UOL - O melhor conteúdo
Pesquisar
,

A OEA continua a não se responsabilizar por suas ações nas eleições de 2019 na Bolívia

A falta de prestação de contas da OEA na Bolívia abre a porta para que outros na região apresentem falsas alegações de fraude eleitoral na esperança de receber apoio internacional.
A falta de prestação de contas da OEA na Bolívia abre a porta para que outros na região apresentem falsas alegações de fraude eleitoral na esperança de receber apoio internacional. Por Francisco R. Rodríguez e Jake Johnston | CEPR – Tradução de Pedro Marin para a Revista Opera
A então presidente golpista da Bolívia, Jeanine Añez, durante uma declaração à imprensa em 5 de dezembro de 2019, na qual agradeceu o respaldo da OEA na tese de que as eleições haviam sido fraudadas. (Foto: Asamblea Legislativa Plurinacional)

A incapacidade da Organização dos Estados Americanos (OEA) de explicar as falsas alegações de fraude feitas durante as eleições bolivianas de 2019 – alegações que desempenharam um papel fundamental na deposição militar do presidente Evo Morales – continua a alimentar dúvidas sobre sua capacidade de monitorar eleições de forma justa e objetiva.

Logo após as autoridades eleitorais bolivianas terem anunciado os resultados preliminares do primeiro turno, que mostravam Morales passando a margem de 10 pontos percentuais necessária para evitar um segundo turno, uma missão de observação eleitoral da OEA lançou uma declaração expressando “profunda preocupação e surpresa com a mudança drástica e difícil de explicar nas tendências [de voto]”. Esse relatório dizia que a contagem atualizada dos votos “drasticamente modificam o destino da eleição e geram uma perda de confiança no processo eleitoral”. Um relatório de auditoria publicado mais tarde pela OEA alegava ter descoberto provas de “uma maciça e inexplicável onda de aumento nos últimos 5% da contagem”, sem os quais Morales não teria passado a margem de 10%.

O secretário-geral da OEA, Luis Almagro, publicamente apoiou a decisão do Exército boliviano, após três semanas de protestos, de coagir Morales e parte considerável de seu governo a renunciar, abrindo caminho para um governo provisório de legitimidade questionável. Almagro declarou que “sim, houve um golpe de Estado na Bolívia; ele ocorreu no dia 20 de outubro, quando a fraude eleitoral foi cometida”. Segundo ele, “o Exército deve agir de acordo com seu mandato. Ninguém excedeu seu poder até o momento”.

A OEA não respondeu a apelos por informações sobre sua análise. Acadêmicos e estudos de mídia, no entanto, demonstraram que a análise da OEA foi marcada pelo uso de métodos incorretos, erros de programação e deturpação dos resultados. Em um artigo revisado por pares a ser publicado no Journal of Politics, Nicolás Idrobo, Dorothy Kronick e Francisco Rodríguez (coautor deste artigo) mostram que, em vez de “inexplicáveis”, como a OEA alegava, os resultados finais eram previsíveis. Eles identificaram erros que, se corrigidos, teriam apagado o suposto “aumento nos 5% finais da contagem de votos”.

A “mudança de tendência” que a OEA alegou ter identificado foi essencialmente uma questão de votos de certas áreas geográficas sendo processados ​​e contados antes de votos de outras áreas mais favoráveis ​​a Morales. A constatação da OEA se deve a um método estatístico que deturpa os dados no “ponto de interrupção” no qual a fraude é testada.

Quando divulgou sua auditoria final, um mês após a eleição, a OEA afirmou ter confirmado a evidência de fraude, mas não revelou que seu cálculo excluiu os últimos 4% das contas. Esses votos eram presumivelmente os mais propensos a serem adulterados, mas estavam entre os menos pró-Morales. Se incluídos, não há “quebra de tendência” alguma, como alegado.

Continua após o anúncio

Uma pesquisa de David Rosnick, do Centro de Pesquisa Econômica e Política (CEPR), mostra que um erro de programação fez com que a OEA classificasse incorretamente os registros de horário por ordem alfabética em vez de cronológica. Um estudo anterior do CEPR mostrou que a auditoria da OEA reteve informações de sua comparação de registros de votos físicos com os do banco de dados on-line que não apoiavam as alegações de fraude.

Esses erros provavelmente teriam sido identificados rapidamente por especialistas se a OEA tivesse seguido padrões básicos de transparência. O principal pesquisador da OEA reconheceu pelo menos alguns desses erros, mas a análise falha permanece no site da OEA, e a OEA não emitiu uma retratação nem alterou as seções do relatório que apresentam os resultados incorretos. México e Argentina tentaram discutir o assunto dentro da organização, mas o gabinete de Almagro se recusou a responder às refutações.

Em março, o Congresso dos EUA, que fornece a maior parte do orçamento da OEA, aprovou um pacote de gastos abrangente que exige que o Departamento de Estado consulte especialistas independentes e produza um relatório sobre a “legitimidade e transparência” das eleições bolivianas de 2019 no prazo de 120 dias. Espera-se que o relatório, que deveria ser entregue no mês passado, aborde o papel da OEA nessa eleição.

O papel de especialistas técnicos e líderes políticos da OEA no que representou um golpe militar contra um presidente democraticamente eleito levantou questões sobre sua competência e compromisso com os valores democráticos que a organização diz defender. Erros na codificação e nos cálculos podem ter sido meramente técnicos, mas a interferência política não pode ser descartada sem uma investigação adequada. O apoio explícito do secretário-geral à remoção de Morales foi claramente uma decisão política.

Com as ameaças contra os processos democráticos se intensificando em muitos países, a necessidade de missões de observação verdadeiramente independentes e neutras nunca foi tão grande. A falta de prestação de contas da OEA na Bolívia abre a porta para que outros na região apresentem falsas alegações de fraude eleitoral na esperança de receber apoio internacional.

Continue lendo

Mulheres curdas membros das Unidades de Proteção Popular (YPG) em setembro de 2016. (Foto: Kurdishstruggle / Flickr)
As milícias curdas assinam um acordo ambíguo com Damasco em uma Síria indefinida
Trabalhadores da Samsung em Tamil Nadu, na Índia, durante greve de 37 dias contra práticas antissindicais da empresa e pelo reconhecimento legal de seu sindicato. (Foto: CITU - Centre of Indian Trade Unions)
Da organização sindical à greve geral: a luta dos trabalhadores da Samsung na Índia
O presidente do Sri Lanka, Anura Kumara Dissanayake. (Foto: President's Media Division)
Novo governo do Sri Lanka sofre para aumentar investimento público em meio às restrições do FMI

Leia também

sao paulo
Eleições em São Paulo: o xadrez e o carteado
rsz_pablo-marcal
Pablo Marçal: não se deve subestimar o candidato coach
1-CAPA
Dando de comer: como a China venceu a miséria e eleva o padrão de vida dos pobres
rsz_escrita
No papel: o futuro da escrita à mão na educação
bolivia
Bolívia e o golpismo como espetáculo
rsz_1jodi_dean
Jodi Dean: “a Palestina é o cerne da luta contra o imperialismo em todo o mundo”
forcas armadas
As Forças Armadas contra o Brasil negro [parte 1]
PT
O esforço de Lula é inútil: o sonho das classes dominantes é destruir o PT
ratzel_geopolitica
Ratzel e o embrião da geopolítica: os anos iniciais
almir guineto
78 anos de Almir Guineto, rei e herói do pagode popular