Pesquisar
,

Protetores da Embaixada da Venezuela nos EUA sob julgamento

Nos EUA, ativistas que protegeram embaixada da Venezuela seguem pressionado pelos tribunais por defenderem o direito internacional.

por Roger Harris | Counterpunch – Tradução de Fabyola Alves para a Revista Opera
(Foto: Reprodução / Twitter)

Processos judiciais estão ocorrendo no Tribunal Federal do Distrito de Columbia, em Washington, onde um juiz julgou inadmissível a questão sobre se o presidente legítimo da Venezuela seria Nicolás Maduro, eleito democraticamente, ou Juan Guaidó, escolhido por Trump.

Como um imperador da antiguidade, nomeando regentes de estados vassalos, o presidente dos EUA Donald Trump apontou recentemente o chefe da então suspensa Assembleia Nacional da Venezuela Juan Guaidó como presidente da Venezuela em 22 de janeiro de 2019. Os EUA viram os domínios ao sul do Rio Grande como o “quintal” do seu império desde a Doutrina Monroe de 1823.

Guaidó, aos 35 anos, se tornou um dos mais jovens chefes de estado do mundo aos olhos do governo dos EUA e de seus aliados. As Nações Unidas e a grande maioria dos estados soberanos continuaram reconhecendo Nicolás Maduro, eleito democraticamente, como presidente da Venezuela.

Guaidó nunca concorreu à presidência da Venezuela ou foi presidente. Ele não era membro de um grande partido político venezuelano, nem sequer estava na liderança de seu próprio partido de extrema direita. Na época da sua autodeclaração como presidente e da unção de Trump, Guaidó era desconhecido por 81% da população venezuelana.

Mas Guaidó tinha uma qualificação excepcional para o cargo de presidente fantoche: ele havia sido preparado como um recurso de segurança dos EUA.

No ano passado, Guaidó realizou três tentativas frustradas de golpe na Venezuela contra o governo eleito. Em 5 de janeiro, em vez de reeleger Guaidó como  presidente da Assembleia Nacional, a oposição escolheu outro político da oposição, Luis Parra, removendo assim a última folha da figueira de legitimidade de Guaidó. Guaidó correu para o escritório de um jornal da oposição e foi reeleito por unanimidade por uma assembleia falsa que já havia sido encenada em antecipação à sua derrota na assembleia legítima.

Enquanto o apoio local de Guaidó na Venezuela fracassou, o autoproclamado presidente fantoche fez uma turnê internacional posando para fotos com os chefes de estado aliados dos EUA. Em 4 de fevereiro, Guaidó fez uma aparição no Discurso sobre o Estado da União de Trump, onde recebeu aplausos entusiasmados de republicanos e democratas.

Guaidó, que pediu sanções americanas ainda mais punitivas para seu próprio povo, não recebeu uma recepção tão amigável quando voltou à Venezuela em 11 de fevereiro. Foi chamado de traidor por trabalhadores indignados da companhia aérea estatal Conviasa, que acabou de ser sancionada por Trump.

Em abril, ativistas norte-americanos solidários ao governo da Venezuela formaram um coletivo para impedir que a embaixada venezuelana em Washington fosse tomada pelos colaboradores de Guaidó. Os Protetores da Embaixada, como se autodenominavam, defenderam a embaixada com a permissão do governo venezuelano e de acordo com o direito internacional.

A princípio, os Protetores podiam ir e vir a embaixada e realizar reuniões educacionais. Mas logo depois, a embaixada foi cercada por multidões antagônicas que impediram violentamente que fosse entregue comida àqueles que estavam dentro da embaixada. A polícia não fez nenhum esforço para impedir a oposição hostil de agredir os ativistas, ao mesmo tempo que atacavam os que tentavam entregar comida. Gerry Condon, presidente nacional do Veterans for Peace (Veteranos pela Paz), estava entre os apoiadores que foram atacados pela polícia enquanto entregava comida. Ele foi jogado ao chão ensanguentado e acusado de conduta imprópria (retirada depois).

O governo pressionou ainda mais os Protetores da Embaixada. Água e eletricidade foram ilegalmente cortadas na embaixada, enquanto a polícia permitia que os protetores saíssem, mas não que voltassem a entrar. Eventualmente, o coletivo de cerca de 70 ativistas de direitos humanos na embaixada foi reduzido para os “quatro últimos “: Margaret Flowers, Kevin Zeese, David Paul e Adrienne Pine. Eles racionaram a pouca comida e água que tinham e resistiram por mais 37 dias.

O Serviço Secreto expulsou os quatro últimos no dia 16 de maio do ano passado, acusando-os de “interferir nas funções de proteção” do Departamento de Estado. Eles foram a julgamento no dia 11 de fevereiro, enfrentando possíveis penas severas, incluindo multas e prisão.

Enquanto os Protetores da Embaixada estavam se defendendo no tribunal de Washington por sustentar a Convenção de Viena sobre Relações Consulares – informações que o juiz determinou que o júri não teria permissão para ouvir – o governo venezuelano acusou os EUA no Tribunal Penal Internacional de Haia, argumentando que as sanções contra a Venezuela constituem crimes contra a humanidade. Dezenas de milhares de venezuelanos morreram por falta de remédios e alimentos devido às medidas coercitivas unilaterais impostas pelos EUA.

Enquanto os Protetores estavam na embaixada com a permissão do governo eleito da Venezuela e agindo sob a orientação jurídica de que seus atos eram lícitos, os EUA e a Venezuela negociavam um acordo mútuo de poder de proteção, o que resultou na Suíça protegendo a embaixada dos EUA em Caracas e na Turquia protegendo a embaixada da Venezuela em Washington. Os Protetores da Embaixada disseram à polícia que sairiam voluntariamente assim que o acordo fosse alcançado. Mas o juiz federal decidiu que o júri não poderia ser informado disso.

Apesar da tentativa do governo de compelir os Protetores da Embaixada, o júri não condenou. O julgamento de 4 dias terminou com um júri suspenso e uma declaração de julgamento anulado. No momento, estão sendo realizadas audiências de novo julgamento, e os advogados de ambos os lados estão conversando e antecipam um acordo na próxima audiência marcada para 6 de março [N.E: a audiência foi remarcada para o dia 24 de abril].

A anulação do julgamento indica que o caso do governo se encontra seriamente comprometido. É uma vitória para os Protetores da Embaixada e para o direito internacional e um revés para a iniciativa bipartidária ilegal dos EUA pela mudança de regime na Venezuela.

David Paul, um dos Protetores da Embaixada, comentou: “Essa acusação contra nós é apenas mais um ataque contra a dissidência. Seja qual for o resultado, precisamos nos edificar a partir dele para continuar levantando nossa voz contra as políticas do império.”

*Roger Harris é membro do conselho de Força-Tarefa nas Américas, uma organização anti-imperialista de direitos humanos que atua há 32 anos.

Continue lendo

Mural anti-imperialista pintado na Embaixada dos EUA em Teerã após a crise dos reféns. (Foto: Phillip Maiwald (Nikopol) / Wikimedia Commons)
Sanções como guerra civilizacional: o custo humanitário da pressão econômica dos EUA
Em diferentes contextos, líderes de extrema direita promovem um modelo de governança que algema o Estado de suas funções redistributivas, enquanto abre caminho para que o cripto-corporativismo baseado em IA opere livremente – às vezes até promovendo seu uso como política oficial do Estado. (Foto: Santiago Sito ON/OFF / Flickr)
Por que a extrema direita precisa da violência
Entre 1954 e 1975, as forças armadas dos Estados Unidos lançaram 7,5 milhões de toneladas de bombas sobre o Vietnã, o Laos e o Camboja, mais do que as 2 milhões de toneladas de bombas lançadas durante a Segunda Guerra Mundial em todos os campos de batalha. No Vietnã, os EUA lançaram 4,6 milhões de toneladas de bombas, inclusive durante campanhas de bombardeios indiscriminados e violentos, como a Operação Rolling Thunder (1965-1968) e a Operação Linebacker (1972). (Foto: Thuan Pham / Pexels)
O Vietnã comemora 50 anos do fim do período colonial

Leia também

São Paulo (SP), 11/09/2024 - 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo no Anhembi. (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)
Ser pobre e leitor no Brasil: um manual prático para o livro barato
Brasília (DF), 12/02/2025 - O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, durante cerimônia que celebra um ano do programa Nova Indústria Brasil e do lançamento da Missão 6: Tecnologias de Interesse para a Soberania e Defesa Nacionais, no Palácio do Planalto. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O bestiário de José Múcio
O CEO da SpaceX, Elon Musk, durante reunião sobre exploração especial com oficiais da Força Aérea do Canadá, em 2019. (Foto: Defense Visual Information Distribution Service)
Fascista, futurista ou vigarista? As origens de Elon Musk
Três crianças empregadas como coolies em regime de escravidão moderna em Hong Kong, no final dos anos 1880. (Foto: Lai Afong / Wikimedia Commons)
Ratzel e o embrião da geopolítica: a “verdadeira China” e o futuro do mundo
Robert F. Williams recebe uma cópia do Livro Vermelho autografada por Mao Zedong, em 1 de outubro de 1966. (Foto: Meng Zhaorui / People's Literature Publishing House)
Ao centenário de Robert F. Williams, o negro armado
trump
O Brasil no labirinto de Trump
O presidente dos EUA, Donald Trump, com o ex-Conselheiro de Segurança Nacional e Secretário de Estado Henry Kissinger, em maio de 2017. (Foto: White House / Shealah Craighead)
Donald Trump e a inversão da estratégia de Kissinger
pera-5
O fantástico mundo de Jessé Souza: notas sobre uma caricatura do marxismo
Uma mulher rema no lago Erhai, na cidade de Dali, província de Yunnan, China, em novembro de 2004. (Foto: Greg / Flickr)
O lago Erhai: uma história da transformação ecológica da China
palestina_al_aqsa
Guerra e religião: a influência das profecias judaicas e islâmicas no conflito Israel-Palestina