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A luta dos povos indígenas brasileiros pelo seu futuro

Os proprietários de terras, os madeireiros e mineiros aterrorizam e desalojam as comunidades indígenas e tradicionais das suas terras à bala.
Os proprietários de terras rurais, os madeireiros e mineiros aterrorizam e desalojam as comunidades indígenas e tradicionais das suas terras à bala. Por Nick Estes | Globetrotter – Tradução de Rebeca Ávila para a Revista Opera
(Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado)

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, outorgou uma “nova licença” para o assassinato de indígenas no Brasil. Antes de chegar ao poder em 2019, não era nítido o que Bolsonaro queria construir, mas ele sabia exatamente quem e o que queria destruir: os povos indígenas e a Floresta Amazônica, respectivamente. 

“Bolsonaro atacou primeiro uma mulher, a terra, nossa mãe”, me disse a líder indígena Célia Xakriabá. “Não temos outra escolha além de contra-atacar”. 

Desde que chegou à presidência, o ex-capitão do Exército – que trabalhou para o último ditador militar do país – tem liderado uma guerra sem precedentes contra o meio ambiente e as pessoas que o protegem. Uma série de leis anti-indígenas, o aumento da violência, os assassinatos de indígenas defensores da terra e a pandemia de Covid-19 têm ameaçado a existência dos povos originários do Brasil, a Floresta Amazônica e o futuro do planeta.

Sob supervisão de Bolsonaro, cerca de 20.000 quilômetros quadrados da Amazônia foram desmatados, especialmente pelos incêndios provocados pela indústria pecuária e madeireira. A destruição da Floresta Amazônica está empurrando o bioma rumo a um ponto de inflexão irreversível em que não poderá se renovar, fazendo com que a Amazônia seja inabitável para os povos indígenas. 

Enquanto isso, em 2021, pesquisadores descobriram que pela primeira vez a Amazônia emitiu mais CO2 do que absorveu. A Amazônia, frequentemente considerada o “pulmão do planeta” pelo oxigênio que gera, parece estar morrendo mais rápido do que parece. 

Mas os povos indígenas, que chamam esta floresta de lar, se negam a desaparecer.

No fim de agosto de 2021 o pó vermelho subia, como fumaça, dos pés de cerca de 6000 pessoas indígenas que marchavam pela corredor principal que circunda o Supremo Tribunal, o Congresso e o palácio presidencial de Brasília, capital do país. 176 grupos indígenas diferentes, procedentes de todas as regiões do país, chegaram ao acampamento da Luta pela Vida para protestar contra sua própria desaparição. Esta mobilização indígena, a maior da história, rompeu o mito de inviolabilidade que cerca as instituições do poder que durante séculos excluíram os indígenas ou buscaram sua extinção.

“Precisamos de uma união dos povos indígenas”, disse Alessandra Munduruku, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, conhecida como APIB. “Nossas vidas importam”.

Eles têm uma defensora em Joênia Wapichana, a primeira mulher indígena advogada e membro do Congresso. Ela reivindica uma “renovação política” dos direitos brasileiros e indígenas, e tem ajudado a liderar o movimento indígena a nível nacional e internacional com a APIB. 

A APIB é uma poderosa ferramenta de união e organização para os povos indígenas do país. Os indígenas brasileiros representam uma pequena fração da população do Brasil (cerca de 900.000 pessoas indígenas sobrevivem hoje em dia em um país de 211 milhões de habitantes), mas possuem uma profunda diversidade humana em língua e cultura que não se vê na maioria dos países modernos. E agora estão unidos em uma causa comum contra a beligerância de Bolsonaro e as forças poderosas que o levaram ao poder. 

Em 9 de agosto, a APIB apresentou uma demanda na Corte Penal Internacional acusando Bolsonaro de genocídio. É a primeira vez na história da CPI que os povos indígenas do hemisfério ocidental se defendem, com a ajuda de advogados indígenas, contra os crimes de lesa humanidade em Haia. 

“Passamos centenas de anos lutando diariamente para garantir nostra existência e hoje nossa luta pelos direitos é global”, declarou a diretora executiva da APIB, Sonia Guajajara, em um comunicado.

Uma coalizão de forças de direita qua vão do agronegócio ao lobby de armas e os evangélicos – conhecidos coletivamente como a bancada “do boi, da bala e da bíblia” no parlamento – está respaldando o projeto de Bolsonaro de destruição da Amazônia e seu povo.

Os campos de soja (sobretudo para alimentação animal) e os rebanhos de gado estão substituindo as exuberantes florestas e as comunidades rurais tradicionais. A maior parte dos alimentos do Brasil é exportada, abastecendo em grande parte os mercados dos Estados Unidos e da Europa. Muitos indígenas culpam empresas multinacionais como a Cargill, a maior empresa privada dos Estados Unidos, porseu papel na destruição do meio ambiente para produzir soja.

Os proprietários de terras rurais, os madeireiros e mineiros aterrorizam e desalojam as comunidades indígenas e tradicionais das suas terras à bala. A flexibilização das leis sobre armas e munições levou a um forte aumento da posse de armas, especialmente entre os proprietários rurais, o que desencadeou posteriormente um aumento da violência armada. Os gestos característicos de Bolsonaro imitando uma pistola indicam o apoio em armar sua base. 

Grande parte desta influência, incluindo os vínculos com as igrejas evangélicas, vem dos Estados Unidos, um país no qual Bolsonaro e seus partidários buscam inspiração.

“Realmente, a cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria americana, que dizimou seus índios no passado”, lamentou Bolsonaro certa vez.  

“O extermínio indígena já aconteceu no seu país [Estados Unidos]”, Munduruku me disse. Ela vê um processo similar acontecendo no Brasil, mas a conexão não acaba aí

“À medida que o seu país [Estados Unidos] consome soja, contribui para a destruição da minha terra”, agregou.

A última frente desse ataque é o próprio marco legal e político que protege os territórios indígenas: a Constituição brasileira de 1988. O Congresso brasileiro está votando uma série de projetos de lei que poderiam desfazer os direitos conquistados com muito esforço, como a proteção dos territórios indígenas, a concessão de imunidade ao acaparamento ilegal de terras e o sacrifício das terras indígenas para projetos de infraestrutura, mineração e energia. Um desses projetos de lei autorizaria o presidente a abandonar o Convênio 169 sobre Povos Indígenas e Tribais de 1989 da Organização Internacional do Trabalho, um importante tratado internacional que protege os povos indígenas e tribais.

Como mínimo, a APIB e a Luta pela Vida pedem ao governo que respeite suas próprias leis e sua constituição. Por esta razão, um grupo de 150 indígenas queimou um grande caixão negro na escadaria do congresso do Brasil, com os nomes dos projetos de lei que pretendem destruir escritos em suas laterais. A mensagem era nítida: os indígenas se negam a ser queimados.

No dia 1 de setembro, o Supremo Tribunal começou a escutar os argumentos em um caso que poderia permitir ou impedir a usurpação de terras ancestrais dos indígenas que foram expulsos de seus territórios após a ratificação da Constituição de 1988. Em 15 de setembro, o Supremo Tribunal suspendeu o caso sem fixar uma data para voltar a examiná-lo. A APIB afirma que uma sentença positiva para os indígenas resolveria imediatamente centenas de conflitos sobre terras no país, e adverte que uma sentença negativa poderia acelerar a violência. 

O que é importante considerar é que a democracia brasileira é frágil. Enquanto as possibilidades de Bolsonaro ser reeleito em 2022 se reduzem, seus partidários convocaram mobilizações nas ruas no dia 7 de setembro para “iniciar um processo de limpeza geral no Brasil”. Os alvos da concentração foram o Congresso, o Supremo Tribunal e a Embaixada da China, e tudo deu a entender que os partidários de Bolsonaro estiveram tomando como exemplo seus homólogos estadunidenses, que irromperam no Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro.

No dia 10 de agosto, Eduardo Bolsonaro dividiu palco com os partidários de Trump no meu estado rural, Dakota do Sul, na esperança de questionar as eleições de 2022 e atrair o apoio internacional da direita. Ele foi acompanhado por Steve Bannon, que se referiu ao ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva como “o esquerdista mais perigoso do mundo”, porque sua candidatura presidencial supõe uma grande ameaça para desfazer o que Bolsonaro tem feito durante seu mandato presidencial nos últimos quatro anos.

Na semana seguinte, em uma cerimônia indígena, Sonia Guajajara nomeou Lula como “guardião dos territórios”, um lembrete sobre as suas obrigações com os povos indígenas e a Amazônia caso chegue à presidência. 

O movimento indígena vai além do Brasil e de sua Constituição. “Nossa história [indígena] não começa em 1988” era um lema popular no acampamento Luta pela Vida. E a luta indígena vai além da recuperação dos dias de bonança imaginados que nunca existiram para os indígenas.

“O futuro é ancestral”, me disse Guajajara. Ela pede que o mundo inteiro assuma, nesses tempos de terrível perigo, a liderança dos movimentos indígenas.

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