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Os recursos estratégicos da América Latina na guerra China – Estados Unidos

A vulnerabilidade dos EUA sobre certos recursos minerais o condiciona na guerra comercial contra a China, razão pela qual a América Latina é estratégica.

por Tamara Lajtman, Aníbal García Fernández e Sergio Martín-Carrillo | Celag – Tradução de Rebeca Ávila para a Revista Opera
(Foto: Estúdio Gauche)

Logo após o anúncio de que o Google limitará o acesso aos seus serviços nos celulares da Huawei, veio à tona a informação de que Xi Jinping realizou uma visita à empresa que explora terras raras ao sul da China. Um jornal representante da ala conservadora do Partido Comunista Chinês informou que “a produção de terras raras ajudará Pequim a controlar o sangue vital do setor de alta tecnologia dos Estados Unidos”. [1]

Este último episódio da chamada “guerra comercial” entre os Estados Unidos e a China põe em evidência uma questão geopolítica chave: a dependência estadunidense dos recursos naturais do país asiático. Além disso, frente às ameaças de interrupção do fornecimento de minerais por parte do governo chinês, é de se esperar uma maior ofensiva do setor público-privado estadunidense pelo acesso e controle das reservas na América Latina e no Caribe.

Minerais críticos

Um mineral crítico, tal como define o governo dos Estados Unidos, se identifica como (I) um mineral não combustível ou material mineral essencial para a segurança econômica e nacional dos Estados Unidos, (II) cuja cadeia de fornecimento é vulnerável à interrupção, e (III) que cumpre uma função essencial na fabricação de um produto, cuja ausência teria consequências significativas para a economia dos EUA ou para a segurança nacional. As interrupções na oferta podem surgir por várias razões, entre elas desastres naturais, conflitos laborais, disputas comerciais, nacionalização dos recursos, etc. [2]

O Mineral Commodity Summaries 2019, publicado pelo Departamento do Interior e o Serviço Geológico dos EUA, mostra o impacto de 35 minerais críticos (ou grupos de minerais) na economia do país, que para o ano de 2018 alcançou o valor estimado de 3,02 bilhões de dólares (15% do PIB, que para este ano foi equivalente a 20,5 bilhões de dólares). Além disso, permite visualizar a importância das reservas da China, da América Latina e do Caribe em relação ao total das reservas mundiais de alguns desses minerais considerados críticos. É o caso das terras raras: o total mundial de toneladas estimado é de 120.000.000, do qual a China possui 37% (44.000.000 toneladas) e o Brasil 18% (22.000.000 toneladas).

Terras raras

As terras raras são um grupo de 17 minerais que se destacam pelas suas propriedades magnéticas e por serem bons condutores de eletricidade, sendo imprescindíveis na fabricação de produtos eletrônicos, incluindo smartphones, baterias, veículos elétricos, instrumentos médicos e equipamentos militares. São definidas como “raras” não necessariamente porque sejam escassas, mas por ser difícil encontrá-las em estado puro.

Atualmente os Estados Unidos importam 80% dos metais de terras raras da China, que possui as reservas mundiais mais importantes. [3] Até a data, as exportações desses minerais estão fora das tarifas que Donald Trump recentemente impôs aos produtos e materiais vindos do país oriental.  

A China tem dominado o fornecimento mundial de materiais de terras raras durante décadas, e qualquer mudança nas exportações causa grandes flutuações nos preços globais. Em 2015 a Mountain Pass (propriedade da Molycorp), única mina e processadora de terras raras nos EUA, declarou falência, e em junho do ano passado foi vendida à Shenghe Resources, consórcio dirigido por chineses. [4]

Fora da China, as maiores reservas de terras se encontram no Brasil. Porém, embora possua a segunda reserva mundial mais importante, o país sul-americano é responsável por cerca de 1% da produção mundial. [5] Em 2011, com o Plano Nacional de Mineração 2030, o governo brasileiro deu às terras raras o caráter de minerais estratégicos pelo crescente uso em novas tecnologias, ao lado de minerais importantes para a manutenção da agricultura nacional, como o potássio e o fósforo, e para a balança comercial brasileira, como o mineral de ferro, grande fonte de divisas para o Brasil. [6] Com a atual configuração do país – que passa de projetar-se como jogador estratégico na geopolítica mundial a um projeto de país subordinado aos Estados Unidos –, não é exagerada a preocupação por uma possível ofensiva do setor público-privado estadunidense sobre as reservas de minerais de terras raras brasileiras.

O inquestionável poder bélico estadunidense?

No que se refere ao poder bélico dos EUA, a dependência para a manutenção da sua base industrial é considerada uma questão crítica para a segurança nacional. Isso é demonstrado no “Relatório de avaliação e fortalecimento da base industrial de manufatura e defesa e da capacidade de recuperação da cadeia de fornecimento dos Estados Unidos” [7] O documento, elaborado por um grupo de trabalho interinstitucional do Governo dos EUA, encabeçado pelo Departamento de Defesa (DoD), alerta que a China representa um risco significativo e crescente para o fornecimento de materiais considerados estratégicos e críticos para a segurança nacional dos EUA, já que o país asiático é a única fonte ou provedor principal de uma série de materiais utilizados na indústria de defesa. Em muitos casos, de acordo com o relatório, não há outra fonte ou material de substituição direta.

Particularmente em relação às terras raras – matéria prima básica para lasers, radares, sistemas de visão noturna, guia de mísseis, motores de reação e veículos blindados –, afirma-se que o domínio chinês na sua comercialização ilustra uma “relação potencialmente perigosa entre a agressão econômica chinesa guiada por suas políticas industriais estratégicas e as vulnerabilidades e brechas na base industrial de defesa dos EUA”. Como corolário, alerta-se que os investimentos chineses nos países em desenvolvimento em troca dos seus recursos naturais e acesso aos seus mercados, particularmente na África e na América Latina, representam uma ameaça para a economia e para a segurança nacional dos Estados Unidos.

A opção “nuclear” sobre os títulos de dívida dos EUA

A China possui atualmente 1,13 bilhões de dólares da dívida dos Estados Unidos, sendo o maior detentor estrangeiro de dívida estadunidense. Isto outorga à China uma arma contra as pressões dos EUA na guerra comercial e um curinga nas negociações bilaterais. No entanto, se trata de uma faca de dois gumes, uma vez que se a China se desfizesse de forma massiva de boa parte dos títulos do Tesouro estadunidense em seu poder, também sofreria  as consequências da desvalorização do dólar e da instabilidade financeira internacional. Trata-se, portanto, de uma arma muito útil na mesa de negociação, mas cuja utilização em grande escala seria uma opção do tipo perder-perder, pois causaria graves consequências para as duas potências.

A China é consciente disto, razão pela qual – por enquanto – se desfaz de parte da dívida estadunidense de forma gradual, influenciando nos mercados e como represália às sanções comerciais estadunidenses. Durante o passado mês de março, em função dos dados oficiais publicados pelo Departamento do Tesouro dos EUA, a China vendeu a dívida pública estadunidense pelo valor de 20.450 milhões de dólares. Esta cifra constitui a maior venda de dívida estadunidense por parte da China desde outubro de 2016.

Aparentemente a China não utilizará a opção autodestrutiva, mas colocará sobre a mesa as possibilidades que surgem, pela sua capacidade de influenciar fortemente a disponibilidade de dólares nos mercados internacionais. Além disso, a China há anos implementa uma estratégia de fortalecimento do Renminbi na esfera internacional que, unida à estratégia de posse de títulos estadunidenses, lhe dá a capacidade de influência sobre o dólar. Portanto, a opção eleita pela China não será a de pressionar o botão “nuclear”; a opção da China será a de ir criando as bases para uma mudança futura no padrão monetário internacional graças à sua capacidade de influência sobre o dólar e à cada vez maior presença de comércio em yuanes.

O aço e o alumínio

Em análises passadas mencionamos a importância da baixa produção de aço e alumínio dos Estados Unidos como as razões da imposição de tarifas a esses dois metais. Desde fevereiro de 2018, o Departamento de Comércio publicou vários relatórios sobre importações de produtos de aço e alumínio forjado e sem forjar. O principal objetivo dessas tarifas é elevar a produção nacional de aço dos 73% aos 80%, e do alumínio dos 48% aos 80%, procurando uma “viabilidade” da indústria nacional estadunidense a longo prazo. Este objetivo é um assunto de “segurança nacional” para o Departamento de Estado e de produtos considerados vitais, de acordo com o Departamento de Defesa.

O relatório do Departamento de Comércio inclui certas recomendações frente à competência chinesa.

[9] [10]

A guerra comercial entre os Estados Unidos e a China tem estado centrada em certos setores da economia que são considerados estratégicos: minerais raros, aço, alumínio e, recentemente, a imposição de medidas contra a Huawei. Por trás desta guerra contra a Huawei também está o controle de outra tecnologia que pode ser milionária: a instalação da rede 5G.

A vulnerabilidade dos Estados Unidos em relação a certos minerais o põe num dilema sobre como seguir a guerra comercial contra a China, e por esta razão a América Latina e, sobretudo, o Brasil, serão essenciais para poder substituir as importações chinesas. México, Canadá e Brasil também são cruciais para a indústria siderúrgica estadunidense, que necessita de aço e alumínio destes países. Recentemente os EUA eliminaram as tarifas de aço e alumínio para o México e o Canadá, pelo que pretendem converter a América do Norte em uma região estratégica num momento em que sua hegemonia está sendo questionada por outras potências.

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Notas:

[1] https://www.elmundo.es/economia/2019/05/20/5ce2c147fc6c83e3258b458e.html

[2] https://prd-wret.s3-us-west-2.amazonaws.com/assets/palladium/production/atoms/files/mcs2019_all.pdf

[3] https://s3-us-west-2.amazonaws.com/prd-wret/assets/palladium/production/mineral-pubs/mcs/mcs2018.pdf

[4] https://www.lagranepoca.com/news/377453-china-domina-el-suministro-de-minerales-de-tierras-raras-para-sabotear-al-ejercito-de-ee-uu-segun-estudio-del-pentagono.html

[5] http://portaldamineracao.com.br/brasil-avanca-na-pesquisa-e-processamento-de-terras-raras/

[6] https://www.dw.com/pt-br/brasil-e-alemanha-se-unem-para-fazer-frente-%C3%A0-china-no-mercado-de-terras-raras/a-42647759

[7] https://media.defense.gov/2018/Oct/05/2002048904/-1/-1/1/ASSESSING-AND-STRENGTHENING-THE-MANUFACTURING-AND%20DEFENSE-INDUSTRIAL-BASE-AND-SUPPLY-CHAIN-RESILIENCY.PDF

[8] https://www.celag.org/el-proteccionismo-de-trump-y-la-presion-al-neoliberalismo-latinoamericano/

[9] https://www.commerce.gov/news/press-releases/2018/02/secretary-ross-releases-steel-and-aluminum-232-reports-coordination

[10]
https://www.commerce.gov/sites/commerce.gov/files/the_effect_of_imports_of_aluminum_on_the_national_security_-_with_redactions_-_20180117.pdf

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