta com a capacidade publicitária do Cambiemos – que também podem modificar aquilo que é um fato incontestável desses últimos meses: o profundo mal-estar sentido na sociedade argentina com o atual governo de Macri.

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