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O desconforto do Japão na Nova Guerra Fria

Proibido em 1947 de desenvolver suas capacidades militares, Japão começa a retomar desenvolvimento e orçamento das Forças Armadas em meio a tensões entre EUA e China.

Proibido em 1947 de desenvolver suas capacidades militares, Japão começa a retomar desenvolvimento e orçamento das Forças Armadas em meio a tensões entre EUA e China. Por Vijay Prashad | Globetrotter – Tradução de Pedro Marin para a Revista Opera
(Foto: U.S. Army / Staff Sgt. Miriam Espinoza-Torres)

No começo de dezembro de 2021, as Forças de Autodefesa do Japão se uniram às Forças Armadas dos Estados Unidos para o Resolute Dragon 2021, no que os Fuzileiros Navais estadunidenses consideraram como o “maior exercício de treinamento [militar] bilateral do ano”. O major-general Jay Bargeron, da 3ª Divisão dos Fuzileiros Navais dos EUA, disse no início do exercício que os Estados Unidos estão “prontos para lutar e vencer se for necessário”. O Resolute Dragon 2021 ocorreu após a retomada, em setembro, dos exercícios militares trilaterais entre Japão, Coreia do Sul e Estados Unidos na península coreana; esses exercícios haviam sido suspensos quando o governo sul-coreano anterior tentava uma política de reaproximação com a Coreia do Norte.

Essas manobras militares ocorrem em um contexto de aumento de tensões entre os Estados Unidos e a China, com a última versão da Estratégia de Segurança Nacional dos EUA identificando a China como a “única competidora” dos Estados Unidos no mundo, devendo portanto ser contida pelos EUA e seus aliados (que, na região, são o Japão e a Coreia do Sul). Essa postura dos EUA é mantida apesar das repetidas declarações da China – incluindo a feita pelo porta-voz do ministério de Relações Exteriores, Zhao Lijian, em 1 de novembro – de que ela “nunca buscará hegemonia ou se envolverá no expansionismo”. Esses exercícios militares, portanto, colocam o Japão como o teatro central na Nova Guerra Fria perseguida pelos EUA contra a China.

O Artigo 9

A Constituição do Japão de 1947 proíbe o país de desenvolver uma força militar agressiva. Dois anos após o Artigo 9 ser inserido na Constituição sob a ocupação dos EUA, a Revolução Chinesa era triunfante, e os Estados Unidos começaram a reavaliar o desarmamento do país. Discussões sobre a revogação do Artigo 9 começaram a emergir com o início da Guerra da Coreia, em 1950, com o governo dos EUA pressionando o primeiro-ministro japonês Shigeru Yoshida para desenvolver seu exército e militarizar a Polícia de Reserva Nacional; de fato, a Emenda Ashida ao Artigo 9 enfraqueceu o compromisso japonês com a desmilitarização e abriu uma porta para um processo completo de rearmamento.

A opinião pública no Japão é contrária à remoção do Artigo 9. Ainda assim, o Japão prosseguiu desenvolvendo suas capacidades militares. No orçamento de 2021, o Japão adicionou 7 bilhões de dólares (7,3%), para gastar 54,1 bilhões de dólares em suas forças armadas, “o maior aumento anual desde 1972”, de acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo. Em setembro de 2022, o ministro de Defesa japonês, Yasukazu Hamada, disse que seu país iria “fortalecer radicalmente as capacidades de defesa que precisamos […] para proteger o Japão, é importante para nós termos não só equipamento, como aviões e navios, mas também suficiente munição para eles”. O Japão indicou que aumentaria seu orçamento militar em 11% ao ano a partir de agora até 2024.

 Leia também – Nem lembrança, nem reparação: os vestígios da violência imperialista do Japão 

Em dezembro, o Japão publicará sua nova Estratégia de Segurança Nacional, a primeira desde 2014. O primeiro-ministro Fumio Kishida disse ao Financial Times que “estaremos completamente preparados para responder a qualquer cenário possível no Leste Asiático, para proteger as vidas e sustento de nosso povo”. O que parece é que o Japão está se precipitando em um conflito com a China, sua maior parceira comercial.

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