Pesquisar
,

Albrecht Dürer, defensor dos oprimidos

Um dos maiores artistas de todos os tempos, Albrecht Dürer foi também um apoiador do ímpeto revolucionário do povo no século 16.
Um dos maiores artistas de todos os tempos, Albrecht Dürer foi também um apoiador do ímpeto revolucionário do povo no século 16. Por Jenny Farrell | Morning Star – Tradução de Wesley Castellano para a Revista Opera, com revisão de Rebeca Ávila
Retrato de Albrecht Düher.

Filho de um ourives, Albrecht Dürer nasceu há 550 anos, no dia 21 de maio de 1471, durante a Renascença, período turbulento que ressoa no início da era moderna. Eram tempos de convulsões religiosas, quando os camponeses na Europa se sublevaram e exigiram ser tratados como iguais.

As forças da oposição popular tornaram-se parte da Reforma Protestante, que impôs uma contestação política e religiosa à Igreja Católica e, principalmente, de sua autoridade papal. O movimento começou com John Wycliffe na Inglaterra e culminou na Alemanha, onde Martinho Lutero desempenhou um papel fundamental no nascimento da Reforma.

Todavia, como Friedrich Engels demonstra em As Guerras Camponesas na Alemanha, Lutero temia o efeito socialmente explosivo que a sua contestação à hierarquia romana produzia nos camponeses, que a viam como compatível com suas legítimas aspirações de mudança do seu próprio destino. 

A reforma teológica de Lutero, entretanto, não questionava antagonismos de classe e ele, junto com a burguesia, voltou-se contra os camponeses revolucionários. Estes últimos, com seus aliados da plebe urbana, foram derrotados e tiveram seus líderes presos e executados.

Neste contexto, a importância dos retratos do campesinato feitos por Dürer não pode ser subestimada, e esta influência pode ser vista na obra de diversos artistas, infundindo um apelo popular assombroso na arte alemã do período da Reforma.

Dürer se instalou na Holanda durante o período de 1520-21, e foi lá que ele produziu “A Negra [sic] Katherina”, um notável retrato feito a olho nu. A obra mostra o grande interesse do artista por pessoas que vieram para a Europa por conta do crescente comércio internacional, o que inclui o tráfico de escravos. Além disso, o nome sugere que a retratada havia sido convertida ao cristianismo. 

“A Negra Katherina” de Albrecht Düher

A mulher retratada era uma criada de 20 anos de um agente comercial português, que administrou o monopólio das especiarias portuguesas em Antuérpia, e que provavelmente comprou a mulher africana a partir de contatos comerciais. Dürer infunde seu retrato com muita dignidade.

Dürer foi o primeiro artista alemão a representar os camponeses como motivos estéticos, e eles apareciam de modo significativo nos folhetos revolucionários da época.

A calcogravura de cobre “Três Camponeses Conversando” mostra um trio de camponeses armados, astutos e dignos numa conversa séria. Um deles carrega um florete, outro tem uma faca no bolso e esporas nos seus sapatos. O terceiro alcança algo em seu colete, a partir do qual poderia produzir um panfleto. 

Três Camponeses Conversando, de Albrecht Düher.

Dürer foi um exemplo em relação à Guerra dos Camponeses, quando Lutero aconselhou que os príncipes massacrassem os rebeldes que se sublevaram durante a revolta difundida em 1524-25 na Europa Central, que fracassou devido à intensa oposição da aristocracia, responsável pelo assassinato de cerca de 100 mil dos 300 mil camponeses e agricultores precariamente armados.

No terceiro livro de seu “manual de instrução em medições”, de 1525, o modelo de Dürer para o dimensionamento de um monumento é uma xilogravura que homenageia os camponeses derrotados. Ela mostra o gado e os equipamentos domésticos e agrícolas de uma propriedade camponesa, agora espólio dos conquistadores. Coroando o pilar, vemos um camponês trespassado por uma espada, como um Cristo em repouso: o camponês assassinado aparece como seu verdadeiro seguidor.

Tais demonstrações de apoio aos camponeses revolucionários não eram nada seguras no término dessa guerra brutal. Muitos artistas sofreram perseguição, tortura e morte, e Dürer encerrou toda sua atividade artística, voltando-se às preocupações científicas. Ele morreu aos 57 anos de idade.

Como muitos dos grandes artistas desse período na Alemanha, Dürer permaneceu ao lado do povo e de suas aspirações revolucionárias. Ele lutou com as armas de sua arte.

Continue lendo

gandhi_nao_violencia
O mito de que a liberdade da Índia foi conquistada pela não-violência impede o progresso
pai jau capa
Pai Jaú: macumba, futebol e negritude no Brasil do século 20
golpe 1964
1964: cinco lições do golpe militar para o presente

Leia também

palestina_al_aqsa
Guerra e religião: a influência das profecias judaicas e islâmicas no conflito Israel-Palestina
rsz_jones-manoel
Jones Manoel: “é um absurdo falar de política sem falar de violência”
Palmares
A República de Palmares e a disputa pelos rumos da nacionalidade brasileira
Acampamento de manifestantes pedem intervenção militar
Mourão, o Partido Fardado e o novo totem [parte I]
pera-9
A música dos Panteras Negras
illmatic
‘Illmatic’, guetos urbanos e a Nova York compartimentada
democracia inabalada
Na ‘democracia inabalada’ todos temem os generais
golpe bolsonaro militares
O golpe não marchou por covardia dos golpistas
colono israel
Os escudos humanos de Israel