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A sangrenta ditadura peruana ataca também os estudantes

No Peru, a crise se agudiza, as manifestações prosseguem e a repressão que sustenta o governo de Dina Boluarte segue matando.
No Peru, a crise se agudiza, as manifestações prosseguem e a repressão que sustenta o governo de Dina Boluarte segue matando. Por Mariana Álvarez Orellana | CLAE – Tradução de Pedro Marin para a Revista Opera
(Foto: Tinou Bao)

A repressão do ilegal governo peruano, que já superou a marca de seis dezenas de mortos, chegou ao interior das universidades como nos tempos das ditaduras: no último sábado (21) a polícia entrou violentamente na Universidade Nacional de San Marcos, em Lima, a maior e mais antiga do país, buscando intimidar os estudantes que demonstraram apoio às reivindicações camponesas e populares.

O governo anuncia que respeita o direito ao protesto, mas na realidade o criminaliza e reprime de forma mortal. A intervenção policial na Universidade de San Marcos buscou intimidar e desmobilizar os numerosos camponeses que chegaram a Lima de distintas regiões para protestar na capital, onde na quinta (19) e sexta-feira (20) foram realizadas grandes mobilizações que, reprimidas, deixaram mais de 60 detidos.

O governo expressa às balas seu desprezo contra as populações andinas, vítimas do racismo e da marginalização das elites peruanas e hoje peças-chave das manifestações. A indignação também cresce em função de um discurso oficial que felicita as forças de segurança que disparam contra manifestantes e que acusa aqueles que protestam de terroristas, ou de serem pagos para manifestar-se.

As vozes que exigem a renúncia da mandatária não só não se apagaram pela repressão brutal, como aumentam em quantidade e intensidade. “[a presidente] Boluarte encarna a tirania da ignorância. Seu comportamento é extremamente despótico e seu nível de conhecimento do país e da política é baixíssimo. Sua renúncia é a saída mínima para que a situação possa se tranquilizar”, destacou o sociólogo Carlos Reyna.

“É difícil precisar quão próximo estamos disso, mas em qualquer momento seu governo pode colapsar porque está muito enfraquecido pelas mortes e por sua reação de acobertamento e defesa da atuação das forças armadas e policiais, às quais sacralizou depois de tantas mortes, dizendo que tiveram um comportamento ‘imaculado’, o que revela a mente perdida desta senhora”, completa.

A imprensa oligárquica apoia a repressão (e mais). No jornal Perú 21, por exemplo, o ex-primeiro ministro Oscar Valdés – um empresário, militar aposentado e político, presidente do Conselho de Ministros e ministro do Interior durante o governo de Ollanta Humala – fala sobre a “falta de firmeza” e a “atitude suave” que, segundo ele, o governo de Boluarte demonstrou nestes poucos 46 dias. Além disso, reivindica apoio político das forças da ordem.

“As coisas têm que ser levadas com a devida seriedade, e não ter atitudes brandas e ficar lamentando os mortos, porque o que tem que ser feito aqui são investigações sumárias; deveríamos já ter resultados. O que ocorreu com os 50 mortos? Foram mortos realmente pela ação da polícia ou daqueles que entraram pelo sul, a partir da Bolívia? Não pode ser que 20 mil ou 30 mil que protestam nacionalmente estejam acima da vontade de 33 milhões de peruanos”, diz.

Adeus à autonomia universitária

No sábado (21), pelo terceiro dia consecutivo, os manifestantes tomaram o centro de Lima. Da mesma forma, tentaram tomar aeroportos e atacaram delegacias, escritórios públicos e algumas empresas privadas. A resposta repressiva, atirando para matar, foi brutalmente excessiva. O Executivo, a maioria de direita do Congresso e os meios de comunicação generalizam essas ações como as de “terroristas” para desacreditar os protestos e justificar a repressão.

Neste contexto, o Alto representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Josep Borrell, condenou a violência e o uso desproporcional da força por parte das organizações de segurança em resposta ao repúdio social contra o governo.

Enquanto isso, a indignação pela violência letal dos agentes de segurança multiplicou as manifestações que exigem a renúncia da presidente Dina Boluarte, o fechamento do Congresso, a realização de eleições neste ano, um referendo para uma Assembleia Constituinte e punição para os responsáveis pelos massacres. O governo de Boluarte já tem a terrível estatística de mais de uma morte por dia no contexto das manifestações.

Diversos setores também demandam a liberdade do presidente deposto Pedro Castillo, preso pelo governo ultradireitista.

Ódio aos estudantes e camponeses

A direita voltou a pôr em evidência seu ódio aos estudantes e camponeses. A incursão na universidade de San Marcos foi feita com a desculpa de deter aqueles que de diversas regiões, especialmente andinas, chegaram à capital para participar das manifestações antigovernamentais dos últimos dias, e na chamada tomada de Lima.

Estavam alojados no recinto há três dias. Os estudantes abriram as portas da universidade apesar da oposição da reitoria. Um tanque derrubou o portão e um numeroso contingente policial entrou. Houve mais de 200 detidos. Os policiais, armados com fuzis, também invadiram a residência universitária.

Congressistas de esquerda chegaram no campus para ver a situação dos estudantes e camponeses ali alojados, mas as forças de segurança os ignoraram, atropelaram e não deixaram entrar. Também impediram a entrada de advogados que iriam atender os detidos.

A crise se agudiza, as manifestações em diversas regiões prosseguem e a repressão que sustenta o governo de Dina Boluarte e José Williams segue matando. No sábado (21) morreu na cidade de Puno, no sul do país, um morador que havia sido ferido a bala no dia anterior. Já são 46 mortos confirmados por disparos de policiais e militares desde que os protestos se iniciaram em dezembro, sete deles adolescentes.

A cifra total de mortos durante os protestos alcançou a marca de seis dezenas com as mortes por causas relacionadas aos bloqueios de rodovias, como a impossibilidade de acessar atendimento médico. E há cerca de mil feridos.

Williams, outro fascista

Se a presidente Boluarte renunciasse, ela seria substituída pelo presidente do Congresso, um general aposentado de ultradireita: José Williams, acusado por violações de direitos humanos. Essa possibilidade ameaça aprofundar o autoritarismo já posto em marcha por Boluarte. Por isso, as demandas populares também incluem a renúncia de Williams, mas a maioria direitista que controla o Congresso o apoia.

Williams tem um obscuro passado como militar repressor. Foi processado, mas absolvido em uma decisão judicial controversa, pelo massacre de 69 camponeses na região andina de Ayacucho.

Em agosto de 1985, durante o conflito armado entre o Estado e o grupo maoísta Sendero Luminoso, Williams era oficial do Exército em Ayacucho, epicentro desse conflito, quando o exército massacrou a comunidade camponesa de Accomarca.

Nesta ocasião, os militares tiraram os moradores de suas casas, as mulheres foram estupradas e os homens espancados. Em seguida, colocaram todos em uma das casinhas de adobe e pedras e atiraram neles. Eles terminaram a matança jogando uma granada na casa.

Obviamente, o chefe de patrulha que cometeu a matança, o subtenente Telmo Hurtado – o “carniceiro dos Andes” – estava submetido às ordens de Williams. Em 2016, dez militares foram sentenciados a penas entre 10 e 25 anos, mas somente Hurtado está na prisão. A sentença determinou que o crime teria sido cometido por uma ordem superior que atendeu a um plano militar. Williams era um dos oficiais que planejavam essas operações.

No processo judicial, Hurtado disse que seu superior, Williams, ordenou que ele não prestasse conta das vítimas por escrito. Anos depois, liderou a operação militar que em abril de 1997 atacou a residência do embaixador japonês, que quatro meses antes havia sido tomada por um comando do Movimento Revolucionário Tupac Amaru (MRTA), que mantinha 72 reféns.

A operação acabou com 71 reféns liberados e um refém, dois militares e os 14 guerrilheiros mortos. Um diplomata japonês que estava entre os reféns denunciou que um dos guerrilheiros foi detido vivo pelo comando militar dirigido por Williams: depois apareceu morto com um tiro na cabeça.

Hoje, o assassino Williams é congressista pelo partido ultraconservador Avanza País, aliado no Congresso do partido fujimorista Fuerza Popular e da agrupação fascista Renovación Popular.

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