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Como um ex-presidente colombiano foi pro fronte da luta eleitoral de Trump na Flórida

No último ano, o Uribismo foi parte fundamental para a vitória de Trump no estado da Flórida. Nesse ano, os colombianos se voltam ao Equador.

No último ano, o Uribismo foi parte fundamental para a vitória de Trump no estado da Flórida. Nesse ano, os colombianos se voltam ao Equador. Por Jeremy Ross | CEPR – Tradução de Caio Sousa para a Revista Opera, com revisão de Rebeca Ávila
(Foto: Joyce N. Boghosian / Casa Branca)

Os latino-americanos estão acostumados com a interferência do governo estadunidense em suas políticas. Ao longo dos anos, os EUA ajudaram a orquestrar uma série de golpes no hemisfério, sendo mais notórios os casos da Guatemala de Jacobo Árbenz em 1954 e o golpe militar contra o Chile de Salvador de Allende, em 1973. Mas há muitos exemplos mais recentes de intromissão, incluindo a interferência nas eleições do Haiti em 2010 e as ações do Departamento de Estado estadunidense que ajudaram o golpe em Honduras, em 2009.

No ano passado, os EUA provaram uma pequena dose do seu próprio veneno quando vários figurões da política colombiana que pertencem à direita governante do partido Centro Democrático, incluindo um ex-presidente do país, mergulharam seus pés nas águas eleitorais do estado da Flórida. Já foi reconhecido em vários meios de comunicação dos EUA, da Colômbia e dos veículos internacionais que tanto na política aberta, quanto nos bastidores, atores da direita colombiana apostaram fortemente na campanha de Trump na Flórida no ano passado e contribuíram para sua vitória no estado, apesar da derrota nacional do republicano.

As sementes desse esforço remontam a vários anos. O ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010), um líder de direita que as autoridades norte-americanas acreditavam ter ligações com grupos paramilitares colombianos responsáveis ​​por atrocidades aos direitos humanos, passou anos estabelecendo extensos contatos com vários políticos republicanos na Flórida, do senador Marco Rubio à congressista novata María Elvira Salazar, que Uribe apoiou durante sua campanha para o Congresso no ano passado. Senadores do partido de Uribe, o Centro Democrático – incluindo Juan David Vélez e María Fernanda Cabal – fizeram campanha abertamente para Trump, enquanto os assessores de Trump, incluindo a cubano-americana Mercedes Schlapp, aprenderam do plano de campanha de Uribe a ajudar a criar mensagens anti-socialistas em uma tentativa para angariar votos para Trump das comunidades da diáspora cubana, colombiana e venezuelana no sul da Flórida. Esses esforços representam um nível sem precedentes de intervenção da direita colombiana na política dos Estados Unidos, e um esforço do governo colombiano para expandir as ambições da sua política externa influenciando os resultados eleitorais em outros países do continente.

O próprio Uribe é uma figura altamente polarizadora na Colômbia e na região. Embora tenha deixado o cargo com altos índices de aprovação, seu governo teve abusos massivos aos direitos humanos. Sob Uribe, grupos militares e paramilitares colombianos, muitas vezes trabalhando em conjunto, se envolveram em vários massacres de civis desarmados. Vários membros da família de Uribe e aliados próximos teriam tido relações estreitas com forças paramilitares, e o próprio Uribe supostamente ajudou a criar um dos grupos paramilitares mais brutais da Colômbia na década de 1990.

Uribe tem feito campanha continuamente contra o acordo de paz com a insurgência das FARC, e ele e seus aliados têm procurado bloquear sua implementação desde sua aprovação pelo Congresso da Colômbia em 2016. Impedido por limites de mandato que o barravam de disputar a presidência novamente, Uribe escolheu o ex-funcionário do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Iván Duque, como porta-estandarte para a eleição de 2018, e Duque – que venceu a disputa – é amplamente considerado o substituto de Uribe.

Desde que deixou a presidência, Uribe se envolveu em uma série de escândalos de corrupção ligados ao seu mandato, e foi condenado à prisão domiciliar em 2020. Ele foi libertado poucos meses depois, supostamente devido em parte à forte pressão exercida pelo então vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, e os republicanos da Flórida. O presidente Trump tuítou uma mensagem de parabéns a Uribe quando sua prisão foi suspensa.

Não deveria ser nenhuma surpresa, então, que Uribe, Duque e a direita colombiana jogaram sua sorte na loteria com Trump e os republicanos da Flórida. Eles compartilham os objetivos comuns de expulsar Nicolás Maduro da Venezuela, por quase todos os meios. Trump, além de implementar novas sanções econômicas abrangentes contra a Venezuela, adotou uma abordagem linha dura, envolvendo ameaças de intervenção militar e apoio vigoroso a um possível golpe contra Maduro pelas forças armadas da Venezuela. Duque também é um falcão de guerra contra Venezuela, tendo pedido mais sanções ao país,  além de ter sido acusado de permitir que tropas militares venezuelanas dissidentes treinassem em território colombiano e lançassem uma invasão malfadada na Venezuela no início de 2020.

Dado este estreito alinhamento de visões sobre a Venezuela, não é surpreendente ver os republicanos no sul da Flórida abraçarem parte da retórica carregada usada pela direita na Colômbia. Junto com as denúncias de “socialismo” usadas contra os democratas da Flórida, a acusação de castrochavismo (referindo-se a um suposto projeto político conjunto entre os irmãos Castro e Hugo Chávez) tem se tornado cada vez mais frequente. Em outubro de 2016, após a derrota do acordo de paz no referendo daquele ano, Uribe fez campanha contra a ratificação do acordo de paz pelo Congresso colombiano no popular restaurante colombiano Mondongo’s em Doral, Flórida, uma cidade com forte presença venezuelana e colombiana. Ladeado por políticos republicanos, incluindo o senador Marco Rubio e o congressista Mario Díaz-Balart, Uribe agitou uma multidão de expatriados colombianos ao alertar que o castrochavismo chegaria à Colômbia caso o acordo fosse ratificado. Vários relatórios sugeriram que este foi o momento em que os republicanos do sul da Flórida perceberam que o rótulo do castrochavismo poderia ser eficaz entre cubanos, colombianos e venezuelano-americanos – blocos eleitorais cada vez mais importantes na Flórida. Como disse o analista político colombiano-americano Juan Pablo Salas: “As lições que o Uribismo aprendeu com o referendo na Colômbia foram traduzidas para os republicanos, que não tiveram problemas em aplicá-las no sul da Flórida”.

Não é por acaso, então, que as campanhas de 2018 na Flórida e na Colômbia tenham apresentado táticas de “isca vermelha” [red-baiting; acusar o oponente de socialista, comunista ou algo similar para desacreditá-lo] quase idênticas: o candidato republicano Ron DeSantis frequentemente se referia ao democrata Andrew Gillum como um “socialista” e advertia que, se eleito, Gillum transformaria a Flórida em uma “segunda Venezuela.” O próprio Uribe já havia usado exatamente a mesma retórica, alertando em 2016 que o acordo de paz transformaria a Colômbia em uma “segunda Venezuela”, e o medo de que políticos de esquerda estariam buscando transformar seus países em “outra Venezuela” se tornou uma tática política comum da direita em toda a América Latina, empregada contra figuras como Andrés Manuel López Obrador no México e Fernando Haddad no Brasil. Sem surpresa, quando o político de esquerda Gustavo Petro concorreu contra Duque à presidência em 2018, os colombianos foram avisados de que Petro, se eleito, faria o mesmo.

Ao mesmo tempo em que DeSantis chamava Gillum de perigoso “socialista”, Duque estava usando a mesma retórica contra Petro, a 2.414 quilômetros de distância. DeSantis derrotou Gillum por pouco, enquanto 70% dos colombiano-americanos que votaram nas eleições colombianas estando no exterior votaram em Duque em vez de Petro, em comparação com 54% na Colômbia. A suposta ameaça da Venezuela de Maduro (e de Chávez, antes dele) tem se tornado, cada vez mais, uma ferramenta útil não apenas na Colômbia, mas também na Flórida e na política dos Estados Unidos.

A “isca vermelha” só ficou mais estridente em 2020, com a campanha de Trump veiculando vários anúncios alegando que Joe Biden era o candidato preferido do governo venezuelano. Trump também atacou Biden por supostamente ser apoiado por Gustavo Petro, anunciando: “Biden é fraco contra o socialismo e trairá a Colômbia”, em um esforço transparente para atrair colombianos pró-Duque que vivem na Flórida e em outros lugares. Schlapp, a conselheira de Trump, divulgou um vídeo no qual afirmava que Gustavo Petro apoiava Biden, e que “Biden se cercou de socialistas como [Petro], incluindo Bernie Sanders e a comunista [sic] Karen Bass”.

Ao mesmo tempo, Trump recebeu o endosso de membros do partido de Uribe, incluindo a senadora María Fernanda Cabal e o deputado Juan David Vélez, que representa os colombianos no exterior, enquanto o próprio Uribe jogou peso pela campanha vitoriosa de María Elvira Salazar por uma cadeira no Congresso, representando o subúrbio de Miami.

Ao que tudo indica, esses esforços funcionaram bem entre os eleitores colombianos, venezuelanos e cubanos na Flórida. Alguns dos maiores ganhos de Trump em todo o país foram no sul da Flórida, e especialmente em cidades com grande presença colombiana e venezuelana, como Doral e Weston (Trump teve uma em Doral de mais de 30% em comparação com seu desempenho em 2016). No geral, Trump venceu na Flórida por 3,3 pontos percentuais (em comparação com 1,2 pontos percentuais em 2016), enquanto o Partido Republicano conquistou duas cadeiras na Câmara. Sondagens mostraram que Trump obteve 46% dos votos latinos na Flórida, uma proporção muito maior do que seu total nacional (32%). Também deve-se destacar que a margem geral de Trump na Flórida se expandiu, enquanto ele acabou perdendo espaço entre os eleitores brancos, em comparação com 2016 (62%, contra 64% em 2016).

É evidente que a direita colombiana, liderada por Álvaro Uribe e Iván Duque, está preparada para fazer um esforço significativo para fortalecer seus aliados no exterior. Como argumentou um analista colombiano: “Duque comprometeu seriamente a relação privilegiada que mantém com os Estados Unidos”. De fato, os democratas perceberam esses esforços: dois congressistas democratas, o novo presidente do Comitê de Relações Exteriores da Câmara, Gregory Meeks, e Ruben Gallego, escreveram um artigo em outubro de 2020 pedindo a Vélez e Fernanda Cabal que se abstivessem de fazer campanha por Trump: “temos uma mensagem muito clara para nossos homólogos colombianos: mostrem-nos respeito, não participem de nossas eleições.”

Isso foi no ano passado. Este ano, Duque e seus aliados de direita estão de volta: desta vez no vizinho Equador, onde as eleições presidenciais estão em andamento e um candidato de tendência de esquerda é o favorito.

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