Pesquisar
, ,

O que faz com que o Irã seja forte o bastante para enfrentar uma superpotência como os EUA?

O Irã enfrentou sanções dos EUA por mais de 40 anos sem se submeter, e enfrentou os EUA em diferentes arenas no Oriente Médio.

por Elijah J. Magnier | Elijah Magnier Blog – Tradução de Gabriel Deslandes
(Foto: Sara Rajaee / Ypa.ir)

Durante a Guerra Irã-Iraque, na década de 1980, a República Islâmica do Irã empregou o slogan “Karbala, Karbala, estamos chegando” (كربلا كربلا ما دارييم مياييم) para “defender o valor do Islã”. Na Síria, o grito de guerra “Zaynab não será sequestrada duas vezes” ajudou a mobilizar aliados xiitas e reuniu milhares de homens para combater a sunita-takfiri al-Qaeda e o Estado Islâmico (ISIS). Hoje, apesar da batalha existencial entre o Irã e os EUA, a “República Islâmica” não usa mais slogans religiosos, mas sim busca o apoio de base nacional. Mesmo os iranianos que não concordam com o atual regime estão apoiando seu país diante da postura agressiva dos EUA. Os iranianos pragmáticos ficaram desapontados com a revogação ilegal do acordo nuclear do JCPOA pelos EUA. Sanções severas estão sendo impostas ao povo iraniano porque Trump abandonou o acordo para agradar Netanyahu e para ofender seu antecessor, Obama. Diante dessas sanções, a República Islâmica se recusa a aceitar os ditames americanos. Ao contrário de outros países do Oriente Médio, que voluntariamente se submetem à chantagem e intimidação de Trump, o Irã diz “NÃO” à superpotência. Por quê? Como o Irã pode fazer o que a Arábia Saudita e outras potências regionais poderiam fazer, mas não fazem?

O Irã fabrica seus próprios tanques, mísseis, submarinos e é membro do clube global de países com capacidade científica nuclear. O Irã tem fortes aliados no Líbano, Síria, Iraque, Palestina, Afeganistão e Iêmen e pode contar com eles para participarem em qualquer guerra contra Teerã, mesmo que imposta pelos EUA.

O Irã tem membros democraticamente eleitos no Parlamento e um presidente que cumpre um mandato de quatro anos e tem o direito de renovar um único mandato se vencer por meio do voto, ao contrário dos Estados árabes que têm presidentes vitalícios ou monarquias herdadas. Cristãos e judeus são minorias reconhecidas no Irã; os judeus têm um membro do Parlamento, Siamak Moreh, e se sentem “seguros e respeitados”. Eles são cerca de 15 mil de 85 milhões de iranianos e têm mais de 25 sinagogas.

O Irã enfrentou sanções americanas por mais de 40 anos sem se submeter às exigências norte-americanas. Ele enfrentou os EUA em muitas arenas ao redor do Oriente Médio e recentemente derrubou um drone para enviar uma mensagem clara de que está pronto para enfrentar a guerra e suas consequências, se estas forem impostas. O Irã está pronto para pagar o preço por defender seu ar, água e terras; não comprometerá quaisquer violações de sua soberania, nem mesmo por uma superpotência como os EUA. O Irã está enviando uma mensagem aos EUA, a seu principal aliado – Israel – e a todos os países do Oriente Médio: vai retaliar duramente qualquer agressão.

O Irã não tem medo de tentativas de mudança de regime porque seu sistema eleitoral está nas mãos do povo e, se for atingido internamente, o Irã tem a capacidade de atacar a partir de onde quer que seus aliados estejam implantados, contra seus inimigos regionais onde quer que estejam.

A situação do Irã não deve ser única ou surpreendente. É natural ter instituições democráticas. É normal que um país tenha aliados prontos para prestar apoio quando necessário. É comum qualquer país usar a força, quando necessário, para defender sua soberania e proteger suas fronteiras. Os cidadãos apoiam o governo e as Forças Armadas quando defendem o país contra a agressão e quando seus governantes tomam decisões difíceis e corajosas.

Não há vozes no Irã pedindo a queda do atual regime, apesar da “pressão máxima” dos EUA. O presidente iraniano respondeu com “paciência máxima” por 14 meses antes de dar o primeiro passo legal para se retirar parcialmente do acordo nuclear. Rouhani, em seguida, mudou para uma “estratégia de confronto” e acabou adotando uma “estratégia de igual resposta” contra qualquer ataque. O Corpo dos Guardas Revolucionários do Irã (IRGC) não precisa de slogans religiosos desta vez porque os iranianos estão unidos, independente da etnia, por trás de seus líderes e contra os EUA. Trump conseguiu unir os pragmáticos e os radicais sob uma única bandeira contra ele.

A Europa correu para desempenhar um papel de mediação em uma tentativa fracassada de aliviar as tensões entre os EUA e o Irã. Os líderes europeus têm pouca influência sobre o presidente Trump, pois eles estão longe de serem unidos, mesmo sendo signatários do acordo nuclear do JCPOA e, portanto, obrigados a respeitá-lo. O Irã impôs à Europa a criação de um novo sistema de pagamentos, o INSTEX, a despeito de sua falta de eficácia. O INSTEX demonstra a disposição dos líderes europeus para acomodarem o Irã. Esse é um esforço europeu substancial.

O Irã não vai – e nem deveria – desistir de seus aliados porque eles estão na linha de frente de sua segurança nacional e são defensores de seus valores e existência. Sem eles, uma política de confrontação em relação à hegemonia americana não seria possível. As duras sanções contra o Irã prejudicaram aliados, mas não se deterioraram nem afetaram suas capacidades militares.

O Irã não vai desistir de suas capacidades de mísseis porque eles são seu único mecanismo defensivo potencial. O Irã está pronto para ir à guerra; não abandonará sua produção e desenvolvimento de mísseis. Entregou muitas dessas capacidades de mísseis a aliados na Palestina, Líbano, Síria, Iraque e Iêmen.

O Irã não se submeterá à chantagem pela qual Trump arranca centenas de bilhões de dólares dos países do Oriente Médio, forçando-os a comprar armas e peças de reposição americanas. Países do Oriente Médio, como a Arábia Saudita, os Emirados e o Catar, pagam compensações consideráveis ​​para limitar os danos do bullying de Trump.

Se todos esses países do Oriente Médio se levantassem contra o “valentão da vizinhança”, como o Irã fez, e investissem uma fração do que estão pagando a Trump no desenvolvimento e prosperidade da região, os EUA seriam incapazes de extorquir Arábia Saudita, Catar e os Emirados.

E por último, mas não menos importante, o Irã rejeita o plano que Trump está tentando impor aos palestinos: uma exigência de que eles vendam seus territórios por um punhado de dólares. Muitos países do Oriente Médio adotaram o plano infantil de um amador – Jared Kushner, que detém poder apenas porque é o genro do presidente norte-americano – que acreditava alcançar o que muitos presidentes e diplomatas experientes não conseguiram fazer ao longo de décadas. O Irã, junto com o Iraque, o Líbano e o Kuwait, rejeitou o “Acordo do Século”.

Trump admite que entende apenas “a linguagem das cifras e do dinheiro”. A resposta do Irã à estratégia de chantagem dos EUA incorpora a percepção de que este mundo só respeita e compreende aqueles que manifestam força e se recusam a se submeter à coerção, e sua consciência só é despertada por aqueles que têm vontade de resistir.

[rev_slider alias=”livros”][/rev_slider]

Continue lendo

Mural anti-imperialista pintado na Embaixada dos EUA em Teerã após a crise dos reféns. (Foto: Phillip Maiwald (Nikopol) / Wikimedia Commons)
Sanções como guerra civilizacional: o custo humanitário da pressão econômica dos EUA
Em diferentes contextos, líderes de extrema direita promovem um modelo de governança que algema o Estado de suas funções redistributivas, enquanto abre caminho para que o cripto-corporativismo baseado em IA opere livremente – às vezes até promovendo seu uso como política oficial do Estado. (Foto: Santiago Sito ON/OFF / Flickr)
Por que a extrema direita precisa da violência
Entre 1954 e 1975, as forças armadas dos Estados Unidos lançaram 7,5 milhões de toneladas de bombas sobre o Vietnã, o Laos e o Camboja, mais do que as 2 milhões de toneladas de bombas lançadas durante a Segunda Guerra Mundial em todos os campos de batalha. No Vietnã, os EUA lançaram 4,6 milhões de toneladas de bombas, inclusive durante campanhas de bombardeios indiscriminados e violentos, como a Operação Rolling Thunder (1965-1968) e a Operação Linebacker (1972). (Foto: Thuan Pham / Pexels)
O Vietnã comemora 50 anos do fim do período colonial

Leia também

São Paulo (SP), 11/09/2024 - 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo no Anhembi. (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)
Ser pobre e leitor no Brasil: um manual prático para o livro barato
Brasília (DF), 12/02/2025 - O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, durante cerimônia que celebra um ano do programa Nova Indústria Brasil e do lançamento da Missão 6: Tecnologias de Interesse para a Soberania e Defesa Nacionais, no Palácio do Planalto. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O bestiário de José Múcio
O CEO da SpaceX, Elon Musk, durante reunião sobre exploração especial com oficiais da Força Aérea do Canadá, em 2019. (Foto: Defense Visual Information Distribution Service)
Fascista, futurista ou vigarista? As origens de Elon Musk
Três crianças empregadas como coolies em regime de escravidão moderna em Hong Kong, no final dos anos 1880. (Foto: Lai Afong / Wikimedia Commons)
Ratzel e o embrião da geopolítica: a “verdadeira China” e o futuro do mundo
Robert F. Williams recebe uma cópia do Livro Vermelho autografada por Mao Zedong, em 1 de outubro de 1966. (Foto: Meng Zhaorui / People's Literature Publishing House)
Ao centenário de Robert F. Williams, o negro armado
trump
O Brasil no labirinto de Trump
O presidente dos EUA, Donald Trump, com o ex-Conselheiro de Segurança Nacional e Secretário de Estado Henry Kissinger, em maio de 2017. (Foto: White House / Shealah Craighead)
Donald Trump e a inversão da estratégia de Kissinger
pera-5
O fantástico mundo de Jessé Souza: notas sobre uma caricatura do marxismo
Uma mulher rema no lago Erhai, na cidade de Dali, província de Yunnan, China, em novembro de 2004. (Foto: Greg / Flickr)
O lago Erhai: uma história da transformação ecológica da China
palestina_al_aqsa
Guerra e religião: a influência das profecias judaicas e islâmicas no conflito Israel-Palestina