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A longa história do apoio do New York Times a golpes militares

O NYT, com uma longa história de apoio a golpes, continua sendo o veículo mais influente dos Estados Unidos quando se trata de moldar a opinião pública.
por Alan Macleod | Mintpress News – Tradução de Pedro Marin para a Revista Opera
(Imagem: Estúdio Gauche)

O presidente boliviano Evo Morales foi derrubado em um golpe de estado militar apoiado pelos Estados Unidos no mês passado, depois que generais do exército apareceram na televisão demandando sua saída. Depois que Morales foi asilado no México, o exército nomeou a senadora de direita Jeanine Añez como sua sucessora. Añez, uma conservadora cristã que descreveu a maioria indígena da Bolívia como “satânica”, chegou ao palácio presidencial segurando uma Bíblia gigante, declarando que o cristianismo estava voltando ao governo. Ela imediatamente anunciou que “tomaria todas as medidas necessárias” para “pacificar” a resistência indígena que seguiu sua posse.

Isso incluía isentar os serviços de segurança do país de todos os crimes futuros no seu “reestabelecimento da ordem”, o que levou ao massacre de dezenas de pessoas, majoritariamente indígenas.

[button color=”” size=”” type=”” target=”_blank” link=”https://revistaopera.operamundi.uol.com.br/2019/11/26/bolivia-licoes-de-um-golpe-de-estado-parte-1/”]Leia também – Bolívia: Lições de um golpe de estado (parte 1)[/button]

O The New York Times (NYT), o jornal mais influente dos Estados Unidos, imediatamente aplaudiu os eventos, com seu comitê editorial recusando-se a usar a palavra “golpe” para descrever a derrubada, argumentando que Morales na verdade havia “renunciado”, levando a um “vácuo de poder” o qual Añez foi forçada a ocupar. O Times apresentou o presidente deposto como um “arrogante” e “crescentemente autocrático” tirano populista, abusando descaradamente do “poder”, “enchendo” a Suprema Corte com seus partidários, “esmagando qualquer instituição” em seu caminho e presidindo após uma eleição “altamente suspeita”.

As eleições, para os bolivianos de espírito democrático, foram a “gota d’água”, e forçar Evo à renúncia “se tornou a única opção”, disse o jornal. O NYT expressou alívio pelo país agora estar nas mãos de “líderes mais responsáveis”, e declarou enfaticamente que toda a situação foi culpa de Evo; “não pode haver dúvidas sobre quem foi responsável pelo caos: o presidente que recentemente renunciou, Evo Morales”, disse o comitê editorial no primeiro parágrafo de um artigo.

O NYT, de acordo com o professor Ian Hudson, da Universidade de Manitoba, co-autor de “Gatekeeper: 60 Years of Economics According to the New York Times“, continua sendo o veículo mais influente dos Estados Unidos quando se trata de moldar a opinião pública.

“Apesar da mudança no horizonte midiático e dos problemas financeiros dos velhos modelos de jornalismo – que incluem o NYT – o jornal continua sendo o agenda setter [impositor de agenda, em tradução livre]. As mídias sociais frequentemente usam ou respondem às matérias do Times. Ele continua a ser, provavelmente, o mais referenciado veículo de notícias dos EUA. Outros websites, como Yahoo, têm mais acessos, mas não reportam ou criam suas próprias matérias jornalísticas. O The New York Times continua no topo do ranking quando se trata de organizações investigativas ou de influência na opinião”, ele declarou ao Mintpress News.

O primeiro rascunho da história

As redações por todo os EUA recebem exemplares da primeira página do Times antes que elas cheguem às bancas, para que eles saibam quais são as “notícias importantes” e ajustem sua própria cobertura de acordo com elas. Dessa maneira, sua influência se extende muito além dos seus 5 milhões de assinantes, sua produção se tornando o “primeiro rascunho da história”.

No entanto, quando se trata de intervenção dos EUA, o Times oferece seu “apoio consistente” às ações americanas em todo o mundo, diz Hudson, alegando que o exemplo mais recente da Bolívia “seguiu muito essa tendência”. De fato, raramente houve um esforço para mudança de regime que o jornal não endossou totalmente, incluindo os seis exemplos a seguir.

Irã, 1953

Em 1953, a CIA orquestrou um golpe contra a administração de Mohammad Mossadegh, instalando o Xá como um autocrata em seu lugar. Mossadegh, um reformador liberal secular, havia enfurecido os governos ocidentais ao nacionalizar a indústria de petróleo iraniana, argumentando que os recursos do país deveriam ser propriedade do povo, e usados em seu benefício. O Xá presidiu décadas de terror e abusos contra direitos humanos, sendo finalmente derrubado na revolução de 1979.

A primeira página do New York Times em 20 de agosto de 1953. (Foto: @OnThisDayNYT)

O Times expressou um “grande sentimento de alívio”, já que muitos pensavam que Mossadegh era um “homem fanático por poder”, e um fantoche de Moscou que havia “destruído a economia” em sua “aposta pela ditadura”. O comitê editorial dava um alerta a outros que tentassem nacionalizar indústrias de propriedade norte-americana: “Países subdesenvolvidos ricos em recursos agora têm uma lição objetiva sobre o custo que pode ser pago por aqueles que busquem de maneira selvagem o fanatismo nacionalista”, dizia o jornal dois dias após a derrubada de Mossadegh.

Brasil, 1964

Como com Mossadegh, o presidente brasileiro João Goulart estava longe de ser um comunista; o reformista de centro-esquerda que estava no poder desde 1961 tinha John F. Kennedy como um modelo. Ele foi derrubado por um golpe militar apoiado pelos Estados Unidos que levou ao país a ficar cerca de 20 anos sob uma ditadura fascista, com dezenas de milhares de presos e torturados.

Dois dias depois do golpe, o comitê editorial do Times anunciou: “Nós não lamentamos o fim de um líder que se provou tão incompetente e irresponsável.” Como no caso boliviano, o jornal recusou-se a usar a palavra “golpe”, argumentando que Goulart “quase não tinha apoiadores” e havia sido deposto em “mais uma revolução pacífica.”

Um mês depois, uma reportagem intitulada “Brasil aliviado pela queda de Goulart” dizia que “não havia choro ou preocupação” pelos eventos, mas, ao invés disso, um “sentimento geral de grande alívio e otimismo” tomava o país. O texto dizia que o Brasil havia “deixado de lado” o “regime extremista” e de “extrema-esquerda”, e apoiado a “revolta” contra ele. De um jeito particularmente Orwelliano, dizia ainda que “A nação parece estar ansiando” por uma “limpeza política” de “extremistas”, e aplaudindo a prisão generalizada de funcionários do governo Goulart com o argumento de que eram “comunistas”.

Chile, 1973

A derrubada do socialista chileno democraticamente eleito Salvador Allende em 1973 e sua substituição pelo ditador fascista Augusto Pinochet é um dos eventos mais conhecidos e infames da história da CIA. As conseqüências da má administração econômica de Pinochet e do reinado de terror continuam até hoje e fornecem o pano de fundo para o enorme movimento de protesto antigoverno que atualmente envolve o país.

Assim que Allende foi eleito, o Times iniciou uma campanha para demonizar o novo líder, alegando que as “instituições livres” do Chile provavelmente não sobreviveriam à “virada acentuada para a esquerda” que ele estava propondo. No dia seguinte ao golpe, quando as forças de Pinochet bombardearam o palácio presidencial e forçaram Allende a se suicidar, o conselho editorial do Times culpou o presidente por sua própria queda, assim como aconteceu com Morales e Mossadegh, alegando:

“Nenhum partido ou facção chilena pode escapar de alguma responsabilidade … mas uma parcela pesada deve ser atribuída ao infeliz Dr. Allende. Mesmo quando os perigos da polarização se tornaram inconfundivelmente evidentes, ele insistiu em promover um programa de socialismo generalizado para o qual não tinha mandato popular.”

A primeira página do The New York Times em 12 de setembro de 1973. (Foto: @OnThisDayNYT)

O jornal também determinou que o envolvimento muito óbvio do governo dos EUA, conduzindo uma campanha de guerra econômica contra o Chile, a fim de “fazer a economia gritar” nas palavras do presidente Nixon e Henry Kissinger para a CIA, não existia. O conselho editorial informou que “é essencial que Washington mantenha meticulosamente as mãos longe da crise atual … Não deve haver motivos para suspeitar de intervenção externa”.

Venezuela, 2002 e 2019

Em abril de 2002, o governo dos EUA bancou e apoiou uma tentativa de golpe contra o presidente venezuelano Hugo Chávez. Em um padrão consistente, o conselho editorial do Times aprovou com veemência os procedimentos, abstendo-se deliberadamente de usar a palavra golpe. Dois dias após o evento, observou:

“Com a renúncia de ontem do presidente Hugo Chávez, a democracia venezuelana não é mais ameaçada por um pretenso ditador. Chávez, um demagogo ruinoso, deixou o cargo após a intervenção militar e entregou o poder a um respeitado líder empresarial, Pedro Carmona.”

E, como em outros golpes, o Times imediatamente tratou a ideia de envolvimento dos EUA como totalmente impossível, acrescentando: “Corretamente, sua remoção foi uma questão puramente venezuelana”.

O que foi único neste evento foi que o golpe foi dramaticamente oposto por centenas de milhares de pessoas nas ruas, que convenceram unidades militares leais a Chávez para retomar o palácio presidencial. Desde então, sucessivos governos dos EUA dedicaram recursos significativos à mudança de regime na Venezuela. O Times também aplaudiu a tentativa do auto-declarado presidente Juan Guaidó de obter poder no início deste ano, apresentando-o como um homem do povo, alegando que ele era “aplaudido por milhares de apoiadores nas ruas e por um número crescente de governos, incluindo os Estados Unidos.”

Mas quando a tentativa de Guaidó entrou em colapso sob o peso de sua própria impopularidade, o Times expressou sua raiva pelo fato de que Maduro, um agente russo corrupto, que levou a Venezuela à “completa ruína”, continuava no poder. “Seria um grande alívio para a Venezuela se livrar de Maduro”, ponderou o conselho editorial, “quanto mais cedo as forças armadas despojarem os ladrões” melhor, disse o jornal, decepcionado por, pela primeira vez, não poder comemorar um bem-sucedido golpe dos EUA.

Fabricando consenso

Estudando a cobertura do Times de tentativas de golpe orquestradas pelos EUA, se torna claro que há uma lista de pontos que são usados com constância para justificar os eventos.

1 – Culpe o governo por todos os problemas econômicos e políticos; ignore o efeito de quaisquer sanções norte-americanas.

2 – Constantemente apresente o líder que tem como alvo como um autocrata tirânico que esmaga os dissidentes, não importando quão real isso é.

3 – Insista que o líder é na verdade um fantoche russo controlado pelo Kremlin.

4 – Evite usar a palavra “golpe”. Prefira palavras como “levante”, “revolta” ou “transição”.

5 – Faça passar por ridícula a ideia de que os EUA possam estar envolvidos no caso.

6 – Apresente os novos líderes apoiados pelos EUA como pessoas de mentalidade democrática e minimize qualquer violência que cometam no estabelecimento de seu poder.

7 – Culpe o líder deposto por sua própria queda.

É certo que o The New York Times não é o único veículo midiático culpado por apoiar intencionalmente todas as ações norte-americanas ao redor do mundo. O The Economist e o Washington Post também apoiarem o golpe na Bolívia, como fizeram antes na Venezuela. Mas a posição do Times como “o jornal recordista” coloca sua importância em outro nível.

Essa posição o faz uma arma crucial na guerra de propaganda contra o público norte-americano, em ordem de fabricar o consenso para a mudança de regime em outros países.

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