Pesquisar
, ,

O dilema da oposição argentina

É evidente o dilema da oposição na Argentina: a estratégia desestabilizadora e a estratégia “moderada” necessitam-se, porém se excluem.

É evidente o dilema da oposição ao governo na Argentina: a estratégia desestabilizadora e a estratégia “moderada” necessitam-se, porém se excluem. Por Alfredo Serrano Mancilla | Celag – Tradução de Gideão Gabriel Oliveira Feliciano para a Revista Opera, com revisão de Rebeca Ávila
(Foto: Casa Rosada)

Reposicionar-se no mapa político, depois de uma derrota eleitoral, nunca é uma tarefa simples. A oposição argentina encontra-se na busca do seu próprio caminho depois de não conseguir, em outubro do ano passado, o segundo mandato presidencial — apesar de ter obtido quase 11 milhões de votos, ou seja, quase um terço do eleitorado (equivalente a 40,2 % de votos válidos). 

Indubitavelmente, este apoio cidadão teve um sabor agridoce; a fórmula da coalizão Cambiemos [do ex-presidente Mauricio Macri] tinha melhorado nitidamente em relação ao primeiro turno de 2015, tanto em valores absolutos (mais de dois milhões de votos) quanto em valores relativos (melhora de cinco pontos, de 26% a 31% dos votos válidos); esta melhora, contudo, não lhe foi suficiente. 

Quase um ano após essa derrota, a oposição argentina enfrenta um dilema estratégico que vai além de nomes e sobrenomes, e de movimentos táticos.

Podemos distinguir duas posturas estratégicas em disputa neste espaço político:

1 – Ação desestabilizadora, baseada em uma linha “radical’’ de confrontação, que interpela a totalidade; nada propositiva; muito televisionada; com um discurso áspero, por vezes muito distante do espírito democrático; empenhada em alcançar um “boicote de curto prazo’’; na permanente busca de um clima desestabilizador; focalizado contra o kirchnerismo (quer Cristina presa); e, há alguns meses, começa também a criticar Alberto Fernández fortemente, chamando-o de “autoritário, fantoche, etc.’’. 

2 – A rivalidade moderada. Confronta pontualmente e com críticas cirúrgicas. É menos “tuiteira’’; escolhe um tom tão “amigável’’ que às vezes chega a soar artificial; às vezes acena à função do Estado e do âmbito social, embora seja unicamente em seu plano discursivo; pensa a médio prazo; está menos focada no kirchnerismo; mantém uma relação ambígua com o presidente: não se fecha ao diálogo, mas tampouco o apoia.                                     

A postura desestabilizadora sintoniza em torno de 20% a 25%, que são pseudomilitantes  contra o kirchnerismo, fortemente ideologizados. Estes contam com a vantagem de se estabelecerem como grupo coeso e ativo. Têm grande semelhança aos 22% que se autopercebem, sem problemas, como de direita (segundo uma pesquisa Celag de agosto de 2020). Entretanto, esta estratégia possui um grande inconveniente: não tem possibilidade alguma de crescer para além da sua própria fronteira.

A única maneira de ampliar este espaço é recorrer à segunda estratégia pela via de uma “posição mais moderada’’, que poderia aglutinar até 35% do eleitorado, permitindo-lhe chegar à reta final com possibilidades reais de competir — e com possibilidades de ganhar — nas próximas eleições presidenciais de 2023. Apesar disso, essa opção estratégica corre o risco de dispor de uma massa eleitoral disforme, heterogênea, sem identidade política clara, menos coesa e menos ativa; além de poder fragmentar-se muito, ou inclusive dissolver-se se não existir um claro vetor de fatores comuns para união. Eis aqui o real dilema da oposição na Argentina: duas estratégias que necessitam uma da outra, mas que conjuntamente são excludentes entre si.

Apesar deste latente dilema, por ora não há duas oposições. Até este momento, há um único bloco opositor comum com um mesmo corpus ideológico: o neoliberal. Não há nenhum tipo de diferença significativa no que diz respeito aos temas centrais de agenda, como demonstraram durante o considerável período em que governaram a Argentina. No entanto, a tensão no seu interior cresce, e ainda não sabemos se este dilema estratégico provocará, no futuro, alguma fissura maior que acabe rompendo este espaço. Para ter a resposta deste enigma é melhor aguardar o momento de definição das candidaturas. Esse período pré-eleitoral nunca é o mais propício para administrar grandes divergências estratégicas. Não obstante, prevalecerá seguramente a maior força que os une: evitar que o Frente de Todos siga governando.

Veremos qual é o devir da atual oposição argentina em seu labirinto.

Continue lendo

Rio de Janeiro (RJ), 06/07/2025 - Foto oficial do BRICS com seus membros. Da esquerda para direita: Sergei Lavrov (Rússia), Khaled bin Mohamed Al Nahyan (Emirados), Prabowo Subianto (Indonésia) Cyril Ramaphosa (África do Sul) Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil) Narendra Modi (Índia) Li Qiang (China) Abiy Ahmed (Etiópia) Mostafa Madbouly (Egito) Abbas Araghchi (Irã) (Foto: Joédson Alves/Agência Brasil)
BRICS na encruzilhada: a cúpula que expôs seu poder (e divisões)
Segundo o relatório da Oxfam, desde 2015 apenas três mil bilionários viram suas fortunas engordarem 6,5 trilhões de dólares. (Foto: Domínio Público / PxHere)
Frei Betto: o poder do capital privado e a submissão do Estado
Lênin em 1920. (Foto: Pavel Semyonovich Zhukov / Domínio Público)
Lênin na América

Leia também

São Paulo (SP), 11/09/2024 - 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo no Anhembi. (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)
Ser pobre e leitor no Brasil: um manual prático para o livro barato
Brasília (DF), 12/02/2025 - O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, durante cerimônia que celebra um ano do programa Nova Indústria Brasil e do lançamento da Missão 6: Tecnologias de Interesse para a Soberania e Defesa Nacionais, no Palácio do Planalto. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O bestiário de José Múcio
O CEO da SpaceX, Elon Musk, durante reunião sobre exploração especial com oficiais da Força Aérea do Canadá, em 2019. (Foto: Defense Visual Information Distribution Service)
Fascista, futurista ou vigarista? As origens de Elon Musk
Três crianças empregadas como coolies em regime de escravidão moderna em Hong Kong, no final dos anos 1880. (Foto: Lai Afong / Wikimedia Commons)
Ratzel e o embrião da geopolítica: a “verdadeira China” e o futuro do mundo
Robert F. Williams recebe uma cópia do Livro Vermelho autografada por Mao Zedong, em 1 de outubro de 1966. (Foto: Meng Zhaorui / People's Literature Publishing House)
Ao centenário de Robert F. Williams, o negro armado
trump
O Brasil no labirinto de Trump
O presidente dos EUA, Donald Trump, com o ex-Conselheiro de Segurança Nacional e Secretário de Estado Henry Kissinger, em maio de 2017. (Foto: White House / Shealah Craighead)
Donald Trump e a inversão da estratégia de Kissinger
pera-5
O fantástico mundo de Jessé Souza: notas sobre uma caricatura do marxismo
Uma mulher rema no lago Erhai, na cidade de Dali, província de Yunnan, China, em novembro de 2004. (Foto: Greg / Flickr)
O lago Erhai: uma história da transformação ecológica da China
palestina_al_aqsa
Guerra e religião: a influência das profecias judaicas e islâmicas no conflito Israel-Palestina