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Diário de Medellín: A Hermenêutica do Gás Lacrimogêneo 

Desde que o governo da Colômbia assinou os Acordos de Paz com as FARC, mais de 130 ex-combatentes e 700 líderes de movimentos sociais foram assassinados.
por Forrest Hylton | Counterpunch – Tradução de Guilherme Laranjeira para a Revista Opera
(Foto: Gobierno de Chile)

Eu costumo dizer às pessoas que Medellín é o lugar onde Blade Runner se choca com Mad Max, mas apesar da prevalência dos indigentes e destituídos, a proximidade de zonas de guerra, e o estrangulamento do crime organizado, a bolha da classe média em que vivo raramente é perfurada. Neste momento, o sinistro barulho dos rotores de helicópteros interrompem minha concentração, mas, na maioria das vezes, a involução do tão miraculoso milagre urbano de Medellín em uma distopia do século XXI é algo que eu observo à distância proporcionada pela rotina profissional. Embora essa rotina incluísse nove marchas de protesto durante o segundo semestre de 2018, eu perdi os conflitos entre a apropriadamente nomeada polícia de choque (que causa tumultos) e a tropa radical de combatentes mascarados. Esses confrontos foram marginais ao nosso movimento e vieram depois que a maioria de nós, estudantes e professores, já haviamos dispersado depois das maciças marchas que fecharam o centro da cidade. E elas geralmente ocorreram do outro lado do rio da abastada e refinada Universidade Nacional, onde eu trabalho, na mais radicalmente democrática Universidade de Antioquia, que, para melhor ou pior, tem uma incomparável tradição de combatentes de rua mascarados, e desencadeou a greve de proporções nacionais de 2018. Isso foi ano passado, entretanto, antes que a crise das fronteiras venezuelanas se tornasse um fator geopolítico, e a política colombiana e hemisférica se deslocassem ainda mais para a direita, como testemunhado pela Assembléia Geral da OEA atualmente localizada em Medellín, cujo foco é, claramente, a Venezuela. 

Talvez não coincidentemente, eu fui atingido por gás lacrimogêneo duas vezes essa semana: a primeira vez foi 25 de Junho, do lado de fora do novo, semelhante à um abrigo, portão de minha universidade (custo: US $627.000), quando estudantes tentaram bloquear a Carrera 65, uma importante rua com circulação norte-sul perto do rio Medellín. Eles tinham tentado, mais cedo, bloquear um cruzamento chave fora de outra entrada da Universidade, perto da fábrica de engarrafamento da Coca-Cola, com o resultado de dezenas de policiais de choque encurralando estudantes na Universidade, e então entrando no território da universidade, o que é tecnicamente ilegal, disparando gás lacrimogêneo deliberadamente desde os campos de futebol até nas áreas de salas de aula. Isso levou os estudantes a fugir pela entrada da Carrera 65, e se reagrupar fora dela. Não se passaram quinze minutos quando o veículo dos policiais, parecido com um tanque, se aproximou da esquina de uma rua estreita que separa a universidade de um gueto vizinho, quase atropelando um estudante. A polícia de choque começou então a atirar aleatoriamente gás lacrimogêneo pela universidade, embora não houvesse oposição dos estudantes. Desnecessário dizer que planos para uma marcha e uma vigília por líderes mártires de movimentos socais se desfizeram, e a raiva, o choque, e o desespero os substituíram. Desde que o governo colombiano assinou os Acordos de Paz com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) em Havana em novembro de 2016, mais de 130 ex-combatentes das FARC e 700 líderes de movimentos sociais foram assassinados, até agora com quase total impunidade. No entanto, condições para realizar uma vigília não existem.

Na tarde de 27 de junho, a vários quarteirões de distância da universidade, notei uma enxurrada de estudantes na Carrera 65, e ponderei, corretamente, que a universidade havia sido evacuada novamente, mas dessa vez parece ter sido ainda mais escandalosa do que em 25 de junho, na medida em que foi preventiva. A presença de manifestantes mascarados na principal rodovia norte-sul, que se encontra do lado de fora da outra entrada da universidade, levou a polícia a bloquear as duas entradas da universidade e, em seguida, disparar gás lacrimogêneo naqueles que fugiam. O gás lacrimogêneo era tão volumoso que chegou no bairro residencial adjacente, Carlos E. Restrepo, queimando os olhos e os narizes de crianças e idosos, bem como de estudantes que buscavam abrigo da tempestade. Apesar da ausência de qualquer adversário real, a polícia de choque bloqueou as duas entradas e inundou o campus com gás lacrimogêneo algumas horas depois da evacuação. Helicópteros presumivelmente os ajudaram. 

Até agora, o Vice-Reitor permaneceu em silêncio sobre a repressão, e, a partir de 27 de junho, as negociações entre o Reitor da Universidade Nacional e os sindicatos de professores e trabalhadores da universidade foram suspensas. O Ministério da Educação ainda está negociando a implementação do acordo alcançado com as organizações do movimento estudantil em dezembro de 2018, embora a dinâmica tenha sido mínima. Outra greve pode muito bem estar em jogo se o governo continuar a arrastar os pés e reprimir os protestos estudantis.

Nada do que está acima capta adequadamente o ameaçador e tenso clima que prevalece na cidade e no país em geral no período que antecede as eleições legislativas do outono. De acordo com o principal jornal da cidade, existem atualmente 13 diferentes pontos de inflamação, onde gangues combatem guerras territoriais, quarteirão por quarteirão, por venda de drogas e extorsão. Em dezembro de 2017, a captura de Juan Carlos Mesa Vallejo, mais conhecido como Carlos Chata, perturbou o precário equilíbrio entre as cinco maiores facções do crime organizado na Oficina de Envigado, a câmara de compensação da máfia da cidade. A quinze minutos de distância da universidade, na Comuna 13, o fluxo de euros e dólares norte-americanos secou, agora que os tiroteios aconteceram durante o dia, perto das escadas rolantes onde estrangeiros se reuniam para testemunhar a suposta transformação de Medellín de paraíso dos gangsters para um paraíso turístico. Uma residente da Comuna 13, de 60 anos, cuja irmã mora em um quarteirão disputado por várias gangues – algumas ligadas a redes criminosas mexicanas, com seus armamentos de alta tecnologia – me diz que é como o Vietnã, só que mais futurista, graças aos novos lasers, armas e munições, diferente de qualquer coisa vista ou ouvida na história recente de violência em Comuna 13, à medida que a guerra aumenta e se espalha em áreas vizinhas como América, que já viu quase 30 homicídios neste ano. Previsivelmente, o assassinato e o caos fizeram um retorno dramático desde a queda de Carlos Chata. 

Num contexto em que o gangsterismo se tornou a própria sociedade, as demandas estudantis pela implementação dos acordos adquirem seu verdadeiro significado: junto com as demandas dos movimentos de direitos das vítimas para salvar a Jurisdição Especial pela Paz (JEP), as demandas dos estudantes estão entre a volta não mitigada da barbárie do Uribismo, e a possibilidade de uma sociedade mais democrática e pacífica na Colômbia. Como de costume, as apostas dificilmente poderiam ser mais altas, e se outra guerra de nervos – também conhecida como greve – irromper nas universidades públicas, não deveria ser uma surpresa.

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