Pesquisar
,

Os cinco anos dos acordos entre as FARC e o Estado colombiano

A cinco anos dos acordos de paz entre as FARC-EP e o estado colombiano, continuam as erradicações, fumigações, massacres e deslocamentos.

A cinco anos dos acordos de paz entre as FARC-EP e o estado colombiano, continuam as erradicações, fumigações, massacres e deslocamentos. Por Misión Verdad | Tradução de Rebeca Ávila para a Revista Opera
Acampamento de refúgio humanitário no município de Hacarí, em Norte de Santander. (Foto: Agência Prensa Rural)

Completaram-se cinco anos da assinatura dos acordos de paz entre o Estado colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (FARC-EP), em Havana, Cuba, após quatro anos de negociações.

Embora este acordo tenha sido firmado somente com a maior das organizações guerrilheiras da época, o discurso governamental e midiático fez parecer que era o fim da guerra na Colômbia e começou a falar de uma nova era “pós-conflito”, como se com essa assinatura tivesse chegado ao fim o conflito social e armado no país.

Porém, meia década depois, estes acordos repetem a tragédia histórica que já viveram outros semelhantes na história da Colômbia, aos quais sempre prosseguiu um extermínio das forças desmobilizadas e o incumprimento por parte do Estado.

No século XX, um caso emblemático foi o dos acordos entre o governo de Gustavo Rojas Pinilla e as guerrilhas liberais em 1953, sucedidos pela perseguição e extermínio de ex-guerrilheiros.

As próprias FARC-EP, inclusive, já tinham em sua história uma tentativa fracassada quando em 1984 assinaram acordos com o ex-presidente Belisario Betancur, que deram origem à União Patriótica em 1985, organização que imediatamente começou a ser vítima de um extermínio sistemático da sua militância, ou seja, de um genocídio político cujo saldo é de mais de seis mil militantes assassinados e assassinadas.  

Além das críticas que possam ser feitas ao conteúdo dos acordos em si, as expectativas de que fossem respeitadas as vidas de ex-combatentes e de que eles tivessem alternativas de subsistência econômica, de que cessariam as erradicações forçadas e de que a substituição voluntária de cultivos seria imposta, assim como outras reivindicações sociais que formaram parte do texto assinado, hoje voltam a parecer utopia.

Sem dúvida, a intensidade dos combates em muitas zonas rurais diminuiu nos primeiros anos após a assinatura, e isso contribuiu para a percepção de um avanço rumo à tranquilidade, mas pouco a pouco essa calma também foi desvanecendo quando os grupos paramilitares, apoiados direta ou indiretamente pelas forças militares, foram ocupando grande parte dos espaços que a organização insurgente abandonou. 

Leia também – Os militares da Colômbia estão despejando camponeses para proteger o meio ambiente ou para vender recursos naturais?

O governo de Juan Manuel Santos, por sua vez, retardou o cumprimento dos acordos, e a campanha uribista para desaprová-los foi vencedora no plebiscito realizado pouco após sua assinatura. A convocação dessa consulta foi um grande erro político do então presidente Santos, que o uribismo soube aproveitar muito bem e lhe permitiu começar a campanha eleitoral desde cedo para acabar alcançando a presidência do país. 

Continuam as erradicações forçadas, as fumigações, os massacres, as desaparições forçadas, o deslocamento também forçado, a criminalização das famílias camponesas pobres que se veem obrigadas a cultivar coca por culpa do abandono estatal que lhes fecha todas as alternativas. Enquanto isso, a construção de estradas agrícolas e os subsídios, créditos e assessoria técnica nunca chegaram ou desapareceram, e as comunidades agrícolas da Colômbia sobrevivem em condições muito precárias, à mercê dos grandes cartéis do narcotráfico e em meio à guerra. 

Na semana passada, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu que 292 ex-combatentes das FARC-EP que assinaram os acordos de paz foram assassinados desde 2016. Apenas em 2021, a organização não-governamental Indepaz contabilizou 38 signatários assassinados e assassinadas. A este número terrível devem ser somados os seus parentes, também assassinados por causa do vínculo familiar. 

O incumprimento desses acordos, a lentidão nas escassas conquistas alcançadas e o genocídio de ex-combatentes ratificam que a oligarquia colombiana nunca apostou na paz, mas sim na pacificação da Colômbia.

Porém, apesar desse fracasso, o cumprimento dos acordos continua entre as demandas populares e tem sido, por exemplo, uma das exigências reiteradas por diversas organizações sociais que aderiram à Greve Nacional.

Por essa mesma razão forma parte da agenda dos pré-candidatos e pré-candidatas progressistas, dos quais se espera que executem o que foi estabelecido no documento que Juan Manuel Santos assinou em nome do Estado colombiano, e que também sejam retomados os diálogos que o governo de Álvaro Uribe suspendeu com o Exército de Libertação Nacional (ELN), atualmente a maior organização guerrilheira da Colômbia.

Leia também – As propostas do ELN sobre o narcotráfico na Colômbia

Faltando apenas nove meses para deixar a presidência, já não há expectativa razoável de que o governo ultradireitista de Iván Duque cumpra os acordos de Havana ou que sequer detenha o genocídio de ex-combatentes, onde a participação direta e indireta das instituições do Estado tem sido denunciada reiteradamente.

Ao cenário já descrito devem-se acrescentar a judicialização, as operações de arapucas e os falsos positivos que continuam avançando contra aqueles que no passado se arriscaram a confiar nas ofertas do Estado.

Continue lendo

A cantora e agricultora americana Kelis é a mais recente celebridade a se aventurar na África Oriental, supostamente sob o pretexto da sustentabilidade. (Foto: Kelis / Instagram / Reprodução)
O pan-africanismo sob o domínio das elites
A fumaça branca sobe da Capela Sistina em 2013, na eleição do Papa Francisco. (Foto: Jeffrey Bruno / Flickr)
Frei Betto: breve história das eleições papais
O presidente dos EUA, Donald Trump, durante entrevista a Terry Moran, da ABC NEWS. (Foto: White House / Joyce N. Boghosian)
A extrema-direita não pode ser quebrada com o martelo da razão

Leia também

São Paulo (SP), 11/09/2024 - 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo no Anhembi. (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)
Ser pobre e leitor no Brasil: um manual prático para o livro barato
Brasília (DF), 12/02/2025 - O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, durante cerimônia que celebra um ano do programa Nova Indústria Brasil e do lançamento da Missão 6: Tecnologias de Interesse para a Soberania e Defesa Nacionais, no Palácio do Planalto. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O bestiário de José Múcio
O CEO da SpaceX, Elon Musk, durante reunião sobre exploração especial com oficiais da Força Aérea do Canadá, em 2019. (Foto: Defense Visual Information Distribution Service)
Fascista, futurista ou vigarista? As origens de Elon Musk
Três crianças empregadas como coolies em regime de escravidão moderna em Hong Kong, no final dos anos 1880. (Foto: Lai Afong / Wikimedia Commons)
Ratzel e o embrião da geopolítica: a “verdadeira China” e o futuro do mundo
Robert F. Williams recebe uma cópia do Livro Vermelho autografada por Mao Zedong, em 1 de outubro de 1966. (Foto: Meng Zhaorui / People's Literature Publishing House)
Ao centenário de Robert F. Williams, o negro armado
trump
O Brasil no labirinto de Trump
O presidente dos EUA, Donald Trump, com o ex-Conselheiro de Segurança Nacional e Secretário de Estado Henry Kissinger, em maio de 2017. (Foto: White House / Shealah Craighead)
Donald Trump e a inversão da estratégia de Kissinger
pera-5
O fantástico mundo de Jessé Souza: notas sobre uma caricatura do marxismo
Uma mulher rema no lago Erhai, na cidade de Dali, província de Yunnan, China, em novembro de 2004. (Foto: Greg / Flickr)
O lago Erhai: uma história da transformação ecológica da China
palestina_al_aqsa
Guerra e religião: a influência das profecias judaicas e islâmicas no conflito Israel-Palestina