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OEA admite fracasso no Haiti, mas secretário-geral quer nova missão de paz

A cinco anos da saída das tropas da MINUSTAH, Luis Almagro busca outra intervenção militar no Haiti, apesar de reconhecer fracasso da primeira.

A cinco anos da saída das tropas da MINUSTAH, Luis Almagro busca outra intervenção militar no Haiti, apesar de reconhecer fracasso da primeira. Por Beatriz Aguiar | Revista Opera
O secretário-geral da OEA, Luis Almagro, com o então candidato presidencial Jovenel Moïse, em abril de 2016. Moïse terminaria morto em meio à sua gestão neoliberal no Haiti, , em julho de 2021. (Foto: Juan Manuel Herrera / OEA)

A Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) publicou um relatório sobre a crise institucional no Haiti. Divulgado no dia 8 de agosto, o documento inicia com a constatação de que a presença da comunidade internacional no Haiti nos últimos 20 anos foi um dos piores e mais evidentes fracassos “no âmbito de qualquer cooperação internacional”.

Segundo a publicação, a comunidade internacional não foi capaz de facilitar a construção de instituições competentes para lidar com os problemas dos haitianos. Apesar disso, defende que a retirada da MINUSTAH, após pressões internas e externas, abriu caminho para o cenário atual no Haiti, e pede ajuda dos países responsáveis pela conjuntura do país.

A principal ação para reverter a fragilidade das instituições e a vulnerabilidade civil, de acordo com a declaração, é criação de uma nova Constituição para garantir um Banco Central autônomo “forte e responsável”, um sistema de justiça forte e independente, um sistema educacional capaz de fornecer soluções para as necessidades da juventude, e um processo de investimento para oferecer trabalho à população haitiana..

Nova missão de paz

O secretário-geral da OEA e autor do relatório, Luis Almagro, deu uma entrevista ao Miami Herald na qual reitera que o primeiro passo seria um retorno das forças de paz ao Haiti. No depoimento, publicado três dias depois da declaração, Almagro reforça a visão de Estado falido ao falar em “anarquia” após o assassinato de Jovenel Moïse. 

Para ele, uma nova missão precisa ser considerada com seriedade pelos países vizinhos. “É muito mais difícil agora do que quando a MINUSTAH saiu, mas isso só mostra que [uma volta da missão de paz] está se tornando cada dia mais necessária. As condições hoje são mais violentas que antes […] Nós estamos abertos a outras propostas para prover segurança ao Haiti, mas é muito difícil chegar rápido o suficiente com a logística adequada se não por procedimentos e mecanismos bem estabelecidos que já existem com as missões de paz”.

Ironicamente, Luis Almagro aponta uma missão de paz como solução para os problemas do Haiti, intensificados – como ele mesmo reconhece no documento – pela missão da ONU de mais de uma década na região. Apesar disso, não há garantias de que futuras intervenções militares sejam capazes de fortalecer as instituições haitianas e muito menos garantir emprego, industrialização e combate à extrema pobreza no país caribenho.

 Leia também – Haiti: “o Brasil aceitou fazer parte do projeto de controle internacional de um país militarizado” 

Jornalistas haitianos, inclusive, questionam o momento da movimentação por uma nova intervenção. Muito provavelmente, diz Lemoine Bonneau no Le Nouvelliste, Luis Almagro busca sensibilizar os países membros da OEA para votar uma missão especial no Conselho Permanente. Frantz Duval, no mesmo portal, relembrou quando o secretário visitou o país em 2020 para conseguir o voto do Haiti para sua reeleição à frente da OEA. Almagro nutria ótima relação com o presidente ultraneoliberal Jovenel Moïse, mesmo quando a população haitiana ia às ruas pedir sua deposição.

A realidade é que o Exército Brasileiro, responsável pela primeira missão de paz, deixou um Haiti pior do que aquele encontrado quando aterrissou em 2004. Uma grande lista de problemas foi entregue para os haitianos resolverem a própria sorte, como a cólera, a exploração sexual e o tráfico de armas. Desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse, o primeiro-ministro Ariel Henry está no cargo interinamente, com aval da OEA, sem previsão de novas eleições. A gestão de Henry não melhorou o cenário; pelo contrário, a inflação chega a 30%, há aumento da fome e da pobreza e crescimento da violência, com as milícias mantendo seu controle sobre o espaço urbano do país.

“Claramente, nunca tivemos recursos financeiros para construir instituições no Haiti. Claramente, nunca tivemos recursos financeiros para fornecer segurança no Haiti, e claramente nunca tivemos recursos financeiros para o desenvolvimento do Haiti. É isso que estamos pedindo agora, porque nada mais funcionou”, diz Luis Almagro, com a esperança de que uma nova MINUSTAH possa gerar resultados diferentes do que a missão da ONU entregou aos haitianos num passado recente. 

Para relembrar

  • A Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti (MINUSTAH) foi uma missão especial de paz da ONU liderada pelo Exército Brasileiro que durou de 2004 a 2017;
  • Representante da OEA no Haiti, o brasileiro Ricardo Seitenfus denunciou a intervenção da organização nas eleições de 2010 e foi afastado logo em seguida;
  • Jovenel Moïse foi eleito em 2017 sob denúncias de fraude eleitoral, no mesmo ano em que as tropas brasileiras começaram a deixar o país;
  • Moïse foi assassinado na madrugada do dia 7 de julho de 2021, ano em que as manifestações por sua deposição se intensificaram;
  • Ariel Henry tomou posse interinamente e é atualmente primeiro-ministro do país.

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