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“Onda verde” sem pobres: O caso do Extinction Rebellion

Por trás da “resistência pacífica” global do Extinction Rebellion, fundações promovem os olhos vendados aos pobres do sul do globo.

por Nathalia Urban | Revista Opera
(Foto: Alexander Savin)

Em 2019, a chamada “onda verde” tomou as ruas das principais cidades na Europa. Um de seus principais agitadores foi o Extinction Rebellion, movimento “global” idealizado por dois britânicos em 2018. Rapidamente eles tomaram as manchetes dos principais veículos de comunicação do mundo, justamente por fazerem ações que, segundo o grupo, seguem o princípio da “resistência pacífica” e da “holacracia”. Por trás do comportamento paz e amor, no entanto, existe uma multitude de doações financeiras sombrias.

Corporações

Desde sua fundação, em outubro de 2018, o movimento angariou mais de £2,5 milhões (13,6 milhões de reais) em doações. Muitas dessas doações vieram de corporações e filantropos bilionários diretamente ligados com indústrias. 

Um dos homens mais ricos do Reino Unido é um dos principais financiadores do Extinction Rebellion. Sir Christopher Hohn, que vale 1,2 bilhão de libras (cerca de 6,5 bilhões de reais), deu 50 mil libras ao grupo. A instituição de caridade que Hohn co-fundou, a Children’s Fund Investment Foundation, também doou mais de 150 mil libras ao grupo. Outros doadores importantes incluem o Climate Emergency Fund, um grupo de filantropos americanos que inclui a herdeira da gigante de petróleo Getty, Aileen Getty.

O grupo, apesar de em tese fazer ações cobrando “posições verdes” de corporações, tem mantido um posicionamento mais do que amigável com as mesmas. Um dos subgrupos deles é o Suits & Ties XR (algo como “XR de terno e gravata” em tradução livre), que é formado por empresários que acreditam que a “crise climática é crise nos negócios”. Esse posicionamento supostamente apolítico do grupo se dá, segundo eles, pelo fato de que “um discurso muito à esquerda pode assustar parceiros liberais e conservadores.” É importante notar que, apesar dos montantes, nenhum dinheiro do grupo foi gasto pagando fiança dos ativistas presos em atos de desobediência civil.

Polícia

O XR incentiva a prisão dos seus apoiadores. Em um agora famoso vídeo de um bloqueio da ponte de Londres em novembro de 2018, que lançou o XR como grupo público, o co-fundador do grupo Roger Hallam pode ser visto ajudando um oficial de polícia a organizar a prisão de manifestantes. 

A estratégia consiste em trazer as forças de segurança do estado como uma “facilitadora antagônica”, e não como inimiga da luta. Hallam alega que a Polícia Metropolitana “é provavelmente uma das forças mais civilizadas do mundo”, empregando uma “equipe profissional de homens que vão a protestos sociais.” Não é incomum que durante protestos os manifestantes inclusive cantem para a polícia e até elogiem a maneira “sensível” como são tratados na prisão.

Um caso curioso foi o de um rapaz que foi libertado da detenção policial em Brixton. Manifestante do Extinction Rebellion, ele se encarregou de enviar flores e uma nota de agradecimento “para todas as almas amáveis da delegacia de Brixton, por todo o trabalho que vocês fizeram com decência e profissionalismo”. Esse ato foi especialmente criticado por grupos de direitos negros, já que esse centro de detenção está marcado na história da Grã-Bretanha pela morte de negros sob custódia policial, sendo o caso mais famoso o de Sean Rigg, músico britânico negro de 40 anos e produtor musical que sofria de esquizofrenia paranóica. Ele morreu após uma parada cardíaca em 21 de agosto de 2008 enquanto estava sob custódia policial na entrada da delegacia de Brixton.

Esse episódio foi só um dos inúmeros em que o grupo tomou abordagens estranhas aos movimentos de direitos raciais e minorias. Rupert Read, acadêmico ativista do Partido Verde da Inglaterra e um dos porta-vozes mais proeminentes do XR, por exemplo, culpa a “imigração em larga escala” como causa de “perigosas mudanças climáticas”.

Golpe na Bolívia

Uma das principais ativista do Extinction Rebellion, Claire Wordley, publicou recentemente um artigo intitulado “Não são apenas as florestas do Brasil que estão queimando, a Bolívia também está pegando fogo“. A essência do artigo de Wordley é a afirmação de que o presidente boliviano Evo Morales é o culpado pelos incêndios na floresta de Chiquitania; que ele é tão “prejudicial quanto os capitalistas que Morales afirma odiar”, e que o mandatário não respondeu efetivamente aos incêndios; mas que enfim fora forçado a contratar um Boeing 747 Supertanker no combate aos incêndios pela ação de “cidadãos voluntários.”

O artigo de Wordley é respaldado pela ativista boliviana Jhanisse Vaca-Daza, ex- aluna na Escola Kennedy dos EUA, que articulou internacionalmente a narrativa da necessidade de um golpe na Bolívia. Fortemente financiada pelo governo dos EUA, Vaca-Daza liderou os ataques de propaganda contra Morales e lançou a hashtag #SOSBolivia para implorar às nações imperialistas por uma intervenção, explorando os incêndios florestais para esse fim. Jhanisse é membro da Human Rights Foundation, grupo financiado pela infame Atlas Network, cujos membros principais são bancados obscuramente para fomentar a interferência política na América Latina. Em suas redes sociais, Daza se vangloria de ser descendente direta de Hilárion Daza, ex-ditador militar boliviano que governou o país depois de liderar um golpe entre 1876 e 1879.

O Extinction Rebellion não apenas deu voz às ideias de Jhanisse Vaca-Daza, como também organizou uma série de protestos em frente às embaixadas bolivianas na Europa, vendendo a narrativa de que Morales e Bolsonaro estão no mesmo patamar eco-político. Mesmo com todas as notícias apontando à violência e truculência do golpe na Bolívia, Claire Wordley se mantém impassível, e em suas redes sociais continua apoiando o golpe e culpando os apoiadores de Morales e o Movimiento Al Socialismo (MAS) pela situação caótica do país.

Desde a década de 80, o ambientalismo no hemisfério norte tem sido criticado pelas suas posturas “apolíticas”, por ser demasiadamente ligado a corporações, por pouca atenção dar aos interesses da classe trabalhadora e às questões raciais e de imigração. Afinal de contas, a chamada indústria verde se tornou um mercado altamente lucrativo e apático à realidade de que o dano ambiental segue nas linhas existentes de pobreza e raça. 

Não se espera que nenhuma organização surja perfeitamente formada, especialmente levando em consideração o contexto europeu, de pouca memória histórica da ação direta como luta coletiva. Contudo, a gravidade do caso do Extinction Rebellion está em seu programa: na luta pelo clima, é global o suficiente para abarcar engravatados e a polícia, mas não o sul global e os pobres.

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