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Muitas opções para os generais

O ponto fundamental dos generais que compõem o Partido Fardado, seu programa mínimo, não é necessariamente a permanência de Bolsonaro no poder.
O ponto fundamental dos generais que compõem o Partido Fardado, seu programa mínimo, não é necessariamente a permanência de Bolsonaro no poder. Por Pedro Marin | Revista Opera
Substituição da Guarda do QGEx. (Foto: Exército Brasileiro)

Abro o jornal. Uma primeira coluna garante: “Se Bolsonaro conseguir melar as eleições, o golpe será militar”. Outra: “O golpe pode dar errado”. Mais uma: “A seguir: ditadura com Bolsonaro”. Uma reportagem informa que o deputado-minotauro Daniel Silveira recusou a intimação do ministro do STF, Alexandre de Moraes, e se negou a usar  tornozeleira eletrônica, esticando mais uma vez a corda artificial da luta entre poderes. Mais abaixo, uma nota informa que a Polícia Federal apreendeu  78 kg de ouro em uma aeronave em Sorocaba, no estado de São Paulo, escoltada por PMs. A suspeita é que o carregamento, avaliado em cerca de 23 milhões de reais, tenha origem ilegal; talvez – e a suspeita velha é só deste colunista – numa daquelas regiões amazônicas em que as estradas e pontos de controle, durante todo o atual governo, estiveram sob controle do Exército. No rádio, um conhecido comentarista liberal-conservador aponta há dias para os militares. Antes, garantia que a existência da Bolsa de Valores era fator contra o golpismo. Pouco depois, que uma tentativa golpista, embora possível, seria frustrada. Os termos mudaram: agora aconselha que a oposição busque atenção internacional para o Brasil para barrar o iminente golpe.

O desespero não impressiona. Temos tratado do tema já há anos, envoltos por relativo silêncio. Mas o desespero não é bom conselheiro.

Agora que setores da imprensa finalmente despertaram de seu longo sono sobre os militares, é importante fazer uma leitura séria das possibilidades abertas ao Partido Fardado, para preparar cá algo mais confiável do que a ridícula mendicância por “atenção internacional”. Primeiro, é necessário reconhecer que os militares são o fator fundamental da crise, e o são por uma razão simples: porque conservam para si o monopólio virtual da violência. Quem quiser enfrentar o problema precisa reconhecê-lo e tomar o terreno do combate: se mostrar capaz de opor à força material a força material.

Segundo, é importante compreender que esse monopólio virtual da violência não garante só cartadas efetivamente violentas. É dizer: o golpismo aberto não é a única via aberta aos militares. Para constatar tal fato sobre o futuro, bastará olhar ao passado e ao presente; observar com quanta tranquilidade eles têm avançado e garantido suas posições no Estado, inclusive no Tribunal Superior Eleitoral, sem que se dê conta de disparos de canhão. O golpismo puro e simples é só uma das muitas opções. 

Terceiro, o ponto fundamental, seu programa mínimo, não é necessariamente a permanência de Bolsonaro no poder. É a manutenção do Partido Fardado como um quarto ou quinto poder da República; a preservação de uma posição tutelar sobre o sistema político; o avanço ou mudança das posições conquistadas – por exemplo, no Congresso, em candidaturas próprias –; a garantia da impunidade; a estadia, senão à frente do processo político, em seus bastidores; a imunidade frente a eventuais reformas que possam colocar seu poder em xeque.

 Leia também – Quem irá pará-los? 

Descrevo aqui algumas opções. Há muitas outras:

1 – Algum evento disruptivo durante o processo eleitoral ocorre, um ataque violento contra uma ou outra liderança, ameaças físicas contra esta ou aquela instituição. Os militares se colocam em campo como garantidores da estabilidade eleitoral, não como golpistas, e efetivamente ditam e determinam condições para o processo.

2 – Pululam, de novo, crises de segurança, artificiais ou não, que motivam operações de Garantia da Lei e da Ordem ou intervenções estaduais, ferramentas pelas quais os militares ampliam seu controle político – e portanto sua capacidade de negociação política às portas das eleições.

3 –  Nos bastidores firma-se algum tipo de acordo para o bom andamento das eleições, em troca da manutenção daquele programa mínimo que descrevi. No máximo, os militares – agora tendo representantes também no Legislativo, legitimados pelo voto – constituem-se publicamente em bloco opositor em um eventual governo Lula.

Para além do golpe, nenhuma destas opções é ilegal ou violenta. O que não muda o fato de que o Partido Fardado ainda permaneceria como fator de poder ilegítimo – porque descabido –, como força de tutela, pronto a ameaçar sempre que ver seus interesses, ou os interesses daqueles que buscam representar, em jogo. A tarefa de combatê-lo, de extirpá-lo da vida política nacional, se manterá, ainda que as manchetes se calem nos próximos dias, ainda que o golpismo não se apresente abertamente até outubro. O que, de forma alguma, é declaração de sua impossibilidade.

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