Pesquisar
, ,

América Latina: Chile e Bolívia prometem outubro quente de mobilizações e golpismo

Com Plebiscito e eleição no Chile e Bolívia, destinos da América Latina serão traçados pelo enfrentamento e mobilização das massas.

Com Plebiscito e eleição no Chile e Bolívia, destinos da América Latina serão traçados pelo enfrentamento e mobilização das massas. Por Pedro Marin | Revista Opera
(Foto: Paulo Slachevsky)

O mês de outubro será marcado na América Latina por dois eventos de grande importância regional. A Bolívia, no dia 18 de outubro, deve enfim viver suas eleições depois de quase um ano de um governo imposto pela força das armas. A data marcará também, no Chile, o aniversário de um ano dos protestos de massa que colocaram o presidente Sebastián Piñera contra a parede, e uma semana depois, no dia 25 de outubro, os chilenos votarão em um Plebiscito para definir se querem uma nova Constituição.

Bolívia: Boleta o Balazo, de novo?

As eleições na Bolívia serão marcadas acima de tudo pelo tema econômico. É o que demonstra uma pesquisa realizada pelo Centro Estratégico Latino Americano de Geopolítica (CELAG), na qual 53,4% da população elege os temas da economia e emprego como principais problemas do país, seguidos pela crise sanitária (20,5%), a corrupção (19,8%) e conflito político (4,6%). O problema da fome é apontado como extremo por 72,6% do eleitorado, contra 25,8% que o considera difícil, mas que acredita que “não há uma maioria” que esteja passando fome.

Na pesquisa CELAG, o economista Luis Arce, do Movimento Ao Socialismo (MAS) tem 44,4% dos votos válidos, seguido por 34% do ex-presidente Carlos Mesa e 15,2% do líder de extrema-direita Fernando Camacho, presidente do Comitê Cívico de Santa Cruz. Se a pesquisa se confirmasse nas cabines de votação, Arce venceria no primeiro turno – na Bolívia, basta que o primeiro candidato tenha 40% dos votos válidos e uma vantagem de 10% em relação ao segundo colocado, ou 50% dos votos válidos mais um, para que não haja segundo turno. No entanto, se houvesse segundo turno, a mesma pesquisa aponta que Mesa venceria com 44,6% dos votos, contra 42,4% de Arce.

Seja como for, em um país governado há quase um ano por uma presidente golpista, o que menos importa nas eleições de 18 de outubro são os votos. Na Bolívia, ainda são as balas que contam. A tese da “fraude” em outubro de 2019, já demonstrada uma falsificação por pesquisadores do CEPR, CELAG e MIT, segue vivo na boca de todos os candidatos, com exceção, é claro, de Arce. Camacho, peça chave na mobilização golpista de novembro passado, segue tendo muita popularidade no departamento de Santa Cruz (40% das intenções de voto), e manteve durante a campanha um discurso intransigente, segundo o qual o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) da Bolívia seguia sendo conivente com as “fraudes” do MAS.

Não seria de se impressionar, portanto, se o dia 18 de outubro fosse seguido por novas movimentações golpistas. De fato, a rede de comunicação popular REDCOM denunciou recentemente que militares bolivianos ligados à Coordenação Nacional Militar (CNM), movimento de ultradireita militar, estariam planejando operações violentas de falsa bandeira para a data. “São muito preocupantes as informações sobre a organização de situações de violência para impedir que se realizem as eleições na Bolívia. Chamamos à comunidade internacional para que monitore esses alertas, e ao povo, para que não caia em provocações”, disse o ex-presidente Evo Morales em seu Twitter.

Chile: Votar para mudar?

A semanas do aniversário de um ano do início da onda de protestos que motivou contínuas medidas de exceção no Chile e que levou a popularidade do presidente Sebastián Piñera a cerca de 9%, o povo chileno volta a ocupar as ruas em preparação ao Plebiscito de 25 de outubro.

É bom notar que, como com as eleições bolivianas, o Plebiscito, que estava originalmente marcado para abril, também foi postergado em função da pandemia. De fato, ela foi a maior aliada que Piñera teve desde o ano passado – sua popularidade subiu para 25% em abril desse ano, e ela chegou precisamente em março, mês que prometia o maior nível de agitação popular desde 2019. Depois de contínuos erros no manejo da revolta do povo chileno, que sequer com a promessa de Plebiscito se deteve, Piñera conseguiu, com a pandemia, uma espécie de estado de sítio apolítico (indo do estado de sítio, no final do ano passado, ao “estado constitucional de exceção por catástrofe”; ambos deixando aos militares o controle da ordem pública e o estabelecimento de toques de recolher). “A pandemia joga relevância na crise da saúde enquanto o confinamento detém os protestos pela desigualdade”, observou corretamente o The Guardian. Mas, agora, a panela de pressão do confinamento pode voltar a apitar e explodir.

Leia também – América Latina rebelada: A Projeção Continental do Povo e a geopolítica da força

Apesar de uma resposta pretensamente responsável a princípio, os casos de infecção por coronavírus começaram a explodir em meados de maio, e hoje o país é o 8º no mundo em mortes relativas (em relação ao tamanho da população – 680 mortos para cada 1 milhão). Os problemas históricos de desigualdade e pobreza no Chile, que motivaram os protestos em novembro, se juntaram à pandemia. O ministro da Saúde Jaime Mañalich chegou a admitir que desconhecia o nível de pobreza que existia em algumas partes de Santiago. Acabou se demitindo.

Na última sexta-feira, durante uma manifestação, um jovem de 16 anos foi empurrado de uma ponte por um carabinero (policial militar), caindo no rio Mapocho e ficando inconsciente. A violência levou manifestantes às ruas de Santiago de novo no sábado, domingo e nesta segunda-feira.

Enquanto isso, é dada como certa a aprovação de um novo processo constitucional. De acordo com pesquisa realizada pela Encuesta Criteria, 72% dos chilenos votarão pela aprovação de uma nova constituição, contra 19%. Deverão responder também se preferem a forma de convenção mista (com partes iguais dos membros do Congresso e eleitos popularmente, especificamente para a nova constituição) ou constitucional (totalmente formada por membros eleitos popularmente). De acordo com a mesma pesquisa, 59% se inclinam à opção constitucional, contra 28% que se preferem a convenção mista. Outra pesquisa, realizada pela Activa Research, estima em 75,1% os eleitores favoráveis a uma nova Constituição e em 57% aqueles que votarão pela convenção constitucional.

A despeito da importância do acontecimento, que pode enterrar, enfim, a Constituição pinochetista de 1980, sob a qual se assenta até hoje o neoliberalismo chileno, há razões para se preocupar. Como o Partido Comunista Chileno Ação Proletária (PC-AP) e o Partido Comunista Chileno (PCCh) têm relembrado, os regulamentos e as regras constitucionais do órgão constituinte deverão ser aprovados por um quórum de dois terços dos seus membros em exercício; um quórum bastante difícil de ser atingido e que poderá implicar em enormes concessões, visto que setores da direita se mobilizarão para capturar ao menos 1/3 da Assembleia Constituinte e impedir reformas mais profundas. Além disso, parece evidente que o chamamento ao Plebiscito, em novembro de 2019, foi mais a última atitude possível de um presidente frente a uma situação quase insurrecional do que uma concessão democrática – o fato da aprovação final da Constituição poder se estender até 2022 dá a ele e os setores que representa bastante tempo para agir, em um contexto de abrandamento da revolta.

Mais do que a chegada a um destino, Chile e Bolívia dão neste outubro os primeiros passos em duas longas e duras estradas, nas quais a sobrevivência das massas e a construção da esperança dependerão fundamentalmente de sua capacidade de mobilização e enfrentamento, não dos votos e intenções.

Continue lendo

O então comandante do Exército, Freire Gomes, ao lado do então presidente, Jair Bolsonaro, durante desfile de 7 de setembro em Brasília, em 2022. (Foto: Alan Santos/PR)
Freire Gomes: no depoimento de um “legalista”, o caminho para a impunidade militar
Mural anti-imperialista pintado na Embaixada dos EUA em Teerã após a crise dos reféns. (Foto: Phillip Maiwald (Nikopol) / Wikimedia Commons)
Sanções como guerra civilizacional: o custo humanitário da pressão econômica dos EUA
Em diferentes contextos, líderes de extrema direita promovem um modelo de governança que algema o Estado de suas funções redistributivas, enquanto abre caminho para que o cripto-corporativismo baseado em IA opere livremente – às vezes até promovendo seu uso como política oficial do Estado. (Foto: Santiago Sito ON/OFF / Flickr)
Por que a extrema direita precisa da violência

Leia também

São Paulo (SP), 11/09/2024 - 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo no Anhembi. (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)
Ser pobre e leitor no Brasil: um manual prático para o livro barato
Brasília (DF), 12/02/2025 - O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, durante cerimônia que celebra um ano do programa Nova Indústria Brasil e do lançamento da Missão 6: Tecnologias de Interesse para a Soberania e Defesa Nacionais, no Palácio do Planalto. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O bestiário de José Múcio
O CEO da SpaceX, Elon Musk, durante reunião sobre exploração especial com oficiais da Força Aérea do Canadá, em 2019. (Foto: Defense Visual Information Distribution Service)
Fascista, futurista ou vigarista? As origens de Elon Musk
Três crianças empregadas como coolies em regime de escravidão moderna em Hong Kong, no final dos anos 1880. (Foto: Lai Afong / Wikimedia Commons)
Ratzel e o embrião da geopolítica: a “verdadeira China” e o futuro do mundo
Robert F. Williams recebe uma cópia do Livro Vermelho autografada por Mao Zedong, em 1 de outubro de 1966. (Foto: Meng Zhaorui / People's Literature Publishing House)
Ao centenário de Robert F. Williams, o negro armado
trump
O Brasil no labirinto de Trump
O presidente dos EUA, Donald Trump, com o ex-Conselheiro de Segurança Nacional e Secretário de Estado Henry Kissinger, em maio de 2017. (Foto: White House / Shealah Craighead)
Donald Trump e a inversão da estratégia de Kissinger
pera-5
O fantástico mundo de Jessé Souza: notas sobre uma caricatura do marxismo
Uma mulher rema no lago Erhai, na cidade de Dali, província de Yunnan, China, em novembro de 2004. (Foto: Greg / Flickr)
O lago Erhai: uma história da transformação ecológica da China
palestina_al_aqsa
Guerra e religião: a influência das profecias judaicas e islâmicas no conflito Israel-Palestina