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A guerra à inocência: crianças palestinas no Tribunal Militar de Israel

Desde o início da Segunda Intifada, o levante popular de 2000, cerca de 12,000 crianças palestinas foram detidas e interrogadas pelo exército de Israel. 

por Ramzy Baroud | MintPress News – Tradução de Guilherme Laranjeira para a Revista Opera

No dia 29 de julho, Muhammad Rabi’ Elayyan, de 4 anos de idade, teria sido convocado para interrogatório pela polícia israelense no território ocupado de Jerusalém.

A notícia, originalmente reportada pela Agência de Notícias Palestinas (WAFA), foi, mais tarde, negada pela polícia israelense, provavelmente para diminuir o impacto do desastre das relações públicas que se seguiu.

Os israelenses não negam a história em sua totalidade, mas argumentam que não foi o garoto Muhammad quem foi convocado, mas sim seu pai, Rabi’, que foi chamado para a delegacia de polícia israelense na rua Salah Eddin, em Jerusalém, para ser questionado sobre as ações de seu filho.   

A criança foi acusada de arremessar uma pedra nos soldados de ocupação israelense no bairro Issawiyeh, constantemente alvejado pela violência israelense. O bairro também é o local trágico das demolições de casas sob o pretexto de que os palestinos estão construindo sem permissão. Naturalmente, a grande maioria dos pedidos palestinos para construir em Issawiyeh, ou em qualquer lugar de Jerusalém, são negados, enquanto os colonos judeus são autorizados a construir em terras palestinas, sem impedimentos.

Com isso em mente, Issawiyeh não desconhece o ridículo e ilegal comportamento do exército israelense. Em 6 de julho, uma mãe do bairro constantemente assediado foi presa como meio de pressionar seu filho adolescente, Mahmoud Ebeid, a se entregar. A mãe “foi pega pela polícia israelense como uma moeda de barganha”, reportou Mondoweiss, citando o Centro de Informações Wadi Hileh sediado em Jerusalém.   

As autoridades israelenses estão, naturalmente, envergonhadas pelo episódio do menino de 4 anos de idade, o que explica a tentativa de burlar a história. O fato é que o correspondente da WAFA em Jerusalém havia, de fato, verificado que o mandato estava no nome de Muhammad, e não no de Rabi.

Enquanto algumas fontes de notícias compraram a “hasbará” israelense, transmitindo prontamente os gritos israelenses de “fake news”, é preciso ter em mente que este evento é dificilmente um incidente isolado. Para os palestinos, esse tipo de notícia de detenção, espancamento e assassinato de crianças é uma das mais consistentes características da ocupação israelense desde 1967.

Apenas um dia depois de convocarem Muhammad, as autoridades israelenses também interrogaram o pai de uma criança de 6 anos de idade, Qais Firas Obaid, do mesmo bairro de Issawiyeh, depois de acusar o garoto de jogar uma caixa de suco nos soldados israelenses. 

“De acordo com fontes locais em Issawiyeh, os militares (israelenses) enviaram à familia de Qais uma intimação oficial para ir ao centro de interrogatórios em Jerusalém na quarta feira (31 de julho), às 8 horas da manhã” reportou o Centro Internacional de Mídia do Oriente Médio [tradução livre] (IMEMC). Em uma foto, o menino é retratado segurando uma ordem militar em hebraico para a câmera.

A história de Muhammed e Qais são a regra, não a exceção. De acordo com grupo de defesa dos prisioneiros palestinos, Addameer, existem atualmente 250 crianças em prisões israelenses, com aproximadamente 700 crianças palestinas passando pelo sistema judiciário militar israelense todos os anos. “A mais comum acusação contra as crianças é a de atirar pedras, um crime punível pela lei militar em até 20 anos”, relata Addameer.

De fato, Israel tem muito pelo que se envergonhar. Desde o começo da Segunda Intifada, o levante popular de 2000, cerca de 12,000 crianças palestinas foram detidas e interrogadas pelo exército israelense.      

Mas não são apenas crianças e suas famílias que se tornam alvos dos militares israelenses, mas também aqueles que advogam a seu favor. Em 30 de julho, o advogado palestino Tariq Barghouth foi sentenciado a 13 anos de prisão por um tribunal militar israelense por “atirar em veículos israelenses e nas forças de segurança em diversas ocasiões”. [tradução livre]  

Por mais frágil que possa parecer a acusação de um conhecido advogado atirando em “veículos”, é importante notar que Barghouth é bem visto por sua defesa de muitas crianças palestinas no tribunal. Ele era uma fonte constante de dor de cabeça para o sistema judiciário militar israelense, particularmente, pela sua forte defesa de Ahmad Manasra.

Manasra, então com 13 anos, foi julgado e indiciado no tribunal militar israelense por supostamente esfaquear e ferir dois israelenses perto do assentamento judeu ilegal de Pisgat Ze’ev no território ocupado de Jerusalém. O primo de Manasra, Hassan, de 15 anos, foi assassinado nesse local, enquanto Ahmad, ferido, foi julgado no tribunal enquanto adulto.

Foi o advogado Barghouth quem desafiou e denunciou o tribunal israelense pelo duro interrogatório e por filmar secretamente a criança ferida enquanto ela estava amarrada a uma cama de hospital.

No dia 2 de agosto de 2016, Israel aprovou uma lei que permite às autoridades “aprisionar um menor condenado por crimes graves como homicídio, tentativa de homicídio ou homicídio culposo, mesmo que ele ou ela tenha menos de 14 anos de idade”. A lei foi convenientemente elaborada para lidar com casos como o de Ahmad Manasra, condenado em 7 de novembro de 2016 (três meses depois que a lei foi aprovada) a 12 anos de prisão.

O caso de Manasra, os videos vazados de seus abusos por interrogadores israelenses e sua dura sentença colocaram mais ainda o foco internacional na situação das crianças palestinas no sistema judiciário militar israelense.

“Os interrogadores israelenses são vistos relegando ao abuso verbal, intimidação e ameaças para, aparentemente, infligir sofrimento mental com a finalidade de obter uma confissão” disse na época Brad Parker, advogado e representante da organização Defesa Internacional da Criança – Palestina (DCIP).  

A Convenção das Nações Unidas sobre os Direito das Crianças, da qual Israel é, desde 1991, signatário, “proíbe a tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.” Mesmo assim, de acordo com Parker, “maus-tratos e a tortura de crianças palestinas presas por militares e policiais israelenses é generalizada e sistemática.”    

Tão sistemática, de fato, que vídeos e relatos de aprisionamento de crianças palestinas pequenas são quase um grampo nas plataformas de mídias sociais preocupadas com a Palestina e os direitos palestinos.

A triste realidade é que Muhammad Elayyan, de 4 anos, e Qais Obaid, de 6 anos, e muitas outras crianças como eles, têm se tornado o alvo dos soldados israelenses e dos colonos judeus por todos os territórios palestinos ocupados.

Essa horrenda realidade não deve ser tolerada pela comunidade internacional. Os crimes dos israelenses contra as crianças palestinas devem ser efetivamentes confrontados. Israel, suas leis desumanas e seus iníquos tribunais militares não devem ser autorizados a continuar sua brutalização incontestada das crianças palestinas.

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