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Honduras: um ano de Xiomara Castro

No primeiro ano de governo, Xiomara Castro conseguiu reverter algumas privatizações e avançar projetos sociais em Honduras, mas já lhe falta estabilidade no Congresso.

No primeiro ano de governo, Xiomara Castro conseguiu reverter algumas privatizações e avançar projetos sociais em Honduras, mas já lhe falta estabilidade no Congresso. Por Camila Vollenweider | CELAG – Tradução de Pedro Marin para a Revista Opera
A presidente de Honduras, Xiomara Castro, durante sua posse, acompanhada pelo seu marido e ex-presidente golpeado, Manuel Zelaya. (Foto: Simon Liu

O dia 27 de janeiro marcou o primeiro ano da presidência de Xiomara Castro em Honduras. Castro ganhou as eleições de novembro de 2021 com 51,1% dos votos, como cabeça da frente Alianza del Pueblo. Essa frente eleitoral era composta pelo partido de Castro, o LIBRE, e o partido de Salvador Nasralla (candidato a vice-presidente), o Partido Salvador de Honduras (PSH). Essa aliança, também conhecida como Acordo Bicentenário, permitiu tirar do poder o histórico Partido Nacional, cujo candidato, Nary Asfura, teve 36,93% dos votos – e ao qual pertence o ex-presidente Juan Orlando Hernández. Asfura é atualmente o líder da oposição.

Em um ano de governo, há alguns elementos para se ter em conta para entender a situação política atual:

1 – A aliança entre o LIBRE e o PSH foi rompida publicamente em meados de outubro de 2022, deixando o primeiro candidato presidencial (equivalente a vice-presidente) Nasralla como adversário dentro do Executivo, e os parlamentares do PSH como potenciais obstrutores de projetos de lei.

2 – A ruptura, anunciada pelo atual assessor presidencial e coordenador do LIBRE, Manuel Zelaya, foi atribuída por ele às constantes críticas públicas de Nasralla à presidente, seu governo e ao partido LIBRE. O PSH por sua vez destaca que a deterioração da aliança é responsabilidade do LIBRE, e foi resultado da falta de avanços nos acordos do Bicentenário, com exceção da Presidência da Câmara Legislativa, que ficou com o PSH, e a excessiva interferência do ex-presidente Zelaya no governo.

3 – O panorama no Congresso é complexo, pois o partido governista, mesmo quando ainda aliado ao PSH, não tem votos suficientes para a maioria simples. Para isso seriam necessários 65 votos em 128 (86 a maioria qualificada) e o LIBRE tem apenas 50 parlamentares, dos quais 20 deixaram de apoiar o governo desde o início do mandato. O PSH tem 10, embora na prática sejam 9 votos porque Luís Redondo é o presidente do Congresso, enquanto distribuídas entre o Partido Nacional e o Partido Liberal estão 66 cadeiras. A Democracia Cristã e o Partido Anticorrupção somam mais dois, normalmente favoráveis ​​ao Governo. Em suma, o partido do governo não tem capacidade para ter maioria simples e seu ex-aliado PSH nem sempre votou a favor, como aconteceu com a lei do Conselho de Defesa e Segurança; por outro lado, o oposicionista Partido Liberal apoiou a lei do Orçamento de 2023.

4 – A grande batalha que será travada em breve no Congresso, e na qual também estão postos os olhos de organismos internacionais como a OEA, é a eleição dos 15 membros do Supremo Tribunal Federal. 23 de janeiro é o prazo para a Comissão de Nomeações apresentar as 45 candidaturas para ocupar esses cargos que têm duração de 7 anos, e das quais 7 devem ser mulheres.

5 –  A conquista de um Tribunal independente e idôneo é fundamental para o combate à corrupção, inclusive por ter competência para julgar parlamentares e funcionários públicos. Recorde-se que em 2009 o Tribunal Supremo, formado por juízes nomeados pelos partidos majoritários, emitiu uma declaração endossando o golpe contra Manuel Zelaya e que em 2015 revogou o limite de reeleição, permitindo um novo mandato para Juan Orlando Hernández, atualmente detido nos Estados Unidos por tráfico de drogas. O procurador-geral e o procurador-geral adjunto também devem ser eleitos.

6 – Em 15 de dezembro, o presidente assinou um memorando de entendimento entre o governo hondurenho e a ONU para a instalação de uma Comissão Internacional contra a Corrupção e a Impunidade (CICICH), embora detalhes sobre seu escopo e duração não tenham sido divulgados. O pedido não tem sido isento de dificuldades, já que a ONU propõe que o mecanismo tenha poderes para “realizar investigações de forma independente, bem como constituir-se como procurador privado”, enquanto o governo propõe que a acusação corresponda sempre ao Ministério Público. Internamente, a maior disputa gira em torno do pedido do Partido Nacional para garantir que esta comissão investigue a gestão do ex-presidente Zelaya.

7 – As últimas pesquisas realizadas no país ERIC-SJ (julho de 2022) e CID Gallup (setembro de 2022) trazem alguns resultados relevantes sobre a atual percepção política dos hondurenhos: i) 65% dos entrevistados aprovam o trabalho do governo (Gallup) e 66,7% consideram que Xiomara Castro representa uma mudança positiva (ERIC-SJ); ii) as principais preocupações da população são o desemprego, o alto custo de vida e a insegurança (Gallup e ERIC-SJ); e iii) 71% da população afirma ser algo ou muito provável que, se tivessem recursos para tal, saíssem do país em busca de melhores oportunidades (Gallup).

8 – Entre as principais medidas adotadas pela presidente em seu primeiro ano de mandato, destacam-se: a) o resgate da Companhia Nacional de Energia Elétrica, que fornece energia gratuita aos setores mais empobrecidos e subsídios aos combustíveis; b) a extinção das Zonas de Emprego e Desenvolvimento (Zedes), implementadas por Hernández, que permitiram a privatização de recursos naturais e minerais estratégicos; c) a proibição da mineração a céu aberto; d) a instauração do estado de emergência por um mês (recentemente prorrogado por mais 45 dias) em 167 áreas do Distrito Central (Tegucigalpa e Comayagüela) e San Pedro Sula em vista do crescimento da criminalidade e para combater as gangues criminais; e) a criação de diferentes tipos de programas, como o programa Red Solidaria e o Bono Esperanza, para as populações vulneráveis.

 Leia também – Por que os EUA estão condenando Honduras por lutar contra a corrupção? 

9 – Finalmente, em meados de janeiro, o Congresso aprovou o Orçamento de 2023, voltado para a execução de projetos nas áreas de Saúde, Educação, Agricultura, Meio Ambiente e Equidade de Gênero.

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