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França: A oportunidade desperdiçada dos coletes amarelos

Os Coletes Amarelos apresentaram propostas muito decentes no lado social e econômico, mas não conseguiram atrair as massas de trabalhadores assalariados.
por Philippe Marlière | Counterpunch – Tradução de Matheus Ferreira Silva para a Revista Opera

O movimento Coletes Amarelos (Gilets Jaunes) começou em novembro de 2018. Antes das primeiras ocupações de rotatórias em toda a França, uma petição contra o aumento dos preços dos combustíveis foi publicada on-line. Aproximadamente um milhão de pessoas assinaram o texto, que foi o estopim para o lançamento do mais longo movimento social na França do pós-guerra. (Na época da publicação da petição, as manifestações semanais em toda a França ainda estavam acontecendo).

A decisão do governo, em 2017, de reduzir o limite de velocidade nas estradas do país de 90 para 80 km/h foi outro fator que corroborou para a ascensão dos coletes amarelos. As pessoas que simpatizam com o movimento consideraram um fracasso da parte do governo entender as necessidades dos residentes rurais que dependem totalmente de seus carros.

Rapidamente, o movimento fez reivindicações de natureza “progressista”, centrada em torno do alto custo de vida. Os Coletes Amarelos exigiram a reintrodução do imposto sobre a riqueza (argumentando que a taxação é injusta, pois recai sobre a classe média e a classe trabalhadora), o aumento do salário mínimo ou a implementação dos referendos da Iniciativa do Cidadão. Manifestantes imediatamente passaram a pedir a renúncia do Presidente Macron.

Não há alternativa

Além de abandonar a decisão de aumentar os impostos sobre o combustível, Macron não fez nada para responder às reivindicações dos movimentos, nem mesmo para amenizar o descontentamento público. Ele basicamente reiterou que não havia alternativa às suas políticas econômicas neoliberais e deu licença à polícia para lidar com manifestantes com extrema brutalidade. 

O mais longo movimento social da história francesa (mas não o mais numeroso em termos de participantes) é também um novo fenômeno sociológico. Os coletes amarelos na maior parte são recém-chegados à militância. Eles não são membros de um partido político ou de um sindicato, a maioria não vota e rejeita a divisão esquerda/direita.

Os Coletes Amarelos estão empregados, mas eles lutam para sobreviver. Em sua maioria, são de meia-idade e vivem em áreas rurais ou semi-urbanas. As mulheres estão bem representadas entre os manifestantes, mas o movimento é esmagadoramente branco. O Coletes Amarelos é de fato um movimento “franco-francês” que não conseguiu atrair as populações de origem étnica que estão essencialmente concentradas em áreas urbanas.

A característica mais fundamental do movimento é sua aversão à democracia representativa: os coletes amarelos desprezam os políticos profissionais e os descrevem como “corruptos” e “incompetentes”. Eles também querem ficar longe de partidos e sindicatos de esquerda. Em suma, eles só acreditam em si mesmos para realizar grandes transformações sociais e políticas. Mas como alcançar objetivos tão ambiciosos sem procurar aliados e elaborar resultados políticos concretos? (por exemplo, uma aliança com forças progressistas organizadas ou a participação em eleições)

Dois círculos concêntricos

Os Coletes Amarelos abraçam o ponto de vista social altamente elegante – ainda que simplista – segundo o qual a sociedade é dividida entre “o povo” (a grande maioria dos cidadãos) e “as elites” (a fração muito pequena de 1% das classes dominantes).

A aparente repugnância para com políticos profissionais e a representação política não impediu que alguns coletes amarelos se nomeassem “porta-vozes” do movimento: Priscillia Ludosky (que iniciou a petição online em maio de 2018), Éric Drouet ou Maxime Nicolle se tornaram estrelas da mídia e nomes consagrados, muitas vezes pelas razões erradas. (Drouet e Nicolle propagaram propaganda de extrema-direita e teorias da conspiração nas mídias sociais no passado.)

Quando dois grupos dissidentes decidiram apresentar uma lista de candidatos nas últimas eleições europeias, foram imediatamente rechaçados pelo resto do movimento. Os resultados foram irrisórios: uma lista recebeu 0,7% da parcela de votos e a outra 0,5%. Quando eles votaram, a maioria dos participantes dos Coletes Amarelos escolheu o Rassemblement National de Marine Le Pen.

Isso é surpreendente? Pesquisas qualitativas mostram que há, de fato, dois círculos concêntricos de manifestantes dos Coletes Amarelos: o núcleo – que vai às ruas semanalmente – é economicamente progressivo e culturalmente tolerante. Essa é a face pública do movimento. Mas há mais do que esse componente “de esquerda”. Um círculo maior de apoiadores, menos ativos no movimento, é motivado pela defesa de interesses materiais específicos (aumento de combustível, limite de velocidade, redução da imigração). A retórica anti-sistema e anti-establishment dos Coletes Amarelos, combinada com essas preocupações materiais, foi, portanto, amplamente compatível com o discurso anti-imigração, anti-elite e anti-UE de Le Pen.

E agora?

Em suma, se o movimento apresentou propostas muito decentes no lado social e econômico, não conseguiu atrair as massas de trabalhadores assalariados (trabalhadores de colarinho azul e branco), assim como os desempregados, os jovens e populações racializadas. As razões para o eventual fracasso do movimento são claras hoje: a ideia de uma rebelião popular contra um presidente arrogante e de direita pode ter sido uma idéia romântica para a maioria dos franceses por um curto período de tempo, mas não foi suficiente para formar um verdadeiro movimento político.

As pessoas que se manifestam em toda a França, todos os sábados, acabaram representando nada além de si mesmas. Os trabalhadores franceses, em sua maioria, ficaram entediados, se não impacientes com os manifestantes, que não ofereciam soluções adequadas para a crise.

O movimento Coletes Amarelos, longe de ajudar uma esquerda francesa fraca e desacreditada, na verdade aprofundou ainda mais sua crise. Jean-Luc Mélenchon, que apoiou publicamente o movimento desde o primeiro dia, saiu-se muito mal nas eleições europeias. Seu movimento, France Insoumise, recebeu 6,3% dos votos (abaixo dos 19,6% da eleição presidencial de 2017). Le Pen está em 23,3% e  Macron sitiado em 22,4%.

Uma pesquisa do IFOP (Instituto Francês de Opinião Pública) publicada em 27-28 de maio revelou números preocupantes: 38% das pessoas que votaram em Mélenchon no primeiro turno da eleição presidencial de 2017, 58% que votaram na France Insoumise nas eleições europeias e 61% que planejam votar para Mélenchon na eleição presidencial de 2022, votaria em favor de Le Pen, caso ela enfrentasse Macron no segundo turno da eleição de 2022.

Os eleitores franceses são ideologicamente e politicamente tão confusos e aborrecidos que a mudança de uma fatia significativa dos eleitores de esquerda para a extrema direita é agora uma possibilidade.

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