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A Colômbia muda

Pesquisa demonstra que maior parte da população apoia jornada de manifestações na Colômbia (3/4) e considera que repressão é descabida (60%).

Pesquisa demonstra que maior parte da população apoia jornada de manifestações na Colômbia (3/4) e considera que repressão é descabida (60%). Por Alfredo Serrano Mancilla | Celag – Tradução de Fernanda Rosa para a Revista Opera
(Foto: Oxi.Ap)

Todo marco político resulta de um processo, de um acúmulo de causas. Se no domingo, 29 de maio do próximo ano, Gustavo Petro for eleito como presidente da Colômbia, esse feito poderia ser explicado por uma multiplicidade de razões que vêm de longe.

Um dos aspectos mais interessantes que uma pesquisa pode fornecer é permitir detectar a tempo aquelas transformações subjetivas que logo derivam em resultados eleitorais. Entretanto, caímos no constante erro de interpretar as pesquisas unicamente com base na intenção de voto direcionada aos diferentes candidatos. Ou seja, somos muito mais seduzidos a adivinhar como será o resultado final em vez de desfrutar tudo o que acontece em cada capítulo de uma boa série. A cultura do atalho está na moda.  

A última pesquisa do Centro Estratégico Latinoamericano de Geopolítica (CELAG) para a Colômbia (todo o território nacional, com quase 2.000 casos de amostra) nos proporciona uma fotografia muito nítida de um país em disputa que vive uma época de grandes transformações, com uma maioria que sofre, pensa e sente de maneira muito diferente do que apresentam os grandes meios de comunicação. O melhor exemplo é o assunto da greve nacional prolongada: três quartos a aprova, e seis de cada dez consideram que as forças de segurança a reprimem de maneira excessiva.

Há uma grande maioria que avalia negativamente o presidente Iván Duque, tanto em sua gestão (76,3%) quanto em sua imagem (77,5%). A população padece de uma crise econômica que foi agravada pela pandemia, uma vez que se originou muito tempo atrás. Uma altíssima porcentagem dos lares com menos de um milhão de pesos colombianos (cerca de R$ 1.300) por mês não tem como arcar com os gastos básicos (75%) e, conseqüentemente, se vê na necessidade de recorrer ao endividamento privado como mecanismo habitual para fazer frente a esta situação tão crítica (66%). O Estado vira as costas tanto para essas pessoas quanto para uma classe média que se mostra cada vez mais raquítica. E a população quer ver mais a presença do Estado em tudo o que se relaciona às políticas sociais; e também deseja um sistema tributário que aumente os impostos para os mais ricos (74%). Na Colômbia, pouca gente “compra a história” de que os ricos conseguiram sua riqueza graças ao esforço (somente 18%).

O neoliberalismo falido na Colômbia também é detectado na percepção que se tem relacionada a um de seus pilares: o mercado. A maioria avalia muito negativamente seu desempenho (70%) e, além disso, existe um sentimento de aborrecimento e irritação pelo abuso na cobrança de comissões.

Desde qualquer ponto de vista, é perceptível que o modelo colombiano vem fracassando. A Procuradoria Geral do Estado também não desfruta de boa imagem (66% de imagem negativa), nem os meios de comunicação contam com grande credibilidade (por exemplo, a empresa de rádio e TV Caracol e a revista Semana têm uma desconfiança de 74% e 64%, respectivamente). 

Falando de outra forma: tudo o que deveria sustentar o projeto neoliberal vem desaparecendo progressivamente, inclusive o uribismo. A imagem do ex-presidente segue em queda livre (rejeição de 76%). O antiuribismo se transformou hoje na Colômbia na principal identidade política; quase metade da população se declara dessa forma frente a 11% que se diz ser uribista. A maior parte da população acredita que Uribe é corrupto, coisa do passado, e que está vinculado ao paramilitarismo. 

Em pleno processo acelerado de mudança, toda decaída tem como contrapartida a consolidação de outro horizonte. Na Colômbia, esta nova alternativa é liderada por Gustavo Petro e o partido Colômbia Humana. Se em 2018 o surgimento de Petro no cenário nacional pegou muita gente de surpresa, agora quase 60% da população acredita que ele será o próximo presidente. O líder progressista tem imagem positiva mais alta em comparação ao resto dos dirigentes; também conta com o teto eleitoral mais elevado; e uma provável vantagem nas intenções de voto em relação aos outros de forma muito significativa (30 pontos frente a 14 do candidato que o segue, Fajardo).

Petro encarna a mudança em múltiplas dimensões: na proposta econômica, no papel do Estado, em matéria de direitos sociais, nas formas, nos valores e na conexão com a juventude. Hoje Petro está na centralidade da política colombiana.

De agora em diante muita água passará por debaixo da ponte. Qualquer análise conclusiva e fechada sobre a questão eleitoral será tão irresponsável quanto carente de rigor. Ainda sequer conhecemos os nomes das candidaturas. O único que, sim, podemos afirmar com certeza, é que se acena uma disputa por três vias: um bloco majoritário encabeçado por Petro, e outros dois que disputarão o segundo lugar: o uribismo e o espaço centrista da Coalizão da Esperança (formado pelos verdes e um setor dos liberais). A incógnita é saber se Petro conseguirá ganhar no primeiro turno, como Alberto Fernández na Argentina e Andrés Manuel López Obrador no México, ou ainda como Luis Arce, na Bolívia; se o fará no segundo turno, contra todos os poderes fáticos unidos, como Pedro Castillo no Peru; ou, se ao contrário, passará como Guillermo Lasso, no Equador.

Veremos. Ainda falta muito nesta Colômbia que muda. Continuará.

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