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Rumo à terceira onda: a nova cepa do coronavírus no Reino Unido e a política do caos

No Reino Unido, gestão do coronavírus é marcada por seguidas trapalhadas de Johnson. Agora uma nova cepa do vírus entra na lista de aflições.
No Reino Unido, gestão do coronavírus é marcada por seguidas trapalhadas de Johnson. Agora uma nova cepa do vírus entra na lista de aflições. Por Gabriel Deslandes | Revista Opera
(Foto: Tim Dennell)

Filas quilométricas de engarrafamento nas proximidades do Porto de Dover com mais de 10 mil caminhões impedidos de cruzar o Canal da Mancha. Multidões correndo para estações de trem e o Aeroporto de Londres para fugir da capital inglesa antes que novas restrições sanitárias entrassem em vigor. Milhões de britânicos confusos às vésperas do Natal com as reviravoltas nos planos do governo Boris Johnson para conter o avanço da pandemia. Enquanto isso, uma nova variante da Sars-Cov-2, que pode ser entre 50% e 74% mais contagiosa e foi classificada pelo secretário de Saúde, Matt Hancock, como “fora de controle”, se propaga rapidamente no sudeste da Inglaterra.

Esse cenário caótico marcou a virada de ano para 2021 no Reino Unido e condiz com o risco iminente previsto por cientistas e autoridades de saúde desde novembro: uma terceira onda da Covid-19. Mesmo sendo o primeiro país a iniciar a campanha de vacinação em massa com o imunizante da Pfizer/BioNTech, os britânicos continuam enfrentando o agravamento do contágio do coronavírus, acumulando recordes diários de novos casos detectados e de pessoas hospitalizadas que superam os números da primeira onda em abril.

Esse quadro foi possivelmente potencializado pela sucessão de erros e incongruências levadas a cabo pelo governo Boris Johnson. Decisões políticas inconsequentes e repentinamente revertidas valeram a comparação, feita pelo jornalista Patrick Cockburn, do primeiro-ministro conservador com o general Sir Douglas Haig, comandante do Exército britânico na França durante a Primeira Guerra Mundial. Segundo o jornalista, Haig protagonizou o maior desastre na história militar britânica, quando, em 1º de julho de 1916, “atacou a linha de frente alemã no Somme em uma ofensiva mal planejada e ambiciosa demais”. Por conta de um planejamento exageradamente otimista, o general subestimou a força do inimigo e ordenou que seus soldados avançassem sobre os alemães, sendo massacrados por metralhadoras e fogo de artilharia.

Na analogia de Cockburn, Boris Johnson se assemelha com Haig pelo excesso de confiança em seu enfrentamento à Covid-19, ignorando orientações de seu próprio gabinete e de conselheiros próximos. A consequência direta é visível no número de vidas perdidas no Reino Unido para a doença.

Da “imunidade de rebanho” às milhares de mortes

Se, por um lado, não se sabe quantos soldados britânicos teriam sobrevivido se o general Haig não tivesse errado no Somme, por outro, é possível precisar a influência letal do governo britânico. Em maio, o ex-conselheiro científico chefe das administrações Tony Blair e Gordon Brown, David King, alertou que 40 mil mortes poderiam ter sido evitadas “se o governo tivesse reagido com responsabilidade”. Ele considera que, na primeira onda, demorou-se para impor restrições para evitar a propagação do vírus, investindo inicialmente na estratégia da “imunidade de rebanho”.

À época, essa escolha política, que depois se mostrou desastrosa, foi estimulada pelo então assessor do primeiro-ministro e ex-diretor da campanha pelo Brexit, Dominic Cummings, junto ao médico-chefe do Departamento de Saúde e Assistência Social, Chris Whitty, e o principal consultor científico do governo, Patrick Vallance – estes dois últimos lideram o Conselho Consultivo Científico para Emergências (SAGE), órgão responsável por dar apoio científico e técnico ao governo em situações de emergência. Em março, Vallance chegou a defender a abordagem inicial do governo no combate ao vírus, afirmando publicamente que ela poderia ter como benefício gerar a “imunidade de rebanho para que mais pessoas ficassem imunes”. Mesmo no início de abril, enquanto a pandemia avançava, ainda havia membros do governo defendendo essa estratégia.

O mesmo SAGE liderado por Vallance, que alegou depois que a “imunidade de rebanho” nunca foi a política oficial do governo, previu que o Reino Unido poderia chegar em dezembro com até 13 mil mortes a mais se não fossem introduzidas medidas mais rígidas contra a pandemia. É o que denunciaram especialistas médicos e cientistas membros do comitê consultivo ao jornal The Times, que, em reportagem, relataram um encontro de emergência do SAGE com o primeiro-ministro realizado ainda em 21 de setembro na Downing Street. O comitê consultivo orientou firmemente a adoção de um novo lockdown para interromper a cadeia de transmissão do coronavírus. Porém, segundo The Times, Boris Johnson parecia mais interessado em “salvar a economia”. “Não tenho simpatia pelo governo que comete o mesmo erro duas vezes. Dissemos a eles claramente o que era preciso fazer para que [o lockdown] funcionasse. Eles não fazem isso. Foi uma ilusão o tempo todo”, contou um dos cientistas ao jornal.

Àquela altura, os equívocos cometidos se acumulavam. Ainda em março, por exemplo, o governo permitiu que o Festival de Cheltenham, um dos eventos de hipismo mais importantes da Europa, transcorresse normalmente, reunindo mais de 250 mil visitantes, o que contribuiu para a propagação do vírus. Outra falha, apontada pelo jornalista Patrick Cockburn, está no sistema de detecção e rastreio de infecções de Covid-19, o NHS Test and Trace, usado para monitoramento da disseminação do vírus. Implantado para dar direcionamento às políticas de prevenção e eliminar a necessidade de lockdowns com ações mais localizadas, o sistema abarca a administração de testes, processamento de amostras em laboratórios e rastreamento de contatos. Contudo, esse programa resultou extremamente caro – 22 bilhões de libras – e teve um impacto marginal na taxa de infecção, de acordo com um relatório do próprio SAGE.

Na mesma linha, sem controle geral sobre o crescimento de casos, o governo Boris Johnson mantém sua política de relutância e recuos na tomada de decisões mais duras para impedir a proliferação do vírus. Como ressaltou o articulista do portal Socialist Action, Mark Buckley, as flexibilizações anunciadas para dezembro faziam parte das escolhas com potencial claro de agravar o número de hospitalizações e óbitos.

Casos diários de Covid-19 até o término do segundo lockdown (Fonte: Our World Data)

Buckley alertou que, quando o primeiro lockdown começou, em 23 de março, a média móvel semanal de casos era de 1.293, e a de mortes era de 43. Já o segundo lockdown começou em 2 de novembro, com uma média móvel semanal de 22.754 casos e 265 mortes. Contudo, esse segundo lockdown terminou quando a média móvel semanal estava em 15.082 casos e em 460 mortes [ver Gráficos 1, acima, e 2, abaixo]. Quando se leva em conta que a detecção da Covid-19 costuma ocorrer entre 10 a 14 dias após a contaminação, era previsível um novo aprofundamento da pandemia perto do Natal.

Óbitos diários por Covid-19 até o término do segundo lockdown (Fonte: Our World Data)

“Cancelando o Natal”

A possibilidade de alta da contaminação na temporada natalina fez o SAGE emitir um novo alerta ao governo sobre a necessidade de manutenção das restrições no Reino Unido. Um documento do Grupo Científico de Influenza Pandêmica em Modelagem (SPI-M), divulgado em 27 de novembro, apresentou advertências severas quanto às consequências da aglomeração de pessoas durante as festas de fim de ano: “A SARS-Cov-19 demonstrou taxas altas de ataque secundário em domicílios (com estimativas de até 50% em um domicílio com um membro infectado)”.

O aviso veio no momento em que, pela primeira vez desde agosto, a taxa de transmissão da Covid-19 na Inglaterra havia voltado a ficar abaixo de 1. Naquela semana, sabia-se que o lockdown imposto no mês de novembro teve certo impacto nas taxas de infecção e nas internações hospitalares, mas seria preciso aguardar mais dias para que houvesse algum reflexo no número diário de mortes. De acordo com Mark Buckley, o número de novos casos e de mortes em novembro foi dez vezes maior do que quando o primeiro lockdown foi introduzido em março, que durou cerca de dez semanas e fez os casos caírem em 90%.

Ao mesmo tempo, com o término do segundo lockdown, em 2 de dezembro, Boris Johnson anunciou novas regras que atingiriam o feriado natalino. O governo impôs um sistema dividindo as regiões do país em três níveis distintos de restrições: no nível 1, de alerta médio, poderiam se encontrar até seis pessoas de famílias diferentes ao ar livre ou em ambientes fechados; no nível 2, de alerta alto, poderiam se encontrar até seis pessoas de famílias diferentes apenas ao ar livre; no nível 3, de alerta muito alto, não poderiam se encontrar seis pessoas de famílias diferentes, a não ser em locais específicos, como parques e instalações esportivas. Naquele momento, Johnson rejeitou a criação de um nível 4, de alerta máximo, apesar do apelo dos cientistas do SAGE.

Por esse esquema, mais de 1/3 dos ingleses passariam dezembro em áreas sob medidas restritivas mais duras. Segundo a BBC, cerca de 23 milhões de britânicos em 21 regiões estariam sob o nível 3, incluindo Birmingham, Leeds e Sheffield. A Ilha de Wight, Cornualha e Ilhas de Scilly, onde não houve nenhum caso de Covid-19 registrado no final de novembro, seriam as únicas áreas no nível 1, enquanto Londres e Liverpool ficariam no nível 2.

O que o novo plano anunciado por Johnson trouxe de único, todavia, foi uma flexibilização especial para a semana do Natal, medida acordada entre o governo e as administrações regionais – Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. Sob essas regras, estaria permitido que, entre os dias 23 e 27 de dezembro, os britânicos formassem “bolhas de Natal”, podendo reunir pessoas de até três famílias em residências, espaços públicos ao ar livre ou locais de culto sem ter que aderir às normas de distanciamento social.

Também foi autorizado que as pessoas viajassem normalmente por todo o Reino Unido durante o feriado, mesmo entre áreas de níveis distintos. Entretanto, essa política de “bolhas de Natal” foi considerada arriscada pelo SAGE: “Permitir que as famílias ‘borbulhem’ (ou seja, efetivamente formem uma única família maior e isolada) reduz os riscos, mas é muito suscetível que haja um pequeno número de contatos entre as bolhas. Quanto maior o número de famílias formando bolhas, maior o risco de contatos de ‘extra-bolha’”.

A despeito da advertência, Johnson manteve uma posição inflexível: “Quero deixar claro que não queremos, como eu disse, proibir o Natal, cancelá-lo. E acho que isso seria francamente desumano e contra os instintos de muitas pessoas neste país”. Em sessão de perguntas ao primeiro-ministro no Parlamento, ele se irritou com o líder da oposição trabalhista, Keir Starmer, ao ser questionado sobre o possível aumento da pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde (NHS) após as flexibilizações: “Gostaria que ele tivesse a coragem de dizer o que ele realmente quer fazer, que é cancelar os planos que as pessoas fizeram e cancelar o Natal. Acho que é isso que ele quer”.

A fala dos oposicionistas ressoava as preocupações da comunidade científica do país. Em uma iniciativa rara, o British Medical Journal (The BMJ) e o Health Service Journal (HSJ), duas das mais renomadas publicações de saúde no Reino Unido, publicaram um editorial conjunto – apenas o segundo em um século – instando o governo a abandonar os planos permitindo que as famílias se misturassem no Natal. O artigo classifica a política de relaxamento como um “grande erro que custará muitas vidas” e chamou a atenção para o aumento de internações hospitalares por Covid-19, sobrecarregando o NHS de modo a tornar uma terceira onda “quase inevitável”.

De acordo com o editorial, o NHS – que conta, ao todo, com cerca de 95 mil leitos – só teria condições de suportar a pressão de uma terceira onda caso o número de casos extras fosse similar ao da segunda onda. Porém, em decorrência do relaxamento das restrições, o número real poderia ser mais de 40 vezes maior. Os editorialistas reforçam que, na primeira quinzena de dezembro, logo após o lockdown de novembro, a quantidade de pessoas internadas com Covid-19 não parou de subir e poderia ultrapassar 19 mil pacientes até o Ano Novo – número superior ao pico de 18.974 em 12 de abril, durante a primeira onda. Esse cenário, de fato, veio a se concretizar em 28 de dezembro, quando o número de pacientes internados chegou a 20.426.

Outro fator em jogo, segundo The BMJ e o HSJ, é a pressão que o NHS sofrerá nos meses seguintes com os surtos sazonais de norovírus e o aumento de admissões de idosos frágeis. A rede pública de saúde britânica também experimentará o maior programa de vacinação de sua história, por meio de clínicas e hospitais já sobrecarregados. Mesmo se o NHS concluísse a vacinação na Inglaterra até a Páscoa, isso não evitaria o crescimento das hospitalizações e das mortes até lá.

Diante dessas previsões, as duas publicações científicas recomendaram a revisão do relaxamento das restrições, enquanto Johnson, em seu discurso em 16 de dezembro, procurava enfatizar como vitória política o início da campanha de vacinação: “Não há dúvida de que estamos vencendo e venceremos nossa longa luta contra esse vírus”. Nessa mesma data, Londres e outras regiões passaram para o nível 3 de restrições, e pubs e restaurantes foram novamente forçados a fechar. Sem alterar ainda as medidas sanitárias, o primeiro-ministro se limitou a exortar a população a evitar aglomerações e a ter um “pequeno Natal alegre”: “Estamos mantendo as leis iguais. Um Natal menor é um Natal mais seguro, e um Natal mais curto é mais seguro”.

Nova variante do coronavírus à solta

Todo esse planejamento sofreu uma reviravolta ao se descobrir a rápida proliferação de uma nova variante da Sars-CoV-2 pelo sudeste da Inglaterra. Surgida após mutações, essa variante de alta transmissibilidade se tornou a forma mais comum do coronavírus em boa parte do país – até meados de dezembro, a nova cepa foi detectada em quase todo o Reino Unido, com exceção da Irlanda do Norte. De acordo com as autoridades britânicas, até 62% dos novos contágios registrados em Londres respondem à variante, que se tornou a dominante.

Embora não haja indícios de que a nova cepa produza sintomas mais graves da doença ou maior mortalidade, ou que ela afete a eficácia da vacinação, o anúncio de sua propagação acelerada provocou reação imediata no exterior. Países da União Europeia impuseram o isolamento das Ilhas Britânicas, assim como a suspensão de conexões aéreas com o Reino Unido. A OMS também pediu aos Estados europeus para que “reforcem seus controles” contra a disseminação da variante.

Entre as ações tomadas, a França determinou o bloqueio de todo o transporte de passageiros e carga proveniente do Reino Unido, seja rodoviário, aéreo, marítimo ou ferroviário, por 48 horas a partir de 20 de dezembro. A medida provocou o fechamento do Eurotúnel, principal ligação entre o país e o Reino Unido pelo Canal da Mancha, e o terminal de balsas do Porto de Dover, em Kent, ponto da costa inglesa mais próximo da França, interrompeu todo o tráfego vindo do lado britânico. Assim, por alguns dias, os britânicos experimentaram um caos similar ao que teria sido um Brexit concluído sem acordo, com a circulação de pessoas e mercadorias bruscamente suspensa.

Esse bloqueio provocou a cena mais marcante do fim de 2020 no país: milhares de caminhões parados em engarrafamentos quilométricos tentando chegar ao Porto de Dover e impedidos de atravessar a fronteira. Caminhoneiros de vários países europeus ficaram aguardando dentro da cabine de seus veículos a liberação da passagem estacionados na pista, no frio, praticamente sem iluminação, sofrendo com a falta de mantimentos e sem saber quando poderiam retornar para o continente. Esperavam para fazer um teste de Covid-19, cujo resultado negativo permitiria a entrada na França. Essa interrupção do tráfego também provocou o risco de desabastecimento de produtos em lojas e supermercados poucos dias antes do Natal. O governo teve que mobilizar o Exército para ajudar na testagem rápida dos caminhoneiros, e houve embates de motoristas com a polícia.

É em meio a esse contexto que Johnson provocou mais confusão ao recuar nos planos para o Natal. Em 19 de dezembro, o primeiro-ministro anunciou o endurecimento das restrições no país visando conter a nova cepa da Covid-19. As regiões de Londres e do sul da Inglaterra, que estavam no nível 3 – até então o mais alto nível – passaram para um novo nível 4 ainda mais restrito. Isso fez com que fosse decretado o fechamento de estabelecimentos comerciais não-essenciais, como academias, cinemas e cabeleireiros, em Londres e em outras áreas, como Kent, Buckinghamshire e Berkshire.

Com as novas medidas, que passaram a valer à meia-noite do dia 20 de dezembro, não haveria autorização para que pessoas viajassem às áreas sob nível 4. Para quem residisse nas regiões de nível 1, 2 e 3, a permissão para que pessoas de até três famílias se encontrassem foi limitada ao dia de Natal. Dessa forma, a ideia das “bolhas de Natal” foi repentinamente frustrada para os moradores de Londres e do sudeste da Inglaterra. A mudança abrupta de regras gerou mais confusão por todo o país, e, no dia 19, ingleses das áreas afetadas correram para as estações de trem para escapar das restrições antes da meia-noite e embarcar nas viagens que haviam planejado. Com isso, londrinos protagonizaram um “mini-êxodo” da cidade, entrando às pressas em táxis e carros particulares e correndo para as estações de trem. O primeiro-ministro foi acusado ironicamente por parlamentares de provocar “a primeira evacuação de Londres desde 1939”, início da Segunda Guerra Mundial.

Certeza de uma terceira onda

Não é possível dizer que esse cenário foi uma completa surpresa para o governo britânico. Os Estados Unidos vêm sofrendo com a alta de infecções e mortes pela Covid-19 após milhões de norte-americanos se deslocarem pelo país e realizarem encontros em família no feriado do Dia de Ação de Graças. Além disso, o Escritório Nacional de Auditoria (NAO), órgão fiscalizador dos gastos públicos no Reino Unido, advertiu quanto ao risco de interrupções no tráfego na fronteira em Kent independentemente do resultado das negociações do Brexit. Os congestionamentos de milhares de caminhões, portanto, eram esperados para o final do ano, causados, sobretudo, pela falta de procedimentos alfandegários e a falta de novos controles fronteiriços para o pós-Brexit. A maior movimentação, de milhões de pessoas, com as férias escolares e universitárias, também servia de aviso para a iminência de uma terceira onda.

Enquanto isso, o Reino Unido faz parte dos países ocidentais que experimentam o recrudescimento da pandemia, e os dados de dias anteriores ao Natal evidenciaram que esse era um processo sincronizado – de acordo com o site Our World in Data, em 21 de dezembro, foram registrados 644 mil novos casos em todo o mundo. Desse total, 432 mil aconteceram nos EUA e na Europa, dos quais 29 mil no Reino Unido [ver Gráfico 3], ou seja, mais de 2/3 dos novos casos de Covid-19 em uma região que conta com somente 1/7 da população global. Somados os EUA e o Reino Unido, esses novos casos superam seis vezes ou mais os picos da primeira onda em abril. Em contraste, a China e a Coreia do Sul registraram, respectivamente, apenas três e 12 mortes por milhão de habitantes.

Casos diários de Covid-19 no mundo até o fim de dezembro de 2020 (Fonte: Our World Data)

Nesse contexto, o coronavírus continuou se espalhando por diferentes hospedeiros e sofrendo mutações em suas sequências genéticas. Apesar dos cientistas britânicos esperarem somente uma ou duas mutações na Sars-Cov-2, o fato de o Reino Unido ter ultrapassado a casa dos mais de dois milhões de pessoas contaminadas propiciou mais chances para o surgimento da nova variante do vírus. Na visão do professor de saúde na University College London, Anthony Costello, a disseminação dessa variante foi potencializada pelo governo graças a todas as flexibilizações nas medidas restritivas. Em artigo de opinião no The Guardian, ele exemplifica a demora na decretação do primeiro lockdown e os “bilhões desperdiçados na terceirização” do sistema de teste e rastreamento como cruciais para tamanho avanço da pandemia.

Diante das dificuldades em implantar a testagem e o distanciamento social, Johnson aposta na vacinação para o controle da doença no país. “O Reino Unido foi o primeiro país do mundo ocidental a começar a usar uma vacina clinicamente aprovada. Então, por favor, se o NHS entrar em contato com você, tome sua vacina e se junte às 350 mil pessoas em todo o Reino Unido que já tomaram sua primeira dose”, disse em uma coletiva de imprensa.

Todavia, o governo também tem enfrentado críticas quanto aos planos de vacinação. Funcionários do NHS relataram uma inversão no processo de imunização dos profissionais de saúde, em que as equipes administrativas de hospitais e clínicas gerais receberam a vacina antes dos médicos e enfermeiras que estão na linha de frente. Por isso, entidades como a Associação Médica Britânica (BMA) e a Associação de Médicos do Reino Unido (DAUK) tiveram que cobrar do governo igualdade no acesso à vacina para os profissionais mais vulneráveis ao alto risco de contaminação. A secretária da DAUK, Dr.ª Zainab Najim, enviou um comunicado ao secretário de Saúde britânico, Matt Hancock, expressando a preocupação dos médicos com a falta de orientações para o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) durante a campanha de imunização: “Sem uma política universal para vacinar quem está na linha de frente, tendo o paciente como uma prioridade para as equipes e sem nenhuma revisão das orientações atuais de EPIs, poderemos enfrentar doenças e ausências evitáveis da equipe durante os já difíceis meses de inverno”.

Também há a preocupação com atrasos na entrega da vacina da Pfizer/BioNTech para as unidades de saúde. Passados mais de 15 dias desde que a idosa Margaret Keenan se tornou a primeira paciente a se vacinar no país, mais da metade dos 135 hospitais de referência do NHS ainda não haviam recebido seus primeiros suprimentos. O presidente do Comitê de Clínicos Gerais da BMA, Dr. Richard Vautrey, pediu mais transparência por parte dos ministros: “Necessitamos que milhões de doses sejam disponibilizadas o mais rápido possível – com urgência – porque é a prioridade número um para as clínicas gerais, os nossos pacientes e a nação, especialmente devido à nova cepa mutante”.

Enquanto o governo britânico se atrapalha com suas próprias decisões no combate à Covid-19 – o Reino Unido começou 2021 sob um novo lockdown -, crescem os impactos sociais e econômicos provocados pela pandemia e a pressão pela adoção de uma estratégia Covid Zero, coordenando testagem em massa, rastreamento e vacinação. Porém, após os anúncios e recuos feitos para o período natalino que levaram confusão a milhões de britânicos, Boris Johnson e seu gabinete parecem não saber que soluções apresentar. Uma declaração de agosto do deputado Charles Walker, do mesmo Partido Conservador de Johnson, resume a situação: “Muitas vezes, parece que esse governo lambe o dedo e levanta no ar para ver para que lado o vento está soprando. Essa não é uma forma sustentável de conduzir os negócios de governo e de governar”.

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