Pesquisar
, ,

O fim da guerra no Afeganistão?

A nova promessa de Biden de retirar as tropas dos EUA do Afeganistão tem uma razão: pressionar o governo afegão para um acordo com o Talibã.

A nova promessa de Biden de retirar as tropas dos EUA do Afeganistão tem uma razão: pressionar o governo afegão para um acordo com o Talibã. Por Kaleigh O’Keefe | Liberation News – Tradução de Pedro Marin para a Revista Opera
(Foto: SSGT BETHANN CAPORALETTI, USAF)

De pé, ao lado de sepulturas de veteranos mortos na guerra do Iraque e do Afeganistão, o presidente norte-americano Joe Biden anunciou na última quarta-feira (14) que planeja retirar todas as tropas estadunidenses do Afeganistão até 11 de setembro de 2021.

“É hora de acabar com a guerra mais longa da América”, disse ele, acrescentando depois que se o Talibã atacasse as tropas dos EUA durante a retirada, “nós defenderemos nós e nossos parceiros com todas as ferramentas à disposição”.

A ocupação do Afeganistão dura duas décadas. Ela custou a vida de centenas de milhares de cidadãos e soldados afegãos, milhares de soldados norte-americanos, mais de 2 trilhões de dólares em gastos governamentais e deslocou mais de 6.5 milhões de pessoas de suas casas.

A administração Trump chegou a um acordo com o Talibã em 2020, no qual se estabelecia que todas as tropas seriam removidas até maio desse ano. Em março, o Talibã soltou uma declaração dizendo que se o governo dos Estados Unidos não cumprisse esse prazo, suas forças seriam “compelidas […] a continuar a Jihad e a luta armada contra as forças estrangeiras para liberar o país”.

É compreensível que muitos estejam aliviados com o anúncio de Biden. Ele foi apresentado como uma certeza, sem vaguidade sobre como o plano poderia mudar a depender de mudanças no campo de batalha.No entanto, há boas razões para ser cético – e claramente a necessidade do movimento antiguerra manter Biden sob pressão.

Depois de fazer campanha com uma plataforma progressista, que incluía o fim das guerras e a retirada das tropas, o ex-presidente Barack Obama acabou por aumentar vagarosamente o número de tropas no Afeganistão durante seus seis primeiros meses na Casa Branca. Depois, ele prometem começar a retirada em 2011, e mais tarde disse que as tropas seriam completamente removidas do país em 2014. Ao longo dos anos, o Pentágono diluiu o plano para uma retirada da maioria das tropas em 2015, e depois ter somente mil tropas em 2017.

A campanha presidencial de Donald Trump também prometeu trazer as voltas de volta. Mas no seu primeiro ano no cargo, ele também aumento o número de tropas no Afeganistão – além de Síria e Iraque – enquanto dava aos militares o poder de continuar a aumentar as tropas como eles preferissem, sem a necessidade de aprovação da Casa Branca. Trump também intensificou a mortal guerra aérea contra o país.

Hoje, há algo entre 2,5 mil e 3,5 mil tropas norte-americanas no Afeganistão, além de outras milhares de tropas da OTAN. Esses dados não incluem mercenários privados, que excedem o número de tropas regulares. A sua situação é uma detalhe ausente crucial no discurso de Biden.

Promessas quebradas o suficiente. O governo dos EUA deveria retirar todas as tropas do Afeganistão imediatamente – e de todos os outros países soberanos que ele ocupa com mais de 800 bases militares ao redor do globo – quer ou não eles encontrem resistência na retirada. A administração Biden também não deveria se limitar a trazer as tropas de volta, mas também remover todos os mercenários privados. Não há porque esperar até setembro.

No entanto, há um elemento único na declaração de Biden, se comparada às de seus antecessores. As promessas de retirada no passado foram baseadas em condições, e não tinham um prazo estrito determinado. Por que a mudança de estratégia?

Trata-se de uma manobra para pôr pressão sobre o governo afegão para que ele feche um acordo de poder compartilhado com o Talibã, o que até o momento enfrentou resistência. O governo dos EUA saber que um “governo de unidade nacional” que inclua as mesmas forças do Talibã contra a qual tem guerreado por duas décadas é a única maneira de se salvar politicamente e evitar as aparências de uma humilhante derrota. A alternativa seria ser essencialmente expulso ou fazer com que o governo afegão caísse nas mãos do Talibã logo após sua retirada.

A administração Biden calculou que se as autoridades afegãs souberem que o relógio está correndo, elas sentirão a pressão de forma muito mais intensa para fecharem um acordo com o Talibã. Trata-se de uma estratégia ousada – o Talibã poderia simplesmente esperar o prazo de retirada dos EUA e então marchar sobre Kabul. Se esse cenário parecer se materializar, a pressão sobre Biden por parte de militaristas agressivos nos Estados Unidos no sentido de estender a ocupação será intensa.

O Liberation News falou com Michael Davis, um veterano da guerra do Afeganistão e ativista antiguerra: “Eu não posso deixar de questionar o que foi conseguido agora que não havia sido conseguido quando eu estava no Afeganistão, entre 2011 e 2012, depois da morte de Bin Laden. Biden fez parte da segunda e agora da quarta administração que levou ao envolvimento dos EUA, para não mencionar que foi parte da pressão que levou ao início da guerra, durante o governo Bush; eles invadiram o Afeganistão quando eu tinha 11 anos de idade. A perda de vidas humanas valeu a pena? Refletir sobre isso só me enche de tristeza e raiva.”

Continue lendo

Mural anti-imperialista pintado na Embaixada dos EUA em Teerã após a crise dos reféns. (Foto: Phillip Maiwald (Nikopol) / Wikimedia Commons)
Sanções como guerra civilizacional: o custo humanitário da pressão econômica dos EUA
Em diferentes contextos, líderes de extrema direita promovem um modelo de governança que algema o Estado de suas funções redistributivas, enquanto abre caminho para que o cripto-corporativismo baseado em IA opere livremente – às vezes até promovendo seu uso como política oficial do Estado. (Foto: Santiago Sito ON/OFF / Flickr)
Por que a extrema direita precisa da violência
Entre 1954 e 1975, as forças armadas dos Estados Unidos lançaram 7,5 milhões de toneladas de bombas sobre o Vietnã, o Laos e o Camboja, mais do que as 2 milhões de toneladas de bombas lançadas durante a Segunda Guerra Mundial em todos os campos de batalha. No Vietnã, os EUA lançaram 4,6 milhões de toneladas de bombas, inclusive durante campanhas de bombardeios indiscriminados e violentos, como a Operação Rolling Thunder (1965-1968) e a Operação Linebacker (1972). (Foto: Thuan Pham / Pexels)
O Vietnã comemora 50 anos do fim do período colonial

Leia também

São Paulo (SP), 11/09/2024 - 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo no Anhembi. (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)
Ser pobre e leitor no Brasil: um manual prático para o livro barato
Brasília (DF), 12/02/2025 - O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, durante cerimônia que celebra um ano do programa Nova Indústria Brasil e do lançamento da Missão 6: Tecnologias de Interesse para a Soberania e Defesa Nacionais, no Palácio do Planalto. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O bestiário de José Múcio
O CEO da SpaceX, Elon Musk, durante reunião sobre exploração especial com oficiais da Força Aérea do Canadá, em 2019. (Foto: Defense Visual Information Distribution Service)
Fascista, futurista ou vigarista? As origens de Elon Musk
Três crianças empregadas como coolies em regime de escravidão moderna em Hong Kong, no final dos anos 1880. (Foto: Lai Afong / Wikimedia Commons)
Ratzel e o embrião da geopolítica: a “verdadeira China” e o futuro do mundo
Robert F. Williams recebe uma cópia do Livro Vermelho autografada por Mao Zedong, em 1 de outubro de 1966. (Foto: Meng Zhaorui / People's Literature Publishing House)
Ao centenário de Robert F. Williams, o negro armado
trump
O Brasil no labirinto de Trump
O presidente dos EUA, Donald Trump, com o ex-Conselheiro de Segurança Nacional e Secretário de Estado Henry Kissinger, em maio de 2017. (Foto: White House / Shealah Craighead)
Donald Trump e a inversão da estratégia de Kissinger
pera-5
O fantástico mundo de Jessé Souza: notas sobre uma caricatura do marxismo
Uma mulher rema no lago Erhai, na cidade de Dali, província de Yunnan, China, em novembro de 2004. (Foto: Greg / Flickr)
O lago Erhai: uma história da transformação ecológica da China
palestina_al_aqsa
Guerra e religião: a influência das profecias judaicas e islâmicas no conflito Israel-Palestina