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O novo conflito de Gaza: Covid-19

Com 62 respiradores, falta de água e energia, e pouco mais de 2 mil leitos para 2 milhões, o Covid-19 pode significar uma sentença de morte para Gaza.
por Omar Shaban | Counterpunch – Tradução de Pedro Marin para a Revista Opera
(Foto: Gigi Ibrahim)

Numa época em que todos comemoravam a chegada de uma nova década, um evento raro surpreendeu o mundo: uma grande pandemia global chamada COVID-19. Governos de todo o mundo lutaram para combater o vírus, tomando medidas extremas para contê-lo, com quase um bilhão de pessoas vivendo agora em confinamento. A princípio, os palestinos acompanharam a pandemia com suspiros de alívio, pensando que o vírus nunca os alcançaria, especialmente em Gaza, onde dois milhões de pessoas vivem sob um cerco sufocante há mais de uma década. Infelizmente, seus piores temores acabaram por ocorrer: a descoberta de dezenas de casos de coronavírus na Faixa de Gaza e na Cisjordânia.

Em 2012, a Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina alertou que a Faixa de Gaza seria inabitável até 2020. Anos de um cerco devastador e uma série de conflitos militares que tiravam a vida de milhares atingiram o enclave com miséria e pobreza, trazendo à juventude desemprego de até 75% e colocando a economia de joelhos. O atual sistema sanitário e de saúde na faixa de Gaza está extremamente esgotado, carece de recursos, equipamentos e materiais básicos que seriam necessários não apenas para combater uma grande pandemia, mas para simplesmente tratar pacientes normais do dia-a-dia. Um grande surto de COVID-19 na faixa de Gaza levaria a um efeito desastroso e provavelmente causaria um número de mortes maior do que todos os conflitos militares anteriores juntos.

Em 26 de março de 2020, as Nações Unidas anunciaram que facilitariam a entrega de um total de 1200 kits de testes para COVID-19 nos hospitais de Gaza para ajudar a combater o surto. Quase 1636 pessoas que chegaram a Gaza através da fronteira de Rafah ou do posto de controle de Beit-Hanoun (Erez) foram colocadas em quarentena obrigatória em 22 centros ao redor da Faixa de Gaza, incluindo escolas, hotéis e centros de saúde. Atualmente, 505 pessoas estão confinadas em casa. Na faixa de Gaza, cada indivíduo tem uma média de 0,18 metros quadrados de espaço pessoal, o que colocaria os habitantes de Gaza em agrupamentos involuntários de redes sociais interconectadas. Uma pessoa pode transmitir facilmente a doença a dezenas de familiares e vizinhos que moram nas proximidades, em casas coladas lado a lado. Em uma das áreas mais densamente povoadas do mundo, a família média tem cerca de 6 membros e a maioria da população vive em lares familiares ampliados, com 20 membros ou mais. Medidas mais rigorosas devem ser tomadas para conter o vírus ou conseqüências catastróficas acontecerão como Gaza nunca viu antes.

Quando surgiram as notícias dos casos confirmados, os habitantes de Gaza começaram a tomar medidas de precaução para proteger a si e a seus familiares de infecções. No entanto, com a falta de recursos e equipamentos suficientes, os habitantes de Gaza tinham apenas uma outra maneira de lidar com o estresse: cinismo e comédia sombria. Das postagens do Facebook às hashtags do Twitter, os habitantes de Gaza reagiram à ironia de serem aconselhados pela Autoridade Palestina a não viajar, enquanto viviam sitiados e proibidos de fazê-lo por mais de uma década. Outros reagiram com sarcasmo a avisos de isolamento para fechar negócios e lojas e entrar em confinamento, imaginando como eles proveriam a seus filhos quando há pouca atividade comercial em uma economia em dificuldades, mesmo antes da chegada do vírus.

Em Gaza, mais de 50% da população está desempregada; a porcentagem é de 75% para os jovens, o que deixa desesperados milhares de trabalhadores da agricultura, transporte, varejo e outras indústrias (o PIB per capita de Israel é quase 30 vezes o de Gaza). Prevê-se que as taxas de desemprego aumentem devido a grandes bloqueios das atividades comerciais e econômicas. As autoridades de Gaza já fecharam mesquitas para oração, encerraram eventos e atividades envolvendo qualquer reunião de pessoas; entrada limitada no porto de Gaza para pescadores sob restrições rígidas e mercados de rua fechados. Essas decisões foram vistas como um mal necessário para evitar um grande surto. No entanto, eles significarão um golpe doloroso para uma economia fraca. Na ausência de um plano de resgate econômico, mais moradores de Gaza sofrerão.

No caso de um grande surto de COVID-19 na Faixa de Gaza, os números traçam uma imagem sombria: de acordo com o escritório da OMS em Gaza, existem apenas 62 ventiladores respiratórios na Faixa de Gaza. Eles representam muito menos do que o necessário para combater o vírus, e muitos deles atualmente não funcionam corretamente. Existem apenas 2.313 leitos hospitalares disponíveis para uma população inteira de mais de 2 milhões de pessoas, com a capacidade diminuindo para menos de 0,5 leitos hospitalares por 1.000 indivíduos. Isso se compara a mais de 4,6 camas na Suíça, 3,3 camas na Itália e 3 camas na Espanha, os países mais afetados pela COVID-19 na Europa. Atualmente, existem 60 unidades de terapia intensiva em toda a Faixa, 40 das quais estão atualmente ocupadas. O custo de preparar uma única unidade de terapia intensiva é de quase 50 mil dólares. O custo de um único kit de teste é de quase 5 mil dólares. Atualmente, os hospitais de Gaza não têm recursos financeiros para equipar-se com equipamentos e materiais básicos suficientes, como máscaras faciais. Em resumo, um cenário de surto semelhante ao da Europa ou da China será uma sentença de morte para a Faixa de Gaza.

A cadeia de suprimentos ficará ainda mais exausta sob um bloqueio iminente, com grandes dificuldades logísticas de transporte de alimentos, remédios e outros itens essenciais diariamente para famílias e lojas da Faixa. Os impactos negativos dos cortes de eletricidade e a falta de acessibilidade à água potável também podem ser fatais. ONGs, empresas do setor privado, trabalhadores independentes e estudantes aumentaram sua dependência da Internet para trabalhar em casa ou estudar. No entanto, muitas famílias na Faixa de Gaza não têm um smartphone ou uma conexão à Internet.

Para reduzir a probabilidade de um grande surto na Faixa de Gaza, a comunidade internacional precisa reconhecer as dificuldades que temos pela frente. A autoridade do Hamas na Faixa de Gaza atualmente não é reconhecida pelos EUA, pela UE ou por Israel. As duas principais portas de entrada na Faixa de Gaza são Kerem Shalom e Erez, ambas sob total controle israelense. O surto de Covid-19 não leva em consideração fronteiras, ideologia ou etnia. Ele transcende a todos, ataca todos os humanos. Israel e o Hamas devem cooperar entre si para manter um ao outro seguro. Israel parece já ter entendido o desafio que se aproxima e, portanto, facilitou a entrada de kits de teste e outros equipamentos médicos essenciais nos últimos dias na Faixa de Gaza. Por outro lado, o Hamas reconheceu que poderia haver uma oportunidade política que pudesse aproveitar: provando sua capacidade de conter o vírus com medidas responsáveis e uma gestão inteligente, eles poderiam ser vistos como competentes e mais legítimos.

No entanto, o surto de COVID 19 mostrou não apenas a Israel e o Hamas, mas também a muitos países avançados ao redor do mundo, que deveriam ter investido mais em infraestrutura de saúde e saneamento, em vez de dedicar orçamentos inteiros à defesa e à guerra. A estabilidade econômica é um fator essencial adicional para conter um vírus: Gaza perdeu muitos de seus profissionais, principalmente médicos e enfermeiros, que emigraram para o exterior devido a condições econômicas adversas.

A crise do COVID trouxe a importância vital do investimento em saúde como um fator crucial no bem-estar econômico no nível individual e social. O vírus não conhece fronteiras; como tal, também enfatizou o imperativo da cooperação mútua, que, talvez ironicamente, poderia criar aberturas políticas antes consideradas impossíveis.

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