“Faltam 100 dias para a Universidade Federal do ABC fechar”. Esta era a mensagem avistada por milhares de pessoas que passavam pela Avenida dos Estados, no grande ABC paulista, na última sexta-feira (24). Os estudantes e funcionários denunciam a tragédia através de uma faixa exposta no campus de Santo André, após posicionamento oficial da Reitoria da instituição. Fruto da luta encabeçada pelos movimentos sociais do grande ABC na década de 80 em defesa de uma universidade pública na região, a UFABC está completando 15 anos desde sua inauguração. Em 2013, chegou a receber um orçamento de R$ 126 milhões de reais, quando tinha 9 mil alunos. Hoje, com 16 mil matriculas e obras inacabadas, não recebeu nenhum recurso para investimento e apenas R$ 37,7 milhões de reais estão disponíveis para despesas discricionárias.
Este cenário de devastação das universidades federais brasileiras se repete há tempos. De 2010 a 2021, foram 37% de cortes no orçamento em matéria de custeio, ou seja, recursos destinados aos contratos de limpeza e segurança, bolsas de estudo, programas de assistência e insumos de laboratório. Já no orçamento para investimentos (recursos para expansão e melhorias estruturais), a perda foi de 70% nos últimos 10 anos – saindo de R$ 2,78 bilhões para inacreditáveis R$ 760 milhões em 2020.
Corte que dói na pele
Os estudantes pobres e cotistas são os mais afetados por essa situação. A Universidade Federal da Bahia, por exemplo, tem 28 mil alunos atendidos pelos programas de permanência, e foi obrigada a reduzir de R$ 400 para R$ 250 o valor da bolsas. É desesperador, uma vez que o desemprego e a fome são crescentes no país, especialmente entre os jovens.
Além disso, cortar investimentos nas áreas de tecnologia e desenvolvimento científico em meio a uma crise sanitária e econômica e diante da pandemia mais devastadora do século é um contrassenso. Primeiro, porque afeta o funcionamento dos Hospitais Universitários, que têm sido fundamentais no combate ao novo coronavírus: segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), os HU oferecem mais de 2 mil leitos para pacientes com Covid-19.
Depois, porque as universidades públicas são protagonistas nas pesquisas relacionadas à pandemia: já são 2 mil projetos em andamento. Nesse aspecto, vale ressaltar que não se tratam somente de pesquisas voltadas à cura e tratamento da Covid-19, mas ao monitoramento da pandemia junto à população. No semestre passado, fui pesquisadora de campo de uma iniciativa desenvolvida pela Universidade Federal de São Paulo, que tinha como objetivo monitorar, analisar e apoiar comunidades periféricas sobre a pandemia. Atuamos no Eldorado, um bairro de alta vulnerabilidade em Diadema, no Estado de São Paulo, conversando de porta em porta com as famílias. Descobrimos um alto desconhecimento sobre aspectos básicos da prevenção e tratamento com a Covid-19. Diante disso, elaboramos panfletos informativos, articulação das lideranças junto às campanhas de solidariedade, mapeamento de focos de contaminação e até mesmo testagem com os moradores do bairro. Essa pesquisa é um pequeno exemplo do potencial articulador das universidades públicas, pois foi fundamental para reconhecer as dificuldades de se combater uma pandemia nas periferias das grandes cidades e produzir recomendações ativas ao poder público.
Fundão é maior do que as universidades
É verdade que todo esse drama já é notícia velha, afinal, desde maio os estudantes e professores estão realizando manifestações em defesa das universidades e do desenvolvimento científico nacional.
Mas na última semana, nos escandalizamos com a notícia de que o Congresso Nacional aprovou o chamado Fundão Eleitoral: R$ 5,7 bilhões é o valor para os partidos políticos participarem das possíveis eleições em 2022. Esse montante é quase três vezes maior que o do ano anterior.
Mas o que isso tem a ver com o corte de verbas na educação? O fato é que o Fundão Eleitoral equivale a 130% do orçamento das 69 universidades federais brasileiras. Enquanto isso, a rede federal de ensino superior está se virando com R$ 4,3 bilhões, com algumas universidades com quase metade do orçamento bloqueado pelo MEC, como é o caso da Federal do Rio de Janeiro.
Esse fundo eleitoral vergonhoso sequer vai ajudar na democratização de qualquer eleição que venha ocorrer no próximo ano, uma vez que a divisão é feita de acordo com a representação dos partidos no Congresso: PSL e PT vão receber juntos mais de R$ 1 bilhão. Diz Bolsonaro que não vai sancionar o Fundão, mas ao mesmo tempo se desresponsabiliza da polêmica, dizendo, para não entrar em contradição com a base aliada na Casa, que “cabe ao Congresso derrubar o veto”,.
A crise recai sempre sobre nós
Os governos têm alegado uma crise nos cofres públicos para justificar os sucessivos cortes de orçamento da educação e programas sociais. É verdade que Bolsonaro não se esforça tanto com desculpas, afinal, ele aumentou o próprio salário e está sendo desmascarado na CPI da Covid pelos dos escândalos de corrupção.
Mas antes dele, o golpe de 2016, que colocou Michel Temer no poder, trocando em miúdos, foi engendrado com a justificativa de equilibrar as contas. De fato há uma crise econômica em curso no mundo que tem atingido mais ferozmente os países dependentes como o Brasil. E o estado do capital atua sempre para assegurar a sobrevivência do capital.
Prova disso é a aprovação da Emenda Constitucional nº 95: o primeiro ato de supressão de direitos do povo pós-golpe, que veio para reafirmar o domínio do capital financeiro sobre os recursos públicos, independente de quem assuma o governo. A EC do Teto de Gastos ou EC da Morte, como ficou conhecida, congelou pelo período de 20 anos o orçamento das áreas sociais para salvaguardar o compromisso do estado com o pagamento da dívida pública e é um dos dispositivos responsáveis pela situação calamitosa das universidades descrita aqui.
É essencial constatar que o problema reside no projeto político que está no poder para aprofundar a dominação do capital sobre a classe trabalhadora e a juventude. E esse domínio pode se dar com medidas constitucionais ou pela anulação da Constituição, se for preciso.
Portanto, para salvar as universidades públicas, a saúde e a nossa vida, é preciso lutar. Tirar o Bolsonaro da presidência imediatamente é uma questão de sobrevivência. Mas não é o passo final da nossa luta. A EC 95, as reformas da previdência e trabalhista precisam ser canceladas, assim como as privatizações e a reforma administrativa precisam ser impedidas. E a aprovação do Fundão Eleitoral provou que, se entregue nas mãos do Congresso ou de seja lá quem for, nosso destino ainda é de saque e exploração, mas com outra cara. Cabe ao povo, e somente ao povo, mostrar força nas ruas e defender o que é nosso.